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O Judas que há em você

Por Alex Ribeiro

O Judas em Sábado de Aleluia é uma peça de Martins Pena, encenada pela primeira vez em 1844, no Rio de Janeiro. Narra os acontecimentos na casa do cabo da guarda nacional, José Pimenta, e tem como personagem principal o apaixonado Faustino.

Maricota, filha de José Pimenta, é uma moça que está enamorada de inúmeros rapazes e é por causa dela que a peça acontece. Após receber a visita de um dos seus pretendentes, nosso Faustino, ela se desespera com a chegada de outro pretendente, o Capitão. Maricota manda que Faustino desapareça, mas o que o nosso “herói” consegue fazer é apenas se esconder, disfarçando-se de Judas.

É através do disfarce que Faustino descobre a moça namoradeira, o pai falsificador, o capitão incompetente e covarde, e o amor genuíno de Chiquinha, irmã de Maricota, a única personagem a quem Martins Pena salva. Porém, chegado o sábado de aleluia, as crianças avançam para bater no Judas e, vendo-se em tal apuro, Faustino sai correndo para a rua. Pânico! É um fantasma?

Quando retorna, Faustino tira o disfarce e coloca os pingos nos “is”. Ele, que a princípio era o perseguido pelos demais, agora era o mais temido. Detinha as informações. Assim sendo, nosso protagonista designa o futuro de cada personagem, exercendo o que seria seu senso de Moral.

Às vezes, quando estamos diante de uma comédia, deixamos que o riso nos baste e, por vezes, no descuido, deixamos passar as críticas que ela traz. Martins Pena nos apresenta, em meio ao riso, os costumes apodrecidos de uma sociedade brasileira do século XIX. Mas, dois séculos depois, será que há diferença?

Os agentes sociais, representados nos personagens da peça, são um sinal de como as coisas ainda acontecem no Brasil. O que falta é assumirmos o papel de Faustino, sermos apaixonados pelo nosso país, passarmos a ter a consciência de como é que esse país funciona para, então, exigirmos as mudanças que assim acharmos necessárias.

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Ser mãe e ser mulher

Por Antônio Roberto Gerin

 Assistir ao filme de Ingmar Bergman, SONATA DE OUTONO (99’), Suécia/Alemanha (1978), é acompanhar bem de perto, em closes magníficos, uma sequência devastadora de embates entre mãe e filha. Ou entre filha e mãe? Não. Mãe vem primeiro, sempre, então é relação mãe e filha, “essa mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição”. Sim, estas são as palavras do roteirista Bergman, ditas pela boca amarga de Eva, a filha.

O filme narra a tumultuada relação entre a mãe, Charlotte (Ingrid Bergman), uma pianista famosa, e suas duas filhas, Eva (Liv Ullmann), casada com o pastor Viktor (Halvar Björk), e Helena (Lena Nyman), vítima de doença degenerativa.  Após sete anos sem se verem, e a convite de Eva, Charlotte vai passar alguns dias na casa da filha, no sul da Noruega. Charlotte, que há anos havia colocado sua filha doente num asilo, com a sensibilidade de quem coloca uma coisa velha e inútil num depósito, surpreende-se ao encontrar Helena na casa da irmã, Eva. As circunstâncias  para que os tumores emocionais supurem estão dadas.

A chegada de Charlotte à casa da filha Eva, logo no início do filme, segue os padrões cênicos do cinema mundial. Ela desce do carro, abre o porta-malas e vai pegar as malas que ali estão. Eva, feliz, se antecipa à mãe e pega ela as duas enormes malas lindamente amarelas e as sai carregando com tanta desenvoltura, que fica logo evidente que Bergman comete a mesma “leviandade” perpetuada nos filmes mundo afora que usam malas em seus roteiros. O personagem tem que fingir que a mala está pesada, quando todo mundo vê que ela está vazia. Mas como a frágil Liv Ullmann (Eva) vai fingir, se ela está carregando, escada acima, quase correndo, duas malas que devem pesar (se estivessem cheias), cada uma, no mínimo, vinte e cinco quilos? Até tu, Bergman?

