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Por Alex Ribeiro

Escola de Mulheres é uma comédia de Molière escrita por volta de 1662. Conta a irônica estória de Arnolfo, um homem de meia idade que se esforça para criar a mulher perfeita que, de tão pura, não lhe colocaria chifres. A estratégia a que o personagem se apega é deixar a bela Inês isolada do mundo, além de negar-lhe o direito de estudar. Porém, é justamente da inocência da moça que nasce a paixão por outro homem.

Inês, que ficara aos cuidados de Arnolfo desde que tinha apenas quatro anos de idade, foi, a princípio, enclausurada num convento e posteriormente isolada do convívio social numa das propriedades de Arnolfo. Ela recebe a visita inesperada do também jovem Horácio, filho de um amigo de Arnolfo, que por acaso vai até a casa do Senhor de Vendaval, título autodenominado de Arnolfo, e se apaixona imediatamente pela bela mulher que ali se encontra.

A graça toda da peça se vê nos esforços que Arnolfo despende para manter os chifres longe de sua cabeça. Por mais que conseguisse saber todos os planos do rapaz Horácio em relação a Inês e, consequentemente, tentar destruir tais planos, Arnolfo falha e seu desespero tira o riso do espectador/leitor.

Molière se destacou como grande autor de comédias, na França do século XVII, apesar de toda a perseguição que sofreu por suas peças trazerem inúmeras sátiras aos costumes e tradições da época. É bastante instigante como a peça satiriza o patriarcado e coloca em pauta a possibilidade de a mulher escolher o amor que lhe convém numa época em que isso era impensável. Mesmo hoje, quase 400 anos depois, a mulher ainda sofre o peso da mão patriarcal, seja na violência física, seja nas violências psicológica e social.

Esse é o fascínio que as grandes comédias nos causam. Elas arrancam de nós o riso com facilidade, mas ao mesmo tempo estão nos dando boas doses de realidade, escancarando as podridões que, na maioria das vezes, sabemos que existem, mas que por inúmeras razões fingimos não enxergar. Eis o teatro como arte, e eis a arte como fonte de transformação! Talvez seja por isso que, diante de uma sociedade que despedaça direitos, o artista se torna a bruxa a ser caçada. Foi assim em 1600, e é assim nos dias do Brasil de hoje.

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Há futuro na velhice?

Por Antônio Roberto Gerin

Há muitos olhares que podemos lançar sobre este belíssimo e premiado filme de Ingmar Bergman, MORANGOS SILVESTRES (91’), Suécia (1957). Mas um deles nos parece ser o que mais traduz o filme: a ideia de finitude. Afinal, na velhice, o horizonte já não está mais lá, ao longe, diante de nós. Ele parece agora se arrastar sob nossos pés. Sentimos seu peso e sua escuridão. Se não há, pois, mais o horizonte, para onde caminhar? Eis então a pergunta. Há futuro na velhice? Ou o que nos resta é olhar para trás, em busca de lembranças de dias outrora vividos? É o que Bergman faz com seu personagem, o velho médico Isak Borg (Victos Sjörtröm). Faz Isak olhar para trás. Impiedosamente. E nos faz parecer que a vida, na velhice, acontece através das reminiscências, e que são destas imagens que surge o sentido do viver. E aí está o perigo. Porque visitar o passado pode ser, sim, perigoso. E Bergman coloca seu Isak, digamos, numa fria. É quando ele, o velho, numa viagem sem fim ao passado, se dá conta do que foi, do que podia ter sido, e no que realmente se transformou. Pobre Isak. Infelizmente, em Bergman, não há meio termo. A nudez é completa.

O que o espectador vai ver, através da primorosa fotografia em estonteantes pretos e brancos de Gunnar Fischer, ao lado de Sven Nykvist, o grande diretor de fotografia que acompanhou Bergman em vários dos seus filmes, é a história narrada em lembranças e sonhos. Isak Borg, médico veterano, receberá, na tarde daquele dia, honrosas homenagens pela vida dedicada ao exercício da medicina. Na noite que antecede a viagem, Isak recebe a visita de um sonho fúnebre. É a morte deixando seu caixão cair no meio de uma rua deserta. Ao acordar, no dia seguinte, evidente, tocado pelo significado do sonho, Isak toma a decisão. Ia de avião, mas decide ir de carro, de Estocolmo à cidade de Lund, onde receberá a honraria. Sua nora, Marianne (a bela Ingrid Thulin), grávida e infeliz, o acompanha. A viagem à Lund e ao passado são os pontos dramáticos que, no filme, se interpenetram, retroalimentando a ideia de finitude.

