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Por Alex Ribeiro

O Pagador de Promessas é uma peça escrita por Dias Gomes, que teve sua primeira montagem em julho de 1960, no Teatro de Comédia de São Paulo, com direção de Flávio Rangel. No papel do protagonista Zé-do-Burro, o impressionante Leonardo Villar, que também viria dar vida à personagem na versão cinematográfica. É, sem dúvida, uma das obras primas do teatro brasileiro, premiadíssimo nos palcos e nos festivais de cinema mundo a fora, incluindo o Palma de Ouro, em Cannes, em 1962.

Dias Gomes tem o minucioso hábito de colocar a essência brasileira em seus textos, a ponto de nos sentirmos totalmente familiarizados com as circunstâncias por ele criadas. Mesmo o texto se passando na Bahia, o espectador/leitor de Minas Gerais, Distrito Federal, ou qualquer outra região do país, sente a realidade da peça intensamente próxima de si. A identificação é imediata, mesmo que ela não seja completa.

Sendo uma peça que retrata a cara do povo brasileiro, seus conflitos e valores, ela nos remete a um momento muito importante da nossa história, onde o inocente Zé-do-Burro representa todo o povo que está saindo das zonas rurais, do interior do Brasil, rumo às grandes cidades, naquilo que muitos chamaram de êxodo rural. O choque de realidades, tão contrastantes, é imenso.

Nosso herói desprotegido não compreende os mecanismos que fazem a vida, na cidade grande, girar. O Padre não o deixa entrar na igreja e cumprir sua promessa, a imprensa quer tirar dele a mais sensacionalista das estórias para atiçar a curiosidade de seus leitores, o dono da venda se interessa pelo tumulto que ele causa, pois, isso fará aumentar suas vendas e, por último, sua mulher não resiste às tentações de ir para a cama com outro.

O determinado Zé-do-Burro vai se fartando de tantos percalços e tantas “amizades” que aparecem e depois lhe puxam o tapete. Mas se mantém firme no seu combinado com a santa, e quer, a todo custo, terminar de cumprir sua promessa. Os ânimos se exaltam, as pessoas pressentem a tragédia e se aproximam, como urubus esperando a carniça. Só nosso herói não percebe que a situação foi para um caminho sem volta.

A cena final é uma das cenas mais fortes de que nos lembramos no nosso teatro. O povo levando aquele homem, já morto, para dentro dos portões da igreja e, assim, fazendo cumprir a sua promessa. É aquilo que nós brasileiros já fizemos inúmeras vezes. Matamos nossos heróis para depois consagrá-los, em memória imortal.

O Pagador de Promessas tem esse poder de nos fazer enxergar como, muita das vezes, nos colocamos em cada um dos papeis ali presentes. É certo que, apesar de despertar nossa simpatia, não queremos ser tão inocentes como o Zé-do-Burro, mas, com certeza, queremos ser tão determinados quanto ele, mesmo sendo a cruz tão pesada. E se olharmos para o Brasil de hoje, ela tem sido.

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Por Alex Ribeiro

Anjo Negro é uma peça de Nelson Rodrigues, escrita em 1946. Teve sua primeira montagem dois anos depois, em 1948, no Rio de Janeiro, com direção de Ziembinski. A Crítica da época se dividiu de forma apaixonada. Os mais entusiastas faziam referência às tragédias de Ésquilo. Por outro lado, não faltaram os que condenavam a obra, já chamando o autor de sórdido e obsceno.

A peça conta a história do casal Virgínia e Ismael. Ela branca, ele negro. A moça se vê num casamento forçado, nascido de uma tragédia familiar. E para piorar a situação, Virgínia não escondia seu racismo. Ela, que fora criada pela tia, se apaixona pelo noivo da prima, e tem um caso com o mesmo. Quando o ocorrido vem à tona, o noivo foge e a prima se suicida. Virgínia é a responsável.

Onde entra Ismael? Ele é o castigo que a tia impõe à Virgínia. Ele é chamado pela tia para estuprar a sobrinha maldita, e após isso, a moça é obrigada a se casar com seu algoz. Do casamento, nascem três filhos, negros, e todos morrem. Seria uma maldição lançada pela tia? Nada disso. A própria Virgínia assassina seus filhos. Afinal, são negros.

Poderíamos ficar horas falando sobre as inúmeras violências, em maior ou menor tom, que a peça nos traz, mas ficaremos com apenas uma delas acima citada. Nelson aborda uma questão que ainda hoje é tema de muita discussão e que repercute na configuração social do nosso país, o racismo. À época em que a peça foi escrita, havia se passado pouco mais de meio século desde a abolição da escravatura e, mesmo assim, nossos negros continuavam em dificílimas condições de vida. O que mudou de lá pra cá, nesses últimos setenta anos? Poderíamos olhar para essa Virgínia branca e enxergar nela a pátria mãe que insiste em matar suas minorias, este é o triste retrato que podemos fazer do Brasil de hoje.

Seria esta uma leitura enviesada de uma obra tão complexa? Talvez, e é provável que esse seja apenas um galho dessa frondosa árvore mítica, se é que nos permitem a metáfora. E o teatro também é isso, um retrato de nós, enquanto humanos, enquanto sociedade.

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Por Alex Ribeiro

Os Horácios e os Curiácios é uma peça de Brecht, que conta, de forma alegórica, o que aconteceu em Roma, na chamada guerra dos trigêmeos. Na peça, Brecht divide cada um dos três irmãos, lutando contra si, como se fossem agrupamentos de guerreiros: arqueiros, lanceiros e espadachins.

Como acontecido na guerra dos trigêmeos, dois dos Horácios morrem em batalha, e o terceiro se vê sozinho contra os demais. Porém, estando os sobreviventes Curiácios muito feridos e já cansados, o triunfo é dos Horácios.

Na história de Brecht, os Curiácios pretendiam tomar as terras e minas dos Horácios e convocaram seus exércitos para a invasão da terra vizinha. Eles tinham em mãos as melhores armas e seus guerreiros foram felizes nas primeiras batalhas, mas a um alto custo, visto que os Curiácios saem feridos dessas batalhas. Dois Horácios morrem, no entanto, o terceiro Horácio, poupado de ferimentos, vence um a um os Curiácios.

Tal peça nos faz lembrar o que aconteceu no Brasil, nas eleições de 2014. O país rachou-se em duas grandes massas que se digladiaram pelas redes sociais, mesas de família e demais encontros sociais. Ao fim, já no limite da batalha, um dos lados conseguiu uma reviravolta surpreendente. Isso não significou paz para o país, e muito menos que as coisas ficariam tranquilas para os “Horácios brasileiros”.

Agora, a menos de um ano da próxima eleição presidencial, nos perguntamos se novamente haverá um acirramento entre as facções políticas instauradas. Tombou-se o vitorioso nas urnas, mas tombou-se também o representante mor da oposição. Aonde chegaremos a partir de 2019? Brecht infelizmente não aponta o que se sucede após a batalha, mas nós pudemos sentir na pele o esfacelamento moral da nação. E agora? Conseguiremos uma reviravolta “horaciana” que nos traga de volta, nos próximos anos, o equilíbrio do bom senso? Será nossa missão.

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