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Por Alex Ribeiro

A morta é uma peça de Oswald de Andrade, escrita em 1937, e lançada no mesmo ano, juntamente com O Rei da Vela e O Homem e o Cavalo, compondo as últimas três peças escritas pelo autor.

A morta é uma peça que requer uma atenção minuciosa, pois nela Oswald se insere inteiramente no movimento modernista, movimento este cuja importância histórica e artística no Brasil nos é muito conhecida. E Oswald faz questão de questionar a si mesmo, levantando ele o conflito entre o tradicional e o moderno. A figura do Poeta reflete, nos três quadros da peça, o próprio Oswald se contrapondo ao que era tradicionalmente estabelecido na sua poética.

Falar sobre o movimento modernista embutido na estrutura desta peça requer, talvez, um artigo acadêmico analisando cada detalhe colocado pelo autor, assim como o vasto simbolismo por ele criado. O Poeta, Beatriz, Hierofante, os Mortos… são todos personagens significando representações do mundo artístico no qual Oswald estava inserido e do qual fez parte revolucionariamente. Mas não é este o nosso interesse, e sim o fogo artístico que queima dentro de Oswald e como isso se revela na peça.

Por mais que levantemos a hipótese de serem os conflitos apresentados em A Morta específicos, preferimos mirar na abrangência da arte e em como ela pode reverberar em nós de maneira magnífica, nos revelando coisas que de outra forma talvez nunca ficariam claras para nós. Sabendo que o teatro, por ser uma arte que sintetiza a vida, tem o poder da revelação, falemos disso então!

Poderíamos muito bem inserir o Poeta nos dias de hoje e perceber nele, e nos demais personagens, as muitas coisas que nos têm sido recorrentes nesse início de século XXI. Aliás, poderíamos dizer que a figura do Poeta e os seus conflitos são universais, pois, se o inserirmos em qualquer momento da história, estaríamos fazendo uma bela alegoria dos conflitos entre o que é tradicional e o que é inovador.

Muita das vezes o tradicional toma o caráter de conservador, ou mesmo de reacionário, e é neste caso que se estabelecem os conflitos com o que se propõe a inovar. Isso não acontece somente com as sociedades, quando as novas ideias vêm se contrapor ao que está estabelecido. Isso também acontece no amadurecimento do ser humano, onde hábitos e emoções costumeiras resistem em abrir espaço para novas possibilidades, novas vivências. É natural do ser humano estar nesse movimento que o impulsiona e, ao mesmo tempo, o retém.

É isso que Oswald nos fala sobre sua poética. Ele quer mudar, mas o que está estabelecido ocupa um grande espaço nele mesmo. Ele passa a peça tentando entender a si mesmo, o que é tradicional e o que lhe parece totalmente novo, moderno. Ter escolhido a linguagem teatral para retratar esse conflito foi um belo acerto, pois, sendo o teatro uma linguagem artística que se alimenta de várias outras linguagens (literatura, música, arquitetura, artes plásticas, etc.), ele pôde eternizar o conflito que queria explicitar, essa eterna briga por espaço entre o novo e o velho. E quanto a nós, nossos poetas internos estão abertos para o que é novo? Sim, ser Oswald é também ser humano.

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