Julieta

Dores que ficam, vida que vai

Por Antônio Roberto Gerin

JULIETA (99’), direção de Pedro Almodóvar, Espanha (2016), é um filme que nos remete ao feminino naquilo que ele tem de mais humanamente incômodo. O de ter que carregar vida afora as dores de alguma culpa cujo epicentro é a maternidade. Dentro desta temática, você tem a mulher jovem se expandindo em sonhos (Adriana Ugarte), e depois, na virada da trama, agora na meia idade, a mesma mulher (Emma Suárez) se esvaindo em culpas. E para piorar, Julieta, a protagonista mãe, vê sua jovem filha ir embora para sempre, sem dar qualquer explicação. E por mais que a mãe a procure e a espere por longos anos, a filha não retorna. A estrutura narrativa se apoia justamente na ação da mãe escrevendo uma carta para a filha desaparecida, contando-lhe o que aconteceu no passado. E é neste contar a história que os fatos vão sendo revelados, e o espectador passa a entender a dinâmica de dores que exala do filme de forma tão misteriosa. É mais um Almodóvar na sua melhor estética, explorando com habilidade o jogo de cores, com predominância, óbvio, do vermelho, para tirar do drama a atmosfera desejada. Pode-se falar de dores com elegância, sem dúvida.

O roteiro é bem estruturado, mas não se prende à linearidade, o que lhe dá graça e vigor. O manejo aleatório do tempo como forma de fortalecer a dramaticidade é um recurso arriscado, mas, se bem dosado e aplicado, traz ganhos artísticos imensuráveis. Almodóvar não se acanha quanto a isso.

Trata o filme de um assunto recorrente em todos os lares do mundo. Que família não tem guardada em seus álbuns uma coleção de dores e culpas que ficam ali, por anos, mofando as relações, produzindo rancores e levando, na sua grande parte, a irrecuperáveis perdas de tempo? Talvez seja aqui, a nosso ver, o ponto filosófico do filme. Desperdiçamos nossas vidas nos enredando em um emaranhado de incompreensões que nos levam a cultuar dores que parecem incuráveis — às vezes queremos até que elas sejam insuportáveis, para assim podermos sustentar nosso jogo emocional. São dores que, muito provável, com uma boa conversa e uma fria análise dos fatos, poderiam simplesmente se esvanecer. Não que as dores não existam, ou não possam existir. Apenas a vida nos ensina que elas não precisam durar tanto e fazer tantos estragos. Como nos mostra o filme — e nisto ele é cruel —, precisamos de nova tragédia para consertar a anterior. Essa é a nossa crueldade conosco mesmos. E que nos prende eternamente às nossas feridas. E esta parece ser nossa condição humana. Vagarmos sob o peso de um destino muita das vezes estranho a nós.

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Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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