Versões de um Crime

A engenhosidade da trama a serviço da pura diversão

Por Antônio Roberto Gerin

Às vezes, ao decidirmos assistir a um filme, a única coisa que procuramos é distração. Um não pensar em nada. Relaxar. Há filmes que cumprem bem esta saudável missão. Afinal, não somos só intelecto, só público de clássicos, pessoas que só consomem valores incorrigivelmente artísticos. Então? Se cabe um descanso, que filme escolher? Um faroeste? Ficção científica? Uma comédia romântica? Vai uma sugestão. VERSÕES DE UM CRIME (94’), direção de Courtney Hunt, EUA (2017), um daqueles filmes de tribunal, bem ao gosto da tradição americana. Ele narra o julgamento de um rapaz, assassino do seu próprio pai. Não é o que buscamos? Um roteiro engenhoso, que nos surpreenda e nos leve por caminhos inesperados? Podem preparar a pipoca. Eis o filme.

De fato, o roteiro é engenhoso. Ele cumpre a tarefa de nos levar por caminhos nunca dantes imaginados. Ele quebra nossas resistências. Ele até nos trapaceia, bem ao estilo de uma Agatha Christie. O que nos leva a supor que, com tal roteiro em mãos, o filme poderia ser mais do que uma diversão. Caberiam ambições narrativas, estética mais ousada, o que poderia transformá-lo num clássico do gênero. Opa! Já estamos querendo pensar. Analisar. Sem essa de posarmos de crítico. Será que somos incapazes de nos dar o prazer de simplesmente achar um motivo para comer pipoca?

O filme tem duração de apenas noventa e quatro minutos. Pouco. Caberiam, talvez, mais uns preciosos quinze minutos. A pressa em contar a história coloca o filme na fronteira entre o banal chique e o suspense cult. O roteiro, apesar de ardiloso, é insuficiente. Bem estruturado nas artimanhas, mas desleixado nos diálogos. As personagens, sem tempo para se manifestarem, tornam-se um tanto rasas. Sabemos que para qualquer tipo de arte que se sirva da narrativa, para que se torne robusta, ela precisa, antes de tudo, de personagens profundas, complexas e surpreendentes. Na linha do suspense jurídico, o embate entre os advogados de defesa e de acusação soaram previsíveis, o que dificultou a criação de eletrizantes pontos de tensão, atmosfera esta aconselhável para esse tipo de filme. A retórica é arma eficaz para retroalimentar emoções. Enfim, na preocupação de não revelar o desfecho, obrigaram as personagens a se conterem, a dizerem o mínimo. Do ponto de vista da estrutura narrativa, foi um tiro no pé.

Mas nem tudo está perdido. O que faltou de ousadia existencial no roteiro, em parte foi corrigido pela excelente edição. A mão hábil do editor deu consistência viva à trama, conduzindo-a de forma satisfatória. O uso recorrente do flashback foi eficaz. Até uma das cenas iniciais, que aparentemente poderia estar sobrando, acaba tendo um peso simbólico bem preciso. A passagem da motocicleta do advogado de defesa Ramsey (Keanu Reeves) desperta os movimentos traiçoeiros de uma serpente atravessando a rodovia. Uma pequena cena arrepiante que irradiará lá na frente o seu significado.

Vamos parar por aqui. Cala-te! Antes que esta ânsia vulgar de querer transformar um bom filme em clássico acabe gerando dúvidas no espectador. Gente, não há só clássicos no mundo da filmografia. A pipoca pode ter sempre o mesmo gosto, mas não é ela que dita as regras, que vai nos dizer o que é bom e o que é ruim. A pipoca sempre servirá para qualquer tipo de filme. Portanto, se tiver vontade de comer pipoca, eis uma oportunidade para se divertir. Ou, se quer apenas se divertir, não necessariamente precisará comer pipoca.

Um adendo. Quanto às versões do crime, servem apenas para ludibriar o espectador. Versão mesmo só tem uma. O cara… Psiu! Spoiler, não!

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Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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