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Atrás do sorriso, uma lágrima

Por   Antônio Roberto Gerin

Com O GAROTO (50’), EUA (1921), Charles Chaplin ressurge, de forma magnífica, de um período de crise criativa. Já famoso e reconhecido, podemos afirmar que com este filme o produtor, o roteirista, o diretor e o ator Chaplin fincam de vez os dois pés na fama reservada aos grandes nomes da sétima arte. É seu passo definitivo. Se juntarmos à superação de questões pessoais que afetaram profundamente seu processo criativo o tão conhecido perfeccionismo chapliniano, podemos calcular o esforço sobre-humano despendido por ele para chegar ao resultado artístico desejado para este filme. É um salto de maturidade, pessoal e artística. Artística, pelo que já dissemos, em parte, acima, e pessoal, porque ele, de certa forma, visita emocionalmente sua infância, os tempos em que o garoto Charlie Chaplin passara seus dias em um orfanato, em Londres. Como viria a afirmar o homem Chaplin, vivera ele dentro de uma infância trágica.

O filme apresenta uma estrutura relativamente simples. A mãe de um recém-nascido é rejeitada pelo pai do seu filho. Ela então resolve abandonar o bebê, colocando-o dentro de um carro estacionado em frente a uma mansão. Queria assim dar ao filho um destino glorioso. Mas o drama chapliniano entra em ação e o carro é logo roubado. E o bebê chorão é novamente abandonado pelos ladrões no chão de uma ruela qualquer. Quem vai encontrar o bebê? O Vagabundo, lógico. E aqui a narrativa de fato começa, com um Chaplin enchendo a tela daquela poesia feita de pequenos gestos que vão construindo situações profundamente humanas. E sua tarefa é facilitada pela excepcional atuação do garoto, agora com cinco anos, o ator mirim Jackie Coogan, que, sem medo, desenha diante de nossos olhos um mosaico expressivo de emoções infantis, desprovidas de qualquer filtro.

Para oferecer uma ideia da organicidade dramática do filme, podemos dividi-lo em três momentos distintos.

Primeiro, temos o início do filme, que começa quando a mãe (Edna Purviance) sai do hospital público, onde dera à luz o bebê, percorre todo o trajeto de abandono do filho, até chegar à decisão do Vagabundo, que após a leitura do bilhete deixado pela mãe, resolve assumir os cuidados pela criança. São magistrais nove minutos de uma precisão narrativa rara de se encontrar no cinema. Predomina nesta primeira parte o drama da mãe, que se vê impelida a abandonar o filho. A decisão do Vagabundo parece vir amenizar a dor materna, mas não é o que acontecerá. A dor da mãe só se aplacará com o reencontro do filho, o que vai dar impulso dramático às cenas finais do filme. A sequência de situações burlescas, em que o Vagabundo tenta de tudo para se ver livre do bebê, parece não ter fim. Torcemos, angustiados, para que ele leve de uma vez o bebê para casa!

A segunda parte é de pura magia cômica, e vai até o trigésimo primeiro minuto do filme. É Chaplin esculpido em carrara! Na sua quintessência, catapultado à perfeição pela também perfeita atuação do garoto Jackie Coogan, transformado no sósia mirim do Vagabundo. Quem cuida de quem, quem imita quem, essa troca de papéis é a cereja cênica de O Garoto. São os momentos em que a tela se enche de ternura, transborda humanidade, é quando sentimos que a vida pode nos oferecer momentos de redenção. Ou, pelo menos, de esquecimento de nós mesmos.

E, por fim, a terceira parte, quando predomina novamente o drama. O garoto cai doente e o asilo público interfere, separando o garoto do Vagabundo. E o drama se completa na ação heroica do Vagabundo, ao salvar o garoto das garras do orfanato, colidindo aqui com a história do próprio garoto Chaplin, que o diretor reconstrói através do cinema. O artista não se separa da sua vida.

Por fim, permeando as três atmosferas do filme, acompanhamos o processo de culpa da mãe pelo abandono do filho. Mas o destino, na caneta generosa do roteirista Chaplin, já está traçado.

A narrativa se fecha num melodrama comovente, sim, ao estilo de Chaplin, mas sem cair no vitimismo. Chaplin é um artista, ele precisa narrar a vida, mas precisa também preservar a arte. Para isso, usa uma ferramenta poderosa, o humor cravejado de ironia, estratégia esta que eleva o filme a uma imensa altura artística, fechando o ciclo de uma filmografia que vem para prestar contas de um passado que, se não se fecha, pelo menos se consola em si mesmo.

Parece-nos difícil descrever aqui, neste curto espaço, tantas cenas que mereceriam atenção especial, tamanha a perfeição artística com que elas são cuidadosamente construídas. Já se sabe do perfeccionismo exagerado de Chaplin, que o fez inclusive ter sérios problemas com as distribuidoras, que passaram a não ter paciência em esperar pelo próximo filme do diretor. Esta situação levaria Charles Chaplin, em 1919, junto com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e o famoso diretor David W. Griffith a criarem a United Artists, uma oportunidade para os artistas escaparem à tirania comercial dos grandes estúdios.

