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Por Alex Ribeiro

Anjo Negro é uma peça de Nelson Rodrigues, escrita em 1946. Teve sua primeira montagem dois anos depois, em 1948, no Rio de Janeiro, com direção de Ziembinski. A Crítica da época se dividiu de forma apaixonada. Os mais entusiastas faziam referência às tragédias de Ésquilo. Por outro lado, não faltaram os que condenavam a obra, já chamando o autor de sórdido e obsceno.

A peça conta a história do casal Virgínia e Ismael. Ela branca, ele negro. A moça se vê num casamento forçado, nascido de uma tragédia familiar. E para piorar a situação, Virgínia não escondia seu racismo. Ela, que fora criada pela tia, se apaixona pelo noivo da prima, e tem um caso com o mesmo. Quando o ocorrido vem à tona, o noivo foge e a prima se suicida. Virgínia é a responsável.

Onde entra Ismael? Ele é o castigo que a tia impõe à Virgínia. Ele é chamado pela tia para estuprar a sobrinha maldita, e após isso, a moça é obrigada a se casar com seu algoz. Do casamento, nascem três filhos, negros, e todos morrem. Seria uma maldição lançada pela tia? Nada disso. A própria Virgínia assassina seus filhos. Afinal, são negros.

Poderíamos ficar horas falando sobre as inúmeras violências, em maior ou menor tom, que a peça nos traz, mas ficaremos com apenas uma delas acima citada. Nelson aborda uma questão que ainda hoje é tema de muita discussão e que repercute na configuração social do nosso país, o racismo. À época em que a peça foi escrita, havia se passado pouco mais de meio século desde a abolição da escravatura e, mesmo assim, nossos negros continuavam em dificílimas condições de vida. O que mudou de lá pra cá, nesses últimos setenta anos? Poderíamos olhar para essa Virgínia branca e enxergar nela a pátria mãe que insiste em matar suas minorias, este é o triste retrato que podemos fazer do Brasil de hoje.

Seria esta uma leitura enviesada de uma obra tão complexa? Talvez, e é provável que esse seja apenas um galho dessa frondosa árvore mítica, se é que nos permitem a metáfora. E o teatro também é isso, um retrato de nós, enquanto humanos, enquanto sociedade.

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Os pesos e as medidas do crime

Por Antônio Roberto Gerin

Se você quiser ficar tenso além da conta, comer pipoca num ritmo acelerado, ficar inquieto querendo saber qual vai ser o final do filme, ou ainda, se você quer que chegue logo o final porque não aguenta mais ver tanto sofrimento, uma boa sugestão. Assista a O EXPRESSO DA MEIA NOITE, (120’), direção de Alan Parker, EUA/Reino Unido (1978). É um clássico. Talvez num tom menor, mas um clássico.

O tom menor a que nos referimos deve-se talvez ao vezo ideológico do filme. Não que não exista ideologia no mundo, é só o que existe, e ela é determinante para formatar o dia a dia do cidadão. O filme é baseado numa história para lá de real, um cidadão norte-americano preso nos porões de uma prisão turca. Seria apenas mais um fato policial não fossem as repercussões geradas, envolvendo países com interesses políticos contrários. Mas não é esta ideologia que tira alguns centímetros da estatura artística do filme. É uma outra, mais sutil.

Um estudante norte-americano, Billy Hayes (Brad Davis), de passagem, com a namorada, pela Turquia, resolve traficar haxixe, pensando em vender os dois “inocentes” quilinhos para os amigos de universidade, lá nos Estados Unidos. Ótimo, cobriria os gastos de viagem. Naquela época, início da década de setenta, quando o mundo da Guerra Fria ia dormir e acordava no dia seguinte dividido em dois, as questões do tráfico de drogas não estavam ainda no epicentro das atenções. Dentro deste contexto, e não levando em consideração que na Turquia traficar era coisa mais ou menos séria, nasce a decisão em Billy de achar que valia a pena tentar passar pela segurança do aeroporto turco com dois quilos de haxixe colados ao corpo. No entanto, já dentro do aeroporto, percebe que não está preparado para o crime. O nervosismo o denuncia. Billy vai preso e aí começa sua via sacra de sofrimentos pelas execráveis prisões turcas. Haja pipoca!

