Dorotéia

Por Alex Ribeiro

Dorotéia é uma peça de Nelson Rodrigues escrita em 1947, porém, teve sua estreia apenas em 1950. A peça é chamada pelo próprio Nelson de farsa irresponsável em 3 atos. Apesar disso, Ziembinski, diretor da montagem de estreia, utilizou-se de uma concepção trágica da peça que, se por um lado aumentou o tom dramático da peça dando a sensação de tragédia mais bem acabada de Nelson, até aquele momento, de outro lado, a montagem se distanciou da ideia original do dramaturgo. Para Sábato Magaldi, Dorotéia deve ser considerada uma peça clássica. Na divisão das peças rodrigueanas, Dorotéia encontra-se entre aquelas míticas, ao lado de Álbum de Família e Anjo Negro. Porém, para muitos estudiosos do dramaturgo, essa divisão é limitadora e não traduz a grandeza das peças de Nelson Rodrigues.

Três primas, viúvas, recebem a visita da personagem Dorotéia, uma parente, que havia se distanciado da família por ter se virado contra uma tradição familiar, vinda desde sua bisavó. Tal tradição consistia em sentir náusea do marido na noite de núpcias e, dali em diante, viverem distante do sexo oposto, cultivando o horror à beleza e ao corpo nu, corpo este ocultado por longo vestido de luto. Mas, ao chegar na casa das parentas em esplendoroso vestido vermelho, Dorotéia é hostilizada pelas viúvas, tanto pelas suas “faltas” acima citadas, quanto pela sua beleza irresistível. Só há uma saída para Dorotéia ser aceita. Ir ao encontro de um homem misterioso, de nome Nepomuceno, e solicitar a ele que crie nela chagas pelo corpo, a fim de enfeá-la. Só assim, deixando de ser atraente e mantendo uma vida longe dos homens, é que ela seria aceita na família.

Flávia é a líder das três viúvas e, apesar de a peça levar o nome de Dorotéia, é a primeira que chama mais a atenção, é ela quem fica o tempo todo no palco. Com isso, podemos até arriscar desmascará-la, se é que isso é possível numa obra que foge do realismo. D. Flávia é quem manipula todas as personagens da peça, fazendo da sua autoridade as linhas de marionetes que controlam as outras duas viúvas. Também é ela quem designa qual a purificação pela qual Dorotéia terá que passar para ser acolhida no seio da família. D. Flávia faz o que estamos habituados a ver em muitos lares, onde reina o abuso de autoridade. Só se tem a proteção familiar se tudo correr da maneira que ela exigir e, no caso da peça, o forte moralismo determina as amarras emocionais dos familiares de D. Flávia, que só têm duas saídas, fugir ou morrer.

Nessa peça, há uma aproximação de Nelson Rodrigues com Ionesco, ou seja, um distanciamento do realismo que comumente observamos na maioria de suas peças. Porém, como é de praxe nas belas peças de teatro, há vários pontos que causam estranhamento e reflexão no público e, depois, aproximação. Talvez nos deparamos aqui, em Dorotéia, com a inveja, o controle social disfarçado em proteção familiar e, sobretudo, o desejo como forma de pecado. É um caldeirão prestes a derramar e respingar em todo o público. A pergunta que fica é. As sensações que a peça nos causa são de pura aversão ou de identificação? Abrir mão da liberdade de ser, ou lutar por ela até as últimas consequências? Aí, caro leitor, cada um de nós precisa descobrir por si só o que queremos, sermos Dorotéias ou sermos nós mesmos.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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