Leviandade seria nossa, a de nos preocuparmos com tal detalhe, o peso das malas vazias nos filmes de Bergman. Mas tal observação pode ter seu sentido. Afinal, a genialidade de Bergman faz das malas uma simbologia única, mostrando a extensão da personalidade de Charlotte, uma mulher do mundo e não uma mulher do lar, e atribuindo à filha o papel de carregar o peso das escolhas da mãe. Em Bergman nada é de graça, mesmo que sejam duas lindas malas vazias.

Ingrid Bergman, magnífica; Liv Ullmann, magnífica; Lena Nyman, magnífica. Não precisamos de mais nenhum outro adjetivo para alçar estas três estrelas a um dos momentos mágicos da história do cinema. Lógico que nesta vida nada é absoluto, nem mesmo a empolgação dos adjetivos. E tampouco a empolgação do espectador ao ver, em magnífica fotografia, a sucessão de cenas icônicas, dentre as quais ressaltamos duas, e que traduzem à perfeição uma das características mais fortes da filmografia de Bergman. Sua rigorosa preparação de atores.

Primeiro, a cena, logo no início, quando Charlotte fica sabendo da presença da filha Helena na casa da filha Eva. Contrariando sua vontade, Charlotte – eu tenho outra opção?, pergunta ela – concorda em ver a filha doente. O enquadramento em close absoluto-avermelhado das três, cada uma com suas sensações e vibrações interiores, é preciso e chocante. Interminável. Ali está presente toda essa mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição nas relações mãe-filha. Ali estão presentes as provocações que só a arte parece saber fazer. Ali está presente o fantástico fotógrafo Sven Nykvist que, a partir de 1953, passou a ser o inseparável diretor de fotografia dos filmes de Bergman, e é considerado, por muitos, um dos grandes fotógrafos da história do cinema. Ali está presente, enfim, o resumo artístico da genialidade de Bergman.

A segunda cena é a do piano, quando a filha, e depois a mãe, tocam o Prelúdio n. 2, de Chopin. Se dizem que cinema é close, e é no close onde tudo acontece, é onde a alma sai do limbo e se transforma em assombração, então é preciso assistir a esta cena e ver como o poder da mãe esmaga impiedosamente a tentativa de a filha de ser ela mesma. Não há espaço para a filha no mundo. Para onde a filha vai, para onde a filha se vira, para onde a filha olha, lá está a presença invisível da mãe, pronta para roubar-lhe o sentido do existir. Esta é a cena do piano.

Diante do que se disse acima, vamos pinçar, rapidamente, apenas uma assombração. O eterno embate dos filhos em achar que os pais vão se ajustar a eles, às suas necessidades afetivas e de auto estima. E o eterno embate dos pais em criar expectativas em relação a seus filhos, sem ao menos perguntar-lhes se é aquilo que realmente devem esperar deles. A expectativa anula o humano, assim como a frustrada ansiedade em relação aos pais gera dores intermináveis. Sonata de Outono, neste aspecto, se transforma num grito de alerta.

O filme coloca uma questão moderna para a mulher. A mulher profissional bem sucedida que, para conquistar e manter o sucesso, tem que se separar do lar e se distanciar dos filhos e marido. Foi isto que aconteceu com Charlotte? Ou Charlotte é apenas o modelo inevitável da mãe que transfere suas cicatrizes de mulher para a sua filha indefesa? Quando se trata de relação mãe-filha, para onde se olha, ouvem-se muitas perguntas e nenhuma resposta. Ah, sim! Há uma resposta. Quem vem primeiro, a mãe ou a filha? A mãe.

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Por Alex Ribeiro

Lembrei-me
Essa semana, em silêncio
Do beijo tímido, primeiro
Que te dei naquela noite

Lembrei-me
Dos teus olhos fitos
Da minha pele trêmula
Do meu peito inquieto

Lembrei-me
De você assinando em mim
A obra prima de minh’alma
O marco da nossa história
O meu amor, a minha glória

Lembrei-me
De tu, amiga e amante
De tu, musa e mulher
De tu, insano desejo de amar.