Em suma. Agora Chaplin está livre para acompanhar a rápida evolução (tecnológica e artística) do cinema naquela década de 1920, que pede cada vez mais variações de ação e emoção, pois agora as narrativas precisam caber à perfeição nos sonhos de milhões de espectadores que começam a se acostumar a consumir as ilusões projetadas nas telas. Charles Chaplin não se acanha, não se encolhe. Pelo contrário. Arremessa-se criativamente em direção às suas grandes obras, provando mais uma vez que na arte não bastam as técnicas. Precisam-se dos sonhos, das esperanças, do coração. É assim que Chaplin se encontrará definitivamente com o cinema. Mergulhando nas profundezas de sua própria arte.

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Por Alex Ribeiro

É, não sei amar
Sempre achei que soubesse
Mas não sei

Equívoco amante

Não sei aproveitar cada momento
Olhar nos seus olhos e ver o brilho
Essa coisa apaixonante dos poetas

Há em mim uma grande dor
Que carrego em segredo
Segredo
Que leva embora qualquer sonho
Perturbando meu sono

O meu amor é uma rosa que morreu

Mas como o sol sempre volta
Eu abro o meu peito ferido
Pra que você entre
E minhas lágrimas lavam-me por dentro
Enquanto na melodia dos soluços
Minha alma se despe inteira

Veja como é bela
A vida que se revela entre os espinhos
Repare como meu sofrimento me prendia
Como a dor é linda na sua alvorada

Mas tudo isso há de se tornar
O verso mais autêntico que virá
A dor, a rosa, o espinho
A poesia que se torna o próprio poeta
Ou
O poeta que sempre foi poesia.

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Por Alex Ribeiro

A Dama do Mar é uma peça de Ibsen, escrita em 1888. Essa peça é considerada, pelos críticos de Ibsen, a sua peça mais poética. Sendo Ibsen reconhecido como o maior dramaturgo da Noruega e um dos maiores na Europa, desde Shakespeare, a peça já foi montada inúmeras vezes em todo mundo, inclusive no Brasil, além de ter recebido duas adaptações para o cinema.

A Dama do Mar conta a história de Élida, segunda esposa do Dr. Wangel, que vive numa pequena cidade balneária da Noruega. Não se sentindo pertencente à família de Wangel, pai de duas filhas já moças, Élida vive infeliz. Todos os dias ela toma banho de mar no fiorde, uma grande entrada de mar entre altas montanhas rochosas, para tentar se manter conectada à imensidão do mar. Isso se dá porque ela nasceu e viveu por muito tempo no litoral, onde o mar se apresentava em toda sua vastidão e, de certa forma, simbolizava a liberdade.

Antes de conhecer Wangel, Élida havia se comprometido com um marinheiro que passara pela sua cidade natal, Skjoldviken, e que partira em um navio, sem previsão de retorno. Mesmo tendo ela rompido com o marinheiro através de cartas, ele vem procurá-la. Ela sente uma atração irresistível por ele, como se fosse a liberdade chamando-a. Acredita que está fadada a se entregar a ele. Por fim, Dr. Wangel consegue reconquistar Élida, dando-lhe a liberdade para escolher entre ficar ou partir.

Muito se diz sobre os símbolos que Ibsen colocou na peça. Que por detrás das palavras há sempre um sentido oculto. Mas dá pra perceber como ele opõe o que é concreto, o casamento com Wangel, ao determinismo místico presente no marinheiro, ao qual Élida acreditava estar destinada. Tudo se resolve quando a ela é dado o livre arbítrio. Ibsen foi muito influenciado pela onda científica da sua época, e pode ser essa uma das metáforas da peça, a de que o determinismo ficara no passado.

Hoje, 130 anos depois, quem sabe pensaríamos diferente. Talvez quiséssemos que Élida decidisse voltar para o mar, que sempre lhe foi fascinante, se lançar na imensidão, se aventurar. É possível para nós imaginarmos uma Élida leve, que sente o frescor dos ventos marítimos tocando suavemente seu rosto numa manhã ensolarada. Esse parecia ser seu desejo mais íntimo. Entregar-se ao irresistível poder do mar.

Não se trata de uma volta ao misticismo, e sim de uma ode à liberdade. A desgastante rotina, a qual estamos acostumados, e os novos papéis assumidos pela mulher, trazendo-lhe autonomia e liberdade, podem nos fazer crer que ela deveria abandonar tudo e partir com o marinheiro. Mas Ibsen provavelmente sorriria desse nosso desejo por liberdade. E faz questão de mostrar que, estando livre, Élida pode escolher partir, como também escolher ficar. E ela escolheu ficar. Ela ou Ibsen?

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