O filme, nas mãos hábeis de Alan Parker, sem deixar de mencionar o preciso e dinâmico roteiro de Oliver Stone, ganha dimensão humana justamente pela forma como as relações nas prisões turcas são estabelecidas. Ali também o mundo é dividido em dois, os presos turcos e o resto. Se for norte-americano, aí que é resto mesmo!

Billy e seus dois comparsas, Max (John Hurt) e Jimmy (Handy Quaid), que compõem o vibrante núcleo narrativo do filme, não são poupados das raivas “ideológicas” dos guardas, brutamontes, cães menores e famintos, que apenas reproduzem, na fantástica personagem de Hamidou (Paul L. Smith), o sistema prisional turco, tratado com crueza pelas lentes de Alan Parker, e com certo maniqueísmo pelos tons exagerados com que é retratado. O certo é que as motivações da conduta humana estão baseadas na visão relativa que temos do que é o bem e do que é o mal. É desta visão que nasce, perigosamente, a arbitrariedade. E tornar-se vítima da arbitrariedade foi a principal condenação de Billy Hayes. O que conta é o interesse do momento. É nesta visão, refletida no maniqueísmo, que o filme tira sua força moral e estética. A violência como produto de beleza.

Portanto, se é a ideologia que determina quem é bonzinho e quem é mauzinho, um norte-americano, mesmo cometendo um erro para lá de ingênuo, não pode ser colocado na ala dos maus. Billy Hayes é apenas vítima dessa estrutura polarizada. Condenado a quatro anos de prisão por consumo, e após ter cumprido este tempo, vê a acusação, com caráter retroativo, transformá-lo em traficante, com direito à pena perpétua. E agora, José? O que fazer com o desespero de Billy? Caro espectador, aos desesperados, mais pipoca!

Mesmo defendendo seu cidadão, mesmo o apelo por clemência passar pelas mesas da Casa Branca, o presidente Nixon não vai colocar seus porta-aviões às portas de Istambul e exigir que libertem seu pequeno traficante. O filme ganha dimensão humana na fabulosa cena do encontro de Billy com a namorada Susan (Irene Miracle), quando nada mais importava naquele sagrado instante de encontro com o feminino senão que ela levantasse a blusa e lhe oferecesse os seios nus colados ao vidro de segurança. Esta cena alça o filme, de vez, à categoria do clássico. E é clássico quando uma obra de arte resgata o humano da sua essência trágica.

Mas onde está a pequena fraqueza do filme? Fraqueza, modo de dizer. A preocupação em preservar os bons, esta poderia ser a fraqueza, ou a sutileza ideológica que tira um pouco a ousadia moral do filme. Susan, a namorada, nada sabia das falcatruas do namorado. Vamos preservar a moça, eis a ideologia do bonzinho! Melhor talvez seria ela saber de tudo, mesmo que não concordasse, e ser apenas poupada pelo namorado na hora de ser preso. E de fato ele o faz, mas ao poupá-la, ele está salvando uma inocente e não uma cúmplice! Preserva, assim, no imbróglio, a boa mocinha norte-americana. Se ela fosse cúmplice, portanto, culpada, a ação de Susan de oferecer os seios ao desesperado e destruído namorado daria uma dimensão mais humana ao crime e a cena do vidro seria a consumação da loucura humana, quando perceberíamos, na cumplicidade, que o erro não é uma condenação, mas uma condição de ser do homem.

Mas, enfim. Diante de tanta impotência e se agarrando à lucidez como forma de sobrevivência, o filme não tem como oferecer ao personagem Billy outra alternativa senão apelar para o fortuito. Afinal, o que seria das nossas esperanças se nos baseássemos tão somente na lógica? Enlouqueceríamos. O personagem e o espectador. Mas, neste belo filme, o fortuito nos salva, a todos. O que prova que somos seres indefesos, portanto, humanizados.

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Por Alex Ribeiro

Ah! O poeta
Esse homem absurdo
Que sorri infeliz
Infeliz, por ver tudo num poema
Feliz por ver em tudo um dilema
Esse homem, pequeno ser
Que escreve errado nas linhas retas
Dos ônibus repletos de poemas sentados
Ah! Homem obscuro
Poeta das mazelas de si mesmo
Que vê na rosa seu amor maior
Abraça o espinho num desespero
E regra com sangue espesso
Esse amargo amor sozinho
Ah, poeta, por que continua?
Poeta…