A decisão de Isak de ir de carro até Lund provoca uma cena memorável entre o médico e sua empregada, que o acompanha há quarenta anos. Ela não concorda que ele vá de carro. Tem que ser de avião. Mas ele quer ir de carro. A briga é revestida de tamanhas intenções e intimidades, que mais parece uma briga cotidiana de marido e mulher, o que dá à cena um tom hilário e, ao mesmo tempo, irônico. A rabugice, esta companheira inseparável da velhice, domina a cena. Imperdível!

Enfim, o carro em movimento, presente e passado vão se digladiando, em cenas comoventes, até Lund, sul da Suécia. Isak terá o dia todo para chegar a seu destino. Há tempo para que as lembranças aflorem, dando a oportunidade para que Bergman realize um dos seus mais completos filmes. Nada é à toa quando o fortuito se submete à vontade alheia. É a decisão humana, e não o acaso, que constrói a vida. E, também, a arte. Não se iluda, caro espectador, nada é de graça, e Bergman se favoreceu de uma imposição feita por ele a seu personagem, a viagem de carro, para construir mais uma de suas obras primas. Desumano, Bergman, por pura vaidade de artista, obrigou um velho de setenta e oito anos a dirigir por seiscentos quilômetros, num prazo, digamos, de doze horas! Não se faz isso, senhor Bergman. Nem em nome da arte!

Retomando a essência narrativa do filme, é o passado emergindo dolorosamente no presente. Esta é a grande sacada de Bergman. Aliás, sem abrir mão do presente, Bergman o insere no passado, contrariando a técnica do flashback. Não é um flashback como nós o conhecemos. É Isak, o velho, visitando a velha casa de campo onde sua família passava os verões, e é Isak, o velho, presenciando as cenas da época em que era jovem. Mas, eis! Os outros são jovens, ele continua velho, enfiado no passado, descaradamente, apenas como uma figura onipresente. É o passado revelando que a velhice é o estágio da solidão, quando se percebe que o que se fez está feito, portanto, não há tempo para mais nada, no máximo, ir à Lund receber a condecoração. E quando a festa terminar, voltará para sua solidão. É assim que Isak se expressa. Antevendo a morte, já é um morto-vivo.

Morangos Silvestres escancara o drama do envelhecimento. Velhice não se evita, não se esconde, ela se mostra, por inteira, sem disfarce, e a cada passo, a cada lembrança, uma face do fim nos é apresentada. Agora, sem a máscara. Não adianta mais perverter a realidade, como fizemos a vida toda. Chega o momento em que o beco, sem saída, nos aprisiona. E nesta prisão, resta a Isak apenas se perguntar: afinal, o que eu fiz da minha vida? Esta pergunta é um aviso, caro espectador. Temos que nos preparar para um dia podermos respondê-la. Sem dores, de preferência.

E para concluir, nos resta fotografar a vida. Ora! Não são as rugas que pesam. A destruição é inevitável. O lindo jovem é transformado num velho alquebrado. Se não são as rugas, o que então justifica a solidão de Isak? Eis o segredo que a vida nos reserva. Um Isak sensível, apaixonado, simpático, honesto e promissor foi caminhando ao longo dos anos em direção à frustração, ao egoísmo, à frieza do afeto, à amargura, ao isolamento social, ao julgamento implacável e apressado de si e dos outros. A face obscura da vida substitui a luz da juventude. Este é o nosso drama. Nos transformarmos em estranhos de nós mesmos. Sem saber o que somos, resta-nos querer saber o que éramos.

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Por Jackson Melo

Na noite sombria
Me deito
E em meus sonhos
Vejo uma menina, mulher

Cabelos longos e escuros
Que cobrem teu rosto
Mas não disfarçam as tuas lágrimas
Que brotam em meio à tristeza

Olhos de um amor oprimido
De uma pureza roubada
De uma vida
Não vivida

Vejo sonhos aprisionados
E guardados
Por uma dama sem rosto

Enquanto todos têm medo
De tua aparência sombria
Através dos teus cabelos
Eu vejo teus olhos, feridos
Refletindo todo meu amor
Que explode em meu peito.