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O Silêncio de Deus

Por Antônio Roberto Gerin

 Ingmar Bergman retoma em LUZ DE INVERNO (107’), Suécia (1963), um dos temas recorrentes em sua filmografia. O silêncio de Deus.  O filme faz parte da “Trilogia do Silêncio”, juntamente com outros dois filmes, Através de um Espelho e O Silêncio, nos quais Bergman aborda mais demoradamente a temática religiosa, e o faz de uma forma tão consistente que é como se ele, Bergman, utilizando-se da arte, quisesse entrar em contato íntimo com Deus. Quem sabe, ter até uma conversinha com Ele. Mas, infelizmente, esta intimidade não vai além da crise de fé, porque Deus, por mais que Bergman, através dos seus personagens, grite chamando por Ele, esse Deus continuará silencioso.

Tomas Ericsson (Gunnar Björnstrand) é um pastor de uma pequena, fria e distante comunidade no interior da Suécia, mergulhado em profunda crise que, se a princípio é vista como crise de fé, podemos acreditar que ele está passando mesmo é por uma crise existencial. “Afinal, a vida, vale ela a pena ser vivida?”. Esta pergunta nós tiramos do dicionário existencialista do filósofo Albert Camus. E ela parece servir como uma luva para o discurso, em tom depressivo, do padre.

A questão mesma que se coloca, e que nos parece subjazer a todo este questionamento, é a mais óbvia possível. Há vida longe de Deus? Ou a vida só pode ser vivida perto Dele? Mas como viver perto de Deus se ele não fala? Se ele silencia? Como se não existisse?

O filme começa com a longa cena em que o padre celebra a cerimônia religiosa para uma igreja praticamente vazia, e o filme termina com ele também celebrando a liturgia, mas agora para uma igreja totalmente vazia. A crise de Tomas Ericsson parece afetar a fé dos seus paroquianos. Desconfiados, eles parecem não querer atender aos chamados dos sinos. Afinal, o sino, caro espectador, é a voz do padre, não é a voz de Deus.

Em nome da clareza, para que o espectador possa apreender com mais profundidade as crises de Tomas Ericsson, o roteiro nos apresenta vários personagens que irão interferir, ao longo da narrativa, nas dúvidas existenciais do pároco. E Bergman não se prende apenas à questão religiosa. Afinal, somos também feitos de outras partes, mais terrenas.

A primeira é o amor. E se fala muito dele. Com razão, posto que o amor faz parte da crise. Marta (Ingrid Thulin), sua amante, que não acredita lá muito em Deus, tenta viver longe Dele, mas é infeliz. Enquanto mantém uma relação tumultuada com Marta, Tomas não esquece a esposa falecida, com quem mantinha uma relação de estranha dependência. Ao fazer o pároco fincar os dois pés na fé, a esposa apenas mascarava as fragilidades espirituais do marido. Morrendo a esposa, Tomas fica desprotegido, e tudo vem à tona. Dentro desse quadro de crise, Tomas vai oscilar entre as memórias da piedosa esposa e a presença incômoda da profana amante. Amor e fé se misturam, e ambos são fontes da mesma crise.

O personagem Jonas Persson (novamente Max Von Sydow) vem para ilustrar uma das questões que mais nos atormenta. O sentido da nossa insignificância.

Jonas procura o padre para revelar suas angústias com a notícia de que a China está desenvolvendo a bomba atômica. A qualquer momento podemos ir para os ares! Então, pra que viver? Pode-se pensar que Bergman queira nos trazer a preocupação com a tensa Guerra Fria, à época, década de sessenta, em seu auge explosivo. Sim, eram dias de muita tensão. Mas Bergman parece estar mais preocupado com a insignificância humana diante do abandono de Deus. A China está desenvolvendo a bomba e Deus simplesmente não faz nada! Mas Tomas Ericsson, mergulhado ele em suas crises, não ampara as angústias de Jonas Persson. Tudo bem. Jonas sai da igreja e vai se suicidar.

