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Por Alex Ribeiro

O Auto da Compadecida é uma peça de Ariano Suassuna, escrita em 1955. É considerada por muitos a grande peça brasileira. Em 1957, ela foi apresentada no Festival de Amadores Nacionais, organizado pela FBT (Federação Brasileira de Teatro) e apresentada no Teatro Dulcina, naquela ocasião, ainda sediado no Rio de Janeiro.

O sucesso de O Auto da Compadecida se deu naquele ano, 1957, muito em virtude da riqueza do texto que era paradoxalmente simples e, ao mesmo tempo, de uma riqueza literária enorme. Sobretudo, a peça é extremamente popular, pois, de certa forma, traduz muito bem o arquétipo do povo brasileiro e suas relações pessoais e sociais. A junção de todas estas características na mão do grande Ariano Suassuna faz com que essa seja uma das peças clássicas do teatro brasileiro.

Na época, a montagem do texto foi realizada por um grupo de teatro adolescente, sem muita experiência em teatro, o que potencializou o espírito espontâneo da peça. Houve também uma minissérie de televisão e uma adaptação da peça para as telas de cinema. Esta última com elementos de outras peças de Suassuna.

Os personagens, até então conhecidos da literatura e da tradição oral do nordeste brasileiro, passaram a ser também conhecidos em todo o Brasil. João Grilo é uma personagem conhecidíssima naquela região, sendo também personagem de dois romances, alem de anedotas populares. João Grilo e Chicó, seu fiel escudeiro, estão presentes nas lembranças de muitos brasileiros, principalmente aqueles que puderam ver a adaptação para o cinema, onde os ótimos Matheus Nachtergaele e Selton Mello tiveram belíssimas atuações. São personagens que deixam qualquer ator com água na boca para interpretar. E interpretar João Grilo é trazer para o palco a alma de um povo que muito sofre e que tem que transformar tudo ao seu redor pra continuar a vencer as pelejas da vida.

Consideramos que não cabe analisar essa ou aquela situação da peça, pois a riqueza que Suassuna coloca em sua obra é assunto para várias horas de conversa. Certo é que não há quem fique indiferente ao Auto da Compadecida, que incomoda, causa o riso e a compaixão de uma maneira acessível a todos. A exploração do mais pobre e sua luta pra sobreviver à seca do sertão, as configurações sociais presentes na figura da Igreja, dos Coronéis e dos patrões são um retrato bem pintado ou, melhor dizendo, bem escrito do país. Suassuna, crítico e popular, deu-nos essa dádiva para que pudéssemos nos deleitar e então pensarmos no final: e não é que foi sempre desse jeito mesmo? Por quê? Como diz Chicó: não sei, só sei que foi assim.

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A violência como forma de indignação

Por Antônio Roberto Gerin

Um dos filmes que está na ponta da agulha para ganhar o Oscar 2018 de melhor filme, e que, diga-se, já levou o Bafta, é o insustentável e às vezes inacreditável TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (115’), direção de Martin McDonagh, Inglaterra (2017). Podemos dizer que se trata de um filme de personagem, tamanha a força avassaladora com que a protagonista Mildred Hayes arrasta o mundo atrás de si, na sua determinação de encontrar o assassino da filha. É a força maternal em estado bruto. E bruta é a mãe, sim, na acepção exata da palavra. Três Anúncios para um Crime mostra que ficarmos sentados, torcendo para que o destino venha nos colocar de pé, não é a melhor saída. Caminhar com as próprias pernas ainda é a melhor opção para fazer valer nossa vontade. Mesmo que seja na base do chute. E o que a mãe Mildred mais sabe fazer, na sua simpática selvageria, é sair por aí, chutando baldes!

Mildred Hayes é mãe de dois filhos, um casal, e esposa separada do marido, com quem mantém uma relação de agressão verbal, por parte de ambos, e física, por parte dele. Após ter sua filha estuprada e assassinada, e depois queimada, enfim, brutalidade completa, e mais, após decorridos meses sem que a polícia local se movesse para tentar encontrar o assassino, ela, a mãe Mildred, munindo-se de uma valentia feroz, aluga três outdoors numa rodovia por onde ninguém passa, nos quais cobra das autoridades solução para o assassinato da filha. O alvo acaba sendo o patético xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson), responsável por desvendar o crime. Fincado, portanto, os anúncios, o filme começa a pegar embalo, numa sequência de ações e reações que vão se enfileirando diante de nossos olhos incrédulos, e cada vez mais atentos, tudo para nos mostrar que gente boazinha tem pouco espaço neste mundo.

O que o roteiro e o diretor, unidos umbilicalmente na mesma pessoa, fazem é arrancar a pele da hipocrisia social e mostrar a vida numa camada mais interna, e odienta, onde o drama e o humor se abraçam para exibirem, juntos, o recorte moral e social de uma pequena cidade americana cravejada de preconceitos, abusos e incompetências. Mildred, com seus nervos movidos a raivas, mais parecendo um furacão amaldiçoado, acaba desmascarando o que a pacata cidade prefere esconder. É por estas e outras razões que a mãe Mildred vai colecionando inimigos. E a voltagem vai só aumentando!

O filme é de uma ferocidade sutilmente descomunal, disto o espectador, parece-nos, não terá dúvidas. Há cenas que mal podemos acreditar nelas. Como assim, botar fogo numa delegacia, atirando, um a um, quatro coquetéis molotov, e não ser punida? O que interessa é que a ferocidade, travestida de indignação e raiva, vai alcançando níveis cada vez mais cômicos, e esta comicidade absurda acontece graças à simbiose perfeita entre Mildred, a inconsequente, e seu algoz, o policial Dixon, a antítese da boa conduta esperada para um policial que é contratado para servir ao cidadão. No caso do policial Dixon, é o cidadão que tem que estar a serviço dele. Senão, leva porrada! O pior é que ela, a mãe, para ser ouvida, também está disposta a dar umas boas porradas. Eis aí o ponto máximo, e paradoxal, do choque de interesses entre Jason Dixon (Sam Rockwell) e Mildred Hayes (Frances McDormand). Não é à toa que os dois são aplaudidos por onde passam, recebendo indicações aos prêmios de melhor atriz e melhor ator coadjuvante. É provável que levem também o Oscar.

Se o filme nos diz, já no seu início, que se trata de uma mãe disposta a tudo para ver solucionado o trágico crime ocorrido com sua filha, vamos aos poucos percebendo que não estamos assistindo a mais um desses filmes detetivescos. A mãe Mildred compra tantas brigas por onde vai passando, que não há tempo para se ocupar da busca pela elucidação do crime. E parece-nos ser esta a proposta do filme. Repetir nas telas o que já vimos tantas vezes nas páginas policiais. A luta de pais e famílias para que se faça justiça, onde expressar a dor da morte súbita e inexplicável de um ente querido é mais urgente do que elucidar o fato trágico em si. Discute-se não a morte, e sim a perda.

Em suma. Se o espectador estiver disposto a acolher mais essa manifestação de afeto feroz, porque assim é que o filme tem que ser visto para que o amemos e o aplaudamos, acho que vale a pena sair de casa e ir ao cinema. Vale lembrar que nem tudo precisa ser pura arte para ser admirado. Assim como nem toda mãe precisa sofrer para ser realmente mãe. Bom espetáculo!

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