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São tantos os desejos de Monika…

Por Antônio Roberto Gerin

 MONIKA E O DESEJO (92’), Suécia (1953), é um filme um pouquinho menor que as grandes obras primas de Ingmar Bergman, mas, como tantos dos seus filmes que viriam depois, este também traz embutida em sua narrativa uma força humana incontrolável. A lupa da realidade é colocada inteira sobre a mulher, e o que se vê é uma esplendorosa configuração da alma feminina às voltas em satisfazer seus desejos, de um lado, e a obrigação de assumir os papeis sociais que lhe são impostos, do outro. São eles compatíveis, desejo e obrigação? Para Monika, parece que não.

Monika e o Desejo é o primeiro filme de Bergman que tem distribuição mundial, um sintoma claro de como o jovem diretor já começa a se firmar como uma voz imponente na cinematografia da época. E mais. Este filme traz as primeiras amostras das ousadias do diretor, como a nudez exuberante de Harriet Andersson, tendo tido, inclusive, sérios problemas com a censura. É Bergman nos apresentando a mulher por inteiro, nua por dentro e por fora.

Monika é uma jovem ambiciosa, sonhadora, cheia de vida, dominada por desejos que exalam uma urgência indomável e que vai desembocar nas atitudes sensualmente impulsivas da Monika mulher. Ainda mais que Harriet empresta à personagem uma característica que é da atriz Harriet, o sorriso carnal, que escancara o malicioso desejo de liberdade que Monika faz questão de não esconder. Ela quer mais, ela quer tudo. Ela quer a vida para si, inteira, sem as amarras do cotidiano.

Pois é esta personagem vibrante que vai entrar pela porta de um Café, numa rua qualquer, em Estocolmo, e vai tomar a iniciativa de começar um namoro com o rapaz que ela acaba de escolher. Sim, é ela quem pede a Harry (Lars Ekborg) para acender-lhe o cigarro. É ela quem inicia e dirige a conversa. É ela quem, em poucas palavras, combina com ele uma ida ao cinema, à noite. Sua capacidade de tomar decisões é sua marca de mulher que quer para si o pleno controle da sua alma e do seu corpo. E este jeito de ser é tão natural em Monika que quase não percebemos que é ela quem conduz a narrativa. Para onde ela vai, nosso olhar de espectador vai atrás.

Mas para seguir sua trajetória, ela precisa antes rejeitar a família, reduto de angústias e frustrações. E muito conflito. Rejeita a mãe ocupadíssima, o pai bêbado e os irmãos insuportáveis. E, no final da cena, pega a sua mala e vai embora para o mundo. Dos adultos. E aqui começa o que chamamos a busca pelo sentido de ser mulher livre, assumindo, sem culpas, seus desejos. O problema é que são só os desejos. Sem as responsabilidades.

Monika e Harry navegam de barco, ancoram numa ilha, em pleno verão, em busca do ar puro, do silêncio, de um paraíso idealizado onde não há família, não há patrão, não há horário, não há a atmosfera sufocante da cidade grande. Há apenas o relógio sem ponteiros, a sensualidade sem culpa, o sorriso e as bebidas. Mas, inevitavelmente, estamos inseridos num mundo de causas e efeitos. Então, Monika engravida.

É a partir deste momento que tudo muda. O verão acabou, é hora de retornar para a sufocante Estocolmo, onde Harry encontrará um bom emprego, e onde Monika, a mãe dedicada, Monika, a mulher que cuida da casa, Monika, a esposa que espera pelo marido, Monika, esta mulher terá que aparecer, urgente. Mas ela não aparece. Eis a Monika parada no tempo, fixa no desejo de liberdade, no desejo do amor romântico, no desejo do sexo, no desejo de chorar diante de um filme romântico, no desejo de ter dinheiro pra comprar vestidos, casacos, sonhos… Maliciosamente, Bergman, ao não fazer com que sua personagem transponha o limite da maturidade, ele se dá a oportunidade de dissecar esta alma feminina na sua essência jovem. E Harry, agora trabalhador e dedicado, que cumpre seu papel social de provedor, equivocadamente aceita as irresponsabilidades da esposa. É o convite para a destruição.

Para finalizar, vamos colocar na boca de Monika a frase basilar que resume sua avaliação do casamento como fonte de frustrações. “Não estaríamos assim se não vivêssemos essa vida de família.” O que se vê é o Bergman querendo colocar Monika fora dos seus papeis femininos previamente determinados. E ao fazer isto, Bergman traz à luz o arquétipo feminino construído ao longo de milênios, baseado na enigmática frase “e Deus criou a mulher…”. Que mulher? Bem, não sabemos, mas deve, com certeza, ser uma mulher muito parecida com Monika, cujo desejo é nunca ter saído do paraíso.

