Uma Mente Brilhante

A  ficção precisa da realidade.

Por Antônio Roberto Gerin

 Sempre que um filme vem com a credencial de ter sido baseado em uma história real, ficamos com um pé atrás a respeito da fidedignidade dessa tal história real. É justo, porque sabemos que a liberdade ficcional é condição primeira para que roteirista e diretor possam fermentar a massa dramática necessária para que o filme ganhe sabor próprio, desprendendo-se da realidade que lhe deu vida. Sem falar no aspecto comercial, muitas vezes impositivo. O belíssimo e premiado filme UMA MENTE BRILHANTE (150’), dirigido por Ron Howard, EUA (2001), parece se encaixar na máxima acima. Baseado na biografia do matemático John Nash, livro homônimo de Sylvia Nasar, o filme ganha, nas mãos do roteirista Akiva Goldsman, voo próprio. Em outras palavras, Akiva molda a narrativa às imposições estético-comerciais de Hollywood. Tirante as críticas sobre a liberalidade ficcional, não podemos negar que o espectador foi brindado com um filme corretamente fantástico. E é isso, afinal, que importa.

O filme conta a história pessoal de John Nash (Russell Crowe), desde os primeiros tempos de universidade, quando começa seus estudos matemáticos, passando pela sua obsessão em criar uma ideia original, e assim o faria, formulando a teoria dos jogos, o que o tornaria famoso já aos vinte e um anos de idade. Passa depois a exercer a função de professor, quando então se casa com a ex-aluna Alicia (A bela Jennifer Connelly). O filme ganha em densidade humana e dramaticidade narrativa quando se põe a percorrer a trajetória do matemático na sua luta contra a esquizofrenia, diagnosticada por volta dos seus trinta anos de idade.

A genialidade de John Nash o levaria a ser cooptado pelo governo norte-americano, que o encarrega de decifrar códigos de espionagem. São os tempos difíceis da Guerra Fria. Portanto, um prato cheio para sua doença mental se manifestar com toda virulência, já que um dos sintomas mais evidentes da esquizofrenia é a paranoia, ou, como dizem, mania de perseguição. Naqueles tempos de delações e delírios, o que não faltavam eram os inimigos reais se misturando ao alarmismo imaginário, gerado pelo medo. E por uma certa propaganda. Mas enquanto John Nash passa os anos lidando dolorosamente com sua doença, ele não abandona suas buscas pelo conhecimento matemático original, vindo, inclusive, a ser coroado com o prêmio Nobel de Economia, em 1994, sonho último de qualquer cientista, tanto pelo reconhecimento do seu trabalho quanto pela gorda conta bancária. Mas quem foi de fato esse John Nash?

John Nash foi uma mente brilhante, que soube usá-la, em último recurso, para conviver com sua doença mental. Reside aqui, na sua busca por levar uma vida normal, a força humana que exala por todos os poros do filme. Não se trata de ter o problema, trata-se de buscar a solução para esse problema, mesmo que a solução seja apenas aprender a conviver com o problema. Não à toa, o verdadeiro John Foster Nash viveu até seus oitenta e sete anos (1928-2015) dentro de uma possível normalidade. Real e imaginário foram divididos por uma linha bem riscada, posto que “é tão real que não se vê que é imaginário”. Palavras, sábias, de John!

Enquanto vai se deliciando com a poderosa história de John Nash, convidamos o espectador a que preste atenção no figurino de Alicia, em especial o vestido vermelho, logo no início do filme, infinitamente belo, que preste também atenção no preciso trabalho de caracterização das personagens, nas expressões faciais riquíssimas de Russell, o Crowe, fabuloso, e preste atenção no movimento preciso da câmera, na maquiagem e na trilha sonora, perfeita para criar a atmosfera de dor e apreensão. Ah, e a fotografia! Enfim, tudo é cuidadosamente armado para provar que a ficção é apenas uma leve curva que desvia a realidade do seu caminho, com a sagrada missão de divertir e comover. Isso é que vale. O resto, sim, é que é ficção.

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Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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