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Por Alex Ribeiro

A Sapateira Prodigiosa é uma peça de Lorca que estreou em Madri, em 1930, mas teve sua consagração em Buenos Aires, com a interpretação de Lola Membrives. A peça conta a história da jovem sapateira casada com o Sapateiro, um homem bem mais velho do que ela.

A Sapateira, mulher espirituosa e desprendida dos valores e moral conservadores da sua pequena aldeia, se vê difamada e atacada pelos habitantes daquela aldeia. Os homens se apaixonavam por ela, mesmo que ela não demonstrasse por eles o mínimo interesse. Isso fazia com que as pessoas ao redor vissem aquilo com maus olhos e, consequentemente, difamassem a moça e, para completar a maldade, incentivassem o Sapateiro a se separar dela.

O Sapateiro não sabia lidar com a personalidade única daquela mulher tão intensa, não entendia que, naquele jeito todo independente e desaforado dela, a sapateira mantinha um amor e respeito tão grande por ele. Somado às más línguas da aldeia, isso fez com que o Sapateiro abandonasse o lar, sem nada dizer. A sapateira não amoleceu e conseguiu dar jeito na sua vida. Mesmo sozinha, ela manteve firme sua fidelidade ao amor do Sapateiro.

Ler essas poucas linhas que contam de forma muito sintética a história da Sapateira nos faz imaginar que se trata de uma tragédia. Mas aí é que Lorca assina a obra. Tudo é contado com um belo e poético humor que faz com que o espectador se delicie em boas risadas.

Mais uma vez temos o humor levando no riso uma realidade forte. Aquela moça, bonita e desprendida, causava um imenso incômodo nos aldeões, exatamente por sua liberdade de ser e por ter tamanha consciência de quem era. Talvez, por ser tão dona de si, não precisasse recorrer aos costumes da Aldeia. Eis o grande incômodo! Como pode uma mocinha tão jovem quebrar aquilo que está estabelecido nos bons costumes e nas tradições? A ela nada disso interessava.

A Sapateira é apaixonada pela vida, apesar das imensas dificuldades pelas quais ela foi obrigada a passar. Ela não tem medo de viver, de ser livre. É ai que mora todo o seu prodígio. Sabemos que é um desafio abraçar a liberdade, sair dos nossos costumes e estar aberto ao novo, mas a vida só nos dará prodígios se tivermos coragem. Coragem de amar a vida, de amar a liberdade.

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Por Alex Ribeiro

O Pagador de Promessas é uma peça escrita por Dias Gomes, que teve sua primeira montagem em julho de 1960, no Teatro de Comédia de São Paulo, com direção de Flávio Rangel. No papel do protagonista Zé-do-Burro, o impressionante Leonardo Villar, que também viria dar vida à personagem na versão cinematográfica. É, sem dúvida, uma das obras primas do teatro brasileiro, premiadíssimo nos palcos e nos festivais de cinema mundo a fora, incluindo o Palma de Ouro, em Cannes, em 1962.

Dias Gomes tem o minucioso hábito de colocar a essência brasileira em seus textos, a ponto de nos sentirmos totalmente familiarizados com as circunstâncias por ele criadas. Mesmo o texto se passando na Bahia, o espectador/leitor de Minas Gerais, Distrito Federal, ou qualquer outra região do país, sente a realidade da peça intensamente próxima de si. A identificação é imediata, mesmo que ela não seja completa.

Sendo uma peça que retrata a cara do povo brasileiro, seus conflitos e valores, ela nos remete a um momento muito importante da nossa história, onde o inocente Zé-do-Burro representa todo o povo que está saindo das zonas rurais, do interior do Brasil, rumo às grandes cidades, naquilo que muitos chamaram de êxodo rural. O choque de realidades, tão contrastantes, é imenso.

Nosso herói desprotegido não compreende os mecanismos que fazem a vida, na cidade grande, girar. O Padre não o deixa entrar na igreja e cumprir sua promessa, a imprensa quer tirar dele a mais sensacionalista das estórias para atiçar a curiosidade de seus leitores, o dono da venda se interessa pelo tumulto que ele causa, pois, isso fará aumentar suas vendas e, por último, sua mulher não resiste às tentações de ir para a cama com outro.

O determinado Zé-do-Burro vai se fartando de tantos percalços e tantas “amizades” que aparecem e depois lhe puxam o tapete. Mas se mantém firme no seu combinado com a santa, e quer, a todo custo, terminar de cumprir sua promessa. Os ânimos se exaltam, as pessoas pressentem a tragédia e se aproximam, como urubus esperando a carniça. Só nosso herói não percebe que a situação foi para um caminho sem volta.

A cena final é uma das cenas mais fortes de que nos lembramos no nosso teatro. O povo levando aquele homem, já morto, para dentro dos portões da igreja e, assim, fazendo cumprir a sua promessa. É aquilo que nós brasileiros já fizemos inúmeras vezes. Matamos nossos heróis para depois consagrá-los, em memória imortal.

O Pagador de Promessas tem esse poder de nos fazer enxergar como, muita das vezes, nos colocamos em cada um dos papeis ali presentes. É certo que, apesar de despertar nossa simpatia, não queremos ser tão inocentes como o Zé-do-Burro, mas, com certeza, queremos ser tão determinados quanto ele, mesmo sendo a cruz tão pesada. E se olharmos para o Brasil de hoje, ela tem sido.

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Por Alex Ribeiro

Anjo Negro é uma peça de Nelson Rodrigues, escrita em 1946. Teve sua primeira montagem dois anos depois, em 1948, no Rio de Janeiro, com direção de Ziembinski. A Crítica da época se dividiu de forma apaixonada. Os mais entusiastas faziam referência às tragédias de Ésquilo. Por outro lado, não faltaram os que condenavam a obra, já chamando o autor de sórdido e obsceno.

A peça conta a história do casal Virgínia e Ismael. Ela branca, ele negro. A moça se vê num casamento forçado, nascido de uma tragédia familiar. E para piorar a situação, Virgínia não escondia seu racismo. Ela, que fora criada pela tia, se apaixona pelo noivo da prima, e tem um caso com o mesmo. Quando o ocorrido vem à tona, o noivo foge e a prima se suicida. Virgínia é a responsável.

Onde entra Ismael? Ele é o castigo que a tia impõe à Virgínia. Ele é chamado pela tia para estuprar a sobrinha maldita, e após isso, a moça é obrigada a se casar com seu algoz. Do casamento, nascem três filhos, negros, e todos morrem. Seria uma maldição lançada pela tia? Nada disso. A própria Virgínia assassina seus filhos. Afinal, são negros.

Poderíamos ficar horas falando sobre as inúmeras violências, em maior ou menor tom, que a peça nos traz, mas ficaremos com apenas uma delas acima citada. Nelson aborda uma questão que ainda hoje é tema de muita discussão e que repercute na configuração social do nosso país, o racismo. À época em que a peça foi escrita, havia se passado pouco mais de meio século desde a abolição da escravatura e, mesmo assim, nossos negros continuavam em dificílimas condições de vida. O que mudou de lá pra cá, nesses últimos setenta anos? Poderíamos olhar para essa Virgínia branca e enxergar nela a pátria mãe que insiste em matar suas minorias, este é o triste retrato que podemos fazer do Brasil de hoje.

Seria esta uma leitura enviesada de uma obra tão complexa? Talvez, e é provável que esse seja apenas um galho dessa frondosa árvore mítica, se é que nos permitem a metáfora. E o teatro também é isso, um retrato de nós, enquanto humanos, enquanto sociedade.

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