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Por Jackson Melo

Assim como em um tribunal
Onde cada palavra
Pode e será usada contra si mesmo
Me dou conta de que a palavra do poeta o condena

E que teus amores
Soam o martelo
Para tua sentença…

Percebo que a paixão
Que sinto em meu interior
Me consumiu
Pouco a pouco
Até o último sopro
De minha alma

Que esta mesma paixão
Tornou-se uma doença em fase terminal…
Levando me cada vez mais próximo do meu fim

Não dê as costas
A este moribundo
Que lhe deu seu último tesouro
Pra que fosse estraçalhado enquanto pulsava
Suas últimas batidas

Realize
O teu último desejo
Um sorriso
Para que no engano de tua paz
Ele navegue por uma mar de delírio até a tua destruição

Quem me dera
Poder fitar o meu olhar de desejo
No teu
Sem me condenar

Poder cultivar
O que habita no mais
Profundo
Do meu ser

A vontade
Que me consome
O querer
Que mantém meus olhos
Abertos
Nas noites de insônia
Que só me trazem
O desejo…
O único e esperado
Desejo!!
O desejo de você.

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Por Leivison Silva

The Pillowman é uma peça em três atos, escrita pelo premiado dramaturgo e cineasta britânico Martin McDonagh – diretor de “Três Anúncios para um Crime”, que concorreu ao Oscar 2018, na categoria melhor filme. Embora tenha sido lançada em 2003, uma primeira versão de The Pillowman já havia ganhado uma leitura dramática pública, em 1995. Em 2004, The Pillowman recebeu o Prêmio Lawrence Olivier de melhor peça inédita, prêmio este que é entregue anualmente pela Society of London Theatre e que é considerado a maior honraria do teatro britânico – equivalente ao Prêmio Molière, na França.

The Pillowman conta a história de Katurian, um escritor de contos de terror que é preso pela polícia de um Estado autoritário não identificado, sob a alegação inicial de subversão política. Logo no começo da narrativa, é revelado o verdadeiro motivo da prisão. Katurian é o principal suspeito de ter torturado e matado algumas crianças, uma vez que os assassinatos reproduziam fielmente o que era narrado em alguns dos seus contos.

O escritor é interrogado pelos detetives Ariel e Tupolski que, durante o interrogatório, contam a Katurian que seu irmão autista, Michal, também fora preso. E que, após ter sido torturado, havia acusado Katurian dos assassinatos. Katurian desespera-se ao pensar no que os detetives podem ter feito com seu irmão e, mesmo sendo inocente, decide assumir a autoria dos assassinatos, contanto que suas histórias, que haviam sido apreendidas pela polícia e pelas quais ele nutre um amor obsessivo, não sejam destruídas.

Ao longo da peça, alguns dos contos de Katurian são narrados e encenados, justamente aqueles que inspiraram os assassinatos, dentre eles o conto “The Pillowman”, que dá nome à peça. E na linha narrativa do texto, surge o conto autobiográfico “O escritor e seu irmão”, com o objetivo de revelar fatos perturbadores da infância de Katurian e Michal.

The Pillowman é uma obra angustiante, perturbadora, sombria, macabra até, com doses generosas de humor negro que exige, num primeiro momento, estômago para quem o lê. A tensão é mantida em alta voltagem em praticamente toda a peça, e o texto não é nem um pouco sutil ao descrever, com riqueza de detalhes, torturas físicas e psicológicas, além de falar, sem eufemismos, do quão criativa e perversa pode ser a crueldade humana.

No entanto, passado o impacto inicial, é possível perceber que a peça fala também do amor pela escrita e da necessidade que os seres humanos têm de contar histórias e, através delas, eternizarem-se. “O primeiro dever do contador de histórias é contar histórias”, fala Katurian, no começo da peça, deixando bem claro que The Pillowman é mais do que uma peça de terror. É quase uma celebração da arte da contação de histórias que acompanha a humanidade desde épocas remotas. O amor obsessivo que Katurian tem pela escrita é tão grande que ele não hesita em sacrificar sua vida e a de seu irmão em troca da preservação da sua obra literária.

The Pillowman é daquelas peças que você pode amar ou odiar à primeira vista, mas nunca ficar indiferente a ela, tamanha sua intensidade e força.

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