E, por fim, vale discorrer sobre o terceiro personagem que permeia a narrativa, o ajudante do padre, Algot Frövik (Allan Edwal). Ele tem problemas físicos sérios, limitantes. E coloca para o padre uma questão de fé. Lendo a Bíblia, Algot descobre que se dá muita ênfase às dores físicas de Jesus em seus momentos finais, até a crucificação. Ora, diz o sacristão, Jesus sofreu, fisicamente, apenas umas quatro horas, enquanto eu sofro a vida toda, e, com certeza, neste caso, meu sofrimento é até maior do que o de Jesus Cristo! Então, conclui o sacristão, não é a dor física o sofrimento de Jesus. A dor de Jesus é a solidão, uma vez que ele chama pelo pai e o pai silencia. Deus, meu Deus, por que me abandonaste? – grita Jesus, sentindo ele também, na pele, o silêncio de Deus. Eis a bela humanização de Jesus.

O roteirista Bergman oferece ao diretor Bergman o veredicto da nossa condição humana. O silêncio de Deus nos faz insignificantes. Porque nos desampara.  Nos deixa indefesos. Cravejados de culpa. Então, como Tomas Ericsson em algum momento declara, se não existir Deus, não existirá o abandono. Seremos livres! Será? Bem. Quem poderia nos dar a resposta seria Deus. Mas Ele silencia. Como se não existisse! Resta-nos, então, ter fé.

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Por Alex Ribeiro

Tantos porquês a vida traz
Que nos sentimos desorientados
Não entendo como a vida funciona
Entendo apenas de sonhos

Sonhar é ter no horizonte a chegada.

Há sonhos que nos pedem
Que exigem de nós uma exclusividade
Para mim o sonho tem vida própria
O sonho exige ser sonhado.
Mas existe em nós uma teimosia
Que resiste
Persiste
Em deixar o sonho de lado, é adiado
Encerrando nossa paz.

Seria medo o que nos impede?
Em suas imensas grades douradas?
Que nos promete uma vida segura
Uma vida sem viver nada
Uma vida toda errada.

E com medo vamos correndo o risco
De amarelar o sonho sonhado
De viver o sonho comprado
E dormir, toda noite, abraçado
No travesseiro da culpa.

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Por Alex Ribeiro

A Serpente é uma peça de Nelson Rodrigues, sua última autoria teatral. Foi escrita em 1978, dois anos antes do seu falecimento. É a mais curta peça do autor e com o menor número de personagens, apenas cinco. Das muitas histórias que se ouvem sobre Nelson, uma delas é que o autor escreveu a peça quando estava internado por problemas de saúde e não a revisou, temendo não ter tempo de terminá-la. A Serpente trata da história de duas irmãs, Lígia e Guida, que se casaram no mesmo dia, na mesma igreja e vivem no mesmo apartamento com seus respectivos maridos, separadas apenas pelas paredes dos quartos.

Lígia é abandonada pelo marido logo no início da peça. O casamento não funciona. O marido, Décio, não havia procurado a mulher para que pudessem ter sua primeira relação sexual. Ela estava ainda virgem e não se conformava com isso. Com a partida do marido, que não conseguia lidar com sua própria impotência, Lígia entra em desespero e ameaça tirar a própria vida.

Chega a irmã, Guida, que está disposta a fazer qualquer coisa para ajudar a sua querida irmã. Lígia dirige todo seu ódio à Guida, dizendo que ela era a mulher mais feliz do mundo, pois seu marido a satisfazia. A inveja exala! Guida, no extremo de seu desespero, oferece o seu marido para que Lígia perca a virgindade com ele. A tragédia se desenha!

Paulo, marido de Guida, aceita a proposta da esposa com entusiasmo e passa a ter relações com as duas irmãs. Com a cunhada tudo é às escondidas, mas essa situação vai ficando cada vez mais insustentável. Parece que o sexo e a morte vão ficando cada vez mais próximos, mais íntimos! Ah, se Freud lesse Nelson!

Há algo nessa peça que toma o espectador desde o inicio: a violência dos instintos, do desejo. Nelson ainda eleva ao extremo a tensão quando traz o conflito pra dentro do seio familiar, duas irmãs que fariam tudo uma pela outra, se veem agora desejando a morte uma da outra por causa do mesmo homem. Ficamos atordoados com a construção dramática que a peça nos traz. Tomar partido? Dizer que alguém é bom ou ruim? Impossível! Nelson fez o favor de nos trazer personagens e situações tão complexas que, de tão absurdas, são completamente reais. É o teatro mostrando o lado animalesco do humano. Nada é divino, tudo é visceral. Por isso, em Nelson, o jogo não tem regras!

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