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A nossa história está em nós

Por Antônio Roberto Gerin

Quando decidimos assistir a um determinado filme, sempre teremos uma ou várias razões para justificar nossa escolha. Podemos ser motivados pelo título. Ou pela temática. Ou pela maravilhosa atriz. Ou pelo irresistível ator. Há também a escolha por esse ou aquele diretor, atitude usual àqueles que prezam a direção como fonte segura de bons filmes. E assim podemos ir elencando motivações que nos levarão a escolher a que filme assistir. O doloroso filme – prestem atenção no adjetivo, ele pode ser um motivo de escolha ou de rejeição, já que o que não falta neste comovente filme, A ESCOLHA DE SOFIA (135’), direção de Alan J. Pakula, EUA (1982), são dores. E quais seriam, então, as razões para assistir a A Escolha de Sofia? Primeiro, o título, instigante. Todo mundo e cada um de nós já passou pelo dilema das escolhas difíceis. Outra razão é a atriz, Meryl Streep, no papel de Sofia, uma de suas grandes atuações. Impagável! Levou, entre outras premiações, a estatueta do Oscar de Melhor Atriz. Outra boa razão. O ator Kevin Kline, injustamente esquecido nas indicações a prêmios, no papel do exuberante Nathan Landau. E tem também a temática, a relação destrutiva de um casal de namorados, tendo como pano de fundo os horrores do holocausto. E conta ainda, a favor do filme, o roteiro, equilibrando-se entre presente e passado, nos conduzindo, em ritmo seguro, ao inesperado desfecho. Portanto, caro espectador, diante de tudo o que dissemos acima, a escolha agora é sua.

O tema central do filme A Escolha de Sofia é a relação tumultuada e ao mesmo tempo poética entre Sofia Zawistowski, polonesa católica, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, e Nathan Landau, norte-americano judeu, dominado por uma mente brilhante mas desequilibrada. Seus rompantes persecutórios se voltam sempre contra Sofia que, pacientemente, mantém-se fiel ao lado do namorado. E vem se juntar aos dois o jovem sulista Stingo (Peter MacNicol), vizinho de baixo, pretendente a se tornar um grande escritor. Ele vai aos poucos estreitando amizade com o casal, e recebendo, com isso, os respingos das brigas que acontecem no andar de cima. Como poderemos observar, o encontro imperfeito destas três almas gera a alquimia propulsora do drama em direção ao desfecho.

No entanto, aos poucos vamos percebendo que o tema central do filme não é a relação doentia entre Sofia e Nathan. Sofia, e sua história pessoal, eis o ponto central da narrativa. O filme é baseado no livro homônimo de William Styron, um escritor norte-americano sulista, grande nome da literatura americana do século XX, e que tem em Stingo seu alter ego. O autor compõe um painel emocionante de uma história baseada em fatos reais. O que não é real, afinal, em um campo de concentração? Ali não cabem mentiras e dramatizações. E o ponto alto do roteiro é justamente a precisão com que, à medida que o filme avança, a história de Sofia, na Polônia, e sua dolorosa passagem por Auschwitz, vão sendo reveladas, em toda sua crueza e covardia.

Não cabe aqui entrar em detalhes sobre a história de Sofia. Primeiro, o que se vai mostrar de um campo de concentração, em que pese ser sempre uma temática tão interessante quanto absurda, já está exaustivamente retratado nas telas dos cinemas. Segundo, temos o cuidado de não revelar o desfecho. Vamos nos ater, portanto, a apenas duas questões.

A primeira questão. A estrutura narrativa do filme é construída a partir de mentiras, o que acaba dando consistência ao enredo, uma vez que o provável desfecho de toda mentira é ser ela desmascarada. Estas mentiras tecem uma realidade que nos é mostrada com detalhes e muita verossimilhança, logo nos primeiros minutos do filme. Neste sentido, o que acreditamos como verdade vai se confirmando como sendo mentira. Se o propósito é confundir o espectador, tudo bem, o filme consegue. E como dito acima, o único lugar em que não cabem mentiras é o que acontece em um campo de concentração. E quando o filme, caminhando para o seu final, começa a se aproximar de Auschwitz, estarão sendo colocadas para o espectador as situações narrativas que o deixarão cada vez mais tenso à medida que as verdadeiras verdades vão aparecendo.

A segunda questão é a mais visível no filme. A relação, diria, de codependência entre Sofia e Nathan. Sofia foi uma presa fácil para a loucura de Nathan. Sem estrutura alguma, nem física nem psicológica, ela se deixou ser capturada por ele. Não basta apenas nos perguntarmos por que as pessoas se destroem numa relação em que os momentos felizes são oferecidos a conta gotas. Precisamos também entender por que não se consegue evitar a chegada da próxima grande tempestade (briga), mesmo sabendo que a tempestade está próxima, e que ela chegará para destruir tudo. Porque ela destrói, praticamente tudo. Menos a relação, pois um continuará preso ao outro, para, juntos, produzirem novas e dolorosas brigas.

Talvez tenhamos dificuldade de entender por que as pessoas se sentem tão impotentes em sair desse tipo de relação. No caso de Sofia, entende-se à medida que o filme vai nos mostrando como foi desenhado, nos últimos anos, o seu emocional. Ela precisava se destruir para expiar suas culpas. E encontrou quem a ajudasse a fazer isso, um louco chamado Nathan. É o que ele diz para ela, logo no começo do filme. “Você não vê que estamos morrendo?”. Não era isso que ela queria?

Em suma. O que temos que aceitar, e admitir, é que nossas dores precisam da mentira. Este é um fato. Afinal, temos que nos proteger da verdade. Somos amáveis, frágeis, assustados e sonhadores. Mas parece que perdemos nossas virtudes ao longo do caminho. E esta perda não está ligada ao que somos, mas à maneira como passamos pela nossa história. Portanto, só temos uma saída. Se quisermos nos resgatar, temos que abrir, uma a uma, as caixinhas das nossas verdades. Mesmo que isso nos aterrorize.

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