Luz nas Trevas

Por Alex Ribeiro

Luz nas Trevas é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1923. Quando seu texto foi traduzido para o Brasil, em edição de 1978, não haviam ainda sido feitas montagens da peça no país. Nos últimos anos, contudo, a peça teve uma montagem de sucesso em Belém, com a premiada Companhia Má de Teatro, ficando no palco por mais de cinco temporadas. O texto viria a receber, também, outras montagens pelo interior do Brasil.

Brecht é reconhecido por fazer um teatro reflexivo, que convida o espectador a pensar sobre as situações políticas e sociais de seu tempo, e com Luz nas Trevas não poderia ser diferente. A peça conta o recorte da relação de Paduk, o personagem principal, com os prostíbulos de uma cidade alemã, provavelmente Berlim. O personagem principal instala um refletor na rua dos prostíbulos para que fique claro quem são seus frequentadores. E, ao mesmo tempo, ele abre um barraco onde oferece conferências sobre doenças venéreas, visando a combater o meretrício que, segundo ele, era a fonte maior de tais doenças. A luz do refletor de Paduk é o que inspira o nome da peça, mas traz consigo um significado metafórico que nos dá a pista das intenções de Brecht. Ele quer desmascarar a postura de paladino da moral vestida por Paduk. Mas, como sabemos, Brecht não tem interesse por questões moralistas, esse é só um ponto de partida para enxergarmos o verdadeiro problema que a peça trabalha, as verdadeiras intenções do seu personagem principal.

Paduk fora expulso do prostíbulo da senhora Hogge por estar sem dinheiro para pagar pelos serviços das mulheres do estabelecimento. A fim de se vingar, Paduk levanta a bandeira de acabar com os prostíbulos, trazendo para si a imagem de um homem que luta pela moral e pela saúde pública da sua cidade. O seu barraco lhe rende bons lucros, oferecendo conferências de trinta minutos, onde os cidadãos são expostos a bonecos de cera com deformidades causadas pelo Esquentamento, Cancro Mole e Sífilis. Chocados com as imagens a que assistem, os homens, aos poucos, começam a deixar de frequentar o prostíbulo. A figura de Paduk passa a ser conhecida, sendo estampada nas capas de jornais, e o que era para ser uma simples vingança se torna um grande negócio para ele.

Mas nem tudo é como parece. A Senhora Hogge revela ao público qual é a origem da postura de Paduk, e de uma maneira inteligente e sutil, ela o convence que o fim do meretrício é também o fim do refletor e do barraco das doenças. Paduk reconhece o futuro declínio do negócio e resolve então mudar de foco. Ao invés de acabar com o meretrício, por que não apenas ensinar métodos de prevenção das doenças? Os prostíbulos continuariam a produzir doenças e ele continuaria a combatê-las, numa relação mútua de lucros. Uma verdadeira sociedade. Lembra talvez a indústria farmacêutica? Talvez.

Brecht foi muito perspicaz em trazer, de maneira muito sucinta, a relação de figuras como Paduk e as causas que essas figuras defendem. Está claro que é isso o que acontece muitas vezes com figuras notórias de todos os lugares. A luta é combatida por eles com vigor impressionante, mas ela não pode terminar nunca. Essa relação precisa ser retroalimentada. No Brasil, temos visto surgir inúmeros Paduks, com discursos de consertar o país, limpar a sociedade do mal, moralizar e defender a família em nome de Deus e coisa e tal. Será preciso trazer Brecht de volta e pedir que ele mostre a realidade, que desperte a reflexão? Não. Basta que o teatro se encarregue de fazer o seu papel, segundo o próprio Brecht, de trazer às claras os verdadeiros problemas que insistem em se camuflar em boas ações. E o teatro passa a ser, então, a verdadeira luz nas trevas.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

Deixe um comentário