Janis Little Girl Blue

A Eterna Menina

Por Antônio Roberto Gerin

JANIS LITTLE GIRL BLUE (104′), direção de Amy Berg, EUA (2016), é um documentário sobre a vida e curta trajetória artística da sempre menina Janis Joplin. Um furacão. Um sentir a vida intensamente, que ela levava para os palcos de um jeito peculiar, seu, único. Arrebatador. Uma voz que surge do improvável numa menina de Port Arthur, Texas, que caminhou pelo blues até o rock, indo e vindo, como se caminha numa praia ensolarada, já ao entardecer. Um relâmpago, que quando se transformou em trovão, morreu, de overdose, aos 27 anos, em 4 de outubro de 1970.

Sempre quando assistimos a um documentário, ou lemos biografias, invariavelmente perguntamos se tudo nos foi mostrado. Há documentários que parecem nos satisfazer plenamente. Exemplo recente e maravilhoso é o Sal da Terra, sobre a fotografia e vida de Sebastião Salgado. Ou no caso do documentário sobre a Amy. Podemos dizer, ao assistir Amy Winehouse: poxa, essa é a Amy! Mas Janis Little Girl Blue nos traz outra sensação. A de que algo não foi dito. Ou podia ser melhor dito.

O filme sobre Janis Joplin se restringe a apenas alguns pilares documentais. Meia dúzia de entrevistados que entram e saem o tempo todo, os componentes da antiga banda e tal, os irmãos nos deixando a impressão de que não querem dizer tudo, e assim o documentário vai traçando a personalidade de Janis e a trajetória musical da cantora, transitando entre o tardio e fulminante sucesso, a partir de Monterrey, o uso descontrolado de drogas e sua relação com a família e com seus sonhos, o suficiente, e aqui o documentário se basta, para nos provar porque a vida e obra dessa menina repercutem, na mesma intensidade daquela época, até hoje.

Apesar de o documentário relatar os constantes bullyings sofridos na adolescência, pincelar o conservadorismo americano, e o ultraconservadorismo texano, de onde ela veio, o documentário podia ir mais fundo numa questão crucial da vida de Janis Joplin, que a moldou e depois viria a abalar sua estrutura psicológica, cada vez mais frágil à medida que ascendia ao sucesso. A questão é a rejeição. A rejeição ao seu jeito de ser, e depois a rejeição ao seu sucesso. Rejeição da mãe, da família, da sociedade texana, nesta ordem. Pena que o documentário recuou diante de tema tão doloroso e tão destrutivo. O que nos leva a afirmar, e esta é nossa impressão, que a vida real pode não caber em um documentário.

Aos amantes da visceralidade musical de Janis Joplin, e de seu estilo de vida, e também aos amantes em geral, de qualquer artista, cabe colocar uma observação. O modo criativo de vida tem seu preço, quando ele vem interferir no curso normal do cotidiano de qualquer pessoa, do mais desconhecido à estrela do mundo pop. Diferente do que se pensa, quando o grande público consome o que já está feito e não toma conhecimento do sofrido processo de entrega do artista, com suas ansiedades e dúvidas a respeito da própria arte, e de como ela será recebida, este artista pode, no esgotamento e na perda da realidade cotidiana, incluindo aí a vulnerabilidade no exercício pleno do afeto e da individualidade, entrar em um processo de autodestruição e de esvaziamento existencial. Atravessar a soleira da porta e se entregar aos vícios, na busca do que é impossível encontrar, é apenas uma questão de oportunidade. Portanto, em maior ou menor grau, devemos aos grandes artistas a coragem de se perderem em troca de nos oferecer sua obra. Janis Joplin que nos diga.

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Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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