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Por Jackson Melo

Me deixe ir
Voar pra longe
Para o fim do horizonte

Me permita
Parar somente pra descansar
E que sem olhar para trás
Eu siga sempre em frente
Em busca dos meus sonhos

Sonhos que talvez
Eu nem conheça ainda
Fazendo de cada dia
Uma aventura
Longe da rotina
Da cela
Que me faz prisioneiro

Me deixe ir
Pare de fingir
Que o meu grito de desespero
É boa música para o teu ouvido

Me deixe ir
Para o horizonte
Para a minha plenitude

E que no calor da liberdade
E só assim
Eu retorne para o calor
Dos teus braços.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Álbum de Família é uma peça de Nelson Rodrigues, escrita em 1945. Essa peça só conseguiu estrear nos palcos em 1967, devido ao incômodo e à aversão que gerara no público e na crítica. Sendo aquele um ano de ditadura militar, a montagem teve que ter preocupações especiais para conseguir passar pela censura. O tema que a peça trabalha é o incesto. Essa relação sexual proibida causa uma angústia poderosa nos espectadores e nos leitores da peça.

A história se passa na fazenda de Jonas, o patriarca da família. O casamento com sua prima, D. Senhorinha, de apenas 15 anos, é o prenúncio das relações incestuosas que estão por vir. O casal tem três filhos homens e uma filha mulher, a caçula. A violência e a destrutividade impregnadas nos diálogos vão revelando as relações doentias da família. Jonas nutre desejos incestuosos em relação à filha Glória, de 15 anos. Sendo impossível a realização desses desejos, pois a filha está num internato, ele passa a manter relações sexuais com garotas de 12 a 15 anos, transformando-se num pedófilo.

Senhorinha também vai revelando sua vida incestuosa com os filhos. O primeiro a entrar em cena na peça é Edmundo, que logo revela sua obsecacão pela mãe. Ele chega a abandonar o casamento para ir atrás dela. Odeia seu pai e é apaixonado pela mãe. O segundo a surgir é o filho mais velho, Guilherme, que também odeia o pai, mas se sentindo incapaz de desejar a mãe, transfere seu desejo incestuoso para sua irmã. Por último, Nonô, que vive nu pelas pastagens da fazenda do seu pai, soltando gritos aterrorizantes, de quando em quando, junto às janelas da casa. O que levara ele à loucura? Ter consumado o ato sexual com sua mãe, D. Senhorinha.

É compreensível que a peça cause tanto incômodo. O ar doentio que se respira naquela casa parece que vai contaminando tudo. Porém, as críticas dirigidas a esse texto são puramente morais, pois, do ponto de vista estético, Nelson apresenta as mazelas que podem supurar no ser humano desprovido de limites psicológicos. O desfecho trágico revela como o autor mostra a consequência dessa situação, que é a tragicidade da morte, ou a loucura, que no fundo é uma forma trágica de se viver.

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Seriam amor e sexo faces da mesma moeda?

Por Antônio Roberto Gerin

Todos nós sabemos que a vida se manifesta em infinitas formas, mas que, geralmente, somos conduzidos a viver da forma que nos é determinada como a mais correta e a mais aceitável, moral e socialmente. Conformamo-nos em sermos réplicas, mesmo que dentro de nós exista uma individualidade difícil de ser domada. Assusta-nos ter que lidar com os conflitos que nos habitam e nos atormentam, afinal, eles insistem em nos arrastar por caminhos perigosos. E aí? Ceder ou não ceder aos nossos mais verdadeiros impulsos?

O belíssimo filme A BELA DA TARDE (101’), de Luis Buñuel, França (1967), vem colocar estas questões para o espectador, sem reticências. O filme contrapõe o que é tido como normal a uma situação de ousadia, onde a normalidade idealizada passa a ter o gosto delicioso da transgressão. Só que sair do quadrado confortável e seguro é nos lançarmos numa zona de turbulência e riscos, cujo preço pode ser muito alto, tão alto que não vamos ter condições de pagar. A nossa Bela da Tarde que o diga.

Séverine, encarnada pela exuberante Catherine Deneuve, é mulher bela e ociosa, amparada por um casamento de sonhos, com um homem que lhe oferece a perfeição, mas uma perfeição tediosa, e mais, uma perfeição que não sacia. O maridão Pierre (Jean Sorel) é o príncipe que Séverine, e tantas mulheres, gostariam de guardar num armário para usar em ocasiões especiais. Mas o que fazer enquanto o príncipe estiver trancado no armário? Ora, o quiserem! O que desejarem. O que sonharem. Façam o certo ou o errado, mas façam!

Séverine partiu para uma solução radical, ou surreal, à la Buñuel. Arranjou um amante caliente? Nada disso. É pouco. Tornou-se prostituta vespertina de um sofisticado bordel clandestino. Isso mesmo. Duas vidas. A clandestina, glamourosa e arrebatadora, injetando felicidade e amor na vida oficial, portanto, o equilíbrio exato entre esbofetear o rosto da perfeição e, logo mais à noite, beijá-lo. Só que Séverine, caro espectador, entrou por um lado obscuro da vida, aquele lado que é dominado pelo sexo que traz em sua bagagem as obsessões e as carências humanas. Então, é quando o destino chega e aponta as fragilidades. Numa fração de segundo, ele tira o sossego e o controle da prazerosa clandestinidade. E tudo, como diria o poeta, vira uma merda. Ou como sussurraria a vizinha fofoqueira, bem feito!

Será que devemos mesmo analisar o filme? Dissecá-lo? Será que devemos mesmo tentar descobrir as razões que levaram Séverine ao bordel? É necessário mesmo discutir a personagem do ponto de vista da sua escolha? Ao levantar hipóteses, não estaríamos nós enquadrando? Limitando? Simplificando a obra-prima de Buñuel? Vamos fazer o seguinte. Só um parágrafo, tudo bem?

Especulemos. Teria Séverine apenas tido a coragem de seguir o fluxo carnal dos seus mais recônditos desejos? Teria o abuso na infância, possibilidade esta trazida por rápidos e incisivos flashbacks, a capacidade de detonar, a partir do ponto de vista do espectro da normalidade social, os desvios de conduta da personagem? Ou seria a escolha apenas motivada por um casamento sexualmente entediante, à la Madame Bovary? Afinal, ambas têm como marido entediante um médico ocupado. Sem contar que os sonhos de Séverine a levam para o século XIX, em suntuosas carruagens ocupadas outrora, provável, pela sexualmente inquieta Madame Bovary… Stop!

Caro espectador, a responsabilidade por captar os movimentos sutis da personagem que a encaminharam para um tipo de vida arriscado, mas do qual ela tirava prazeres reais, nada oníricos, é sua. E mesmo que Buñuel misture realidade com sonhos, com a intenção de confundi-lo, não caia na conversa deste hábil diretor. Pelo contrário. Mantenha os pés firmes no real e verá escancarada a finalidade social do casamento como uma instituição que pressupõe os desvios. Se pressupõe, esta conclusão poderá levá-lo, escandalosamente, a admitir que os desvios são normais. Se são normais, não são desvios, são apenas mais uma escolha! E, neste caso, apesar da tragédia, Séverine teve o direito de fazer a sua escolha. Mesmo que na escolha veio embutido o erro. Mas como é que ela ia saber?

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