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Amor, sublime amor!

Por Antônio Roberto Gerin

O sensível e premiadíssimo filme O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (135’), direção de Ang Lee, EUA (2005), aborda um dilema universal que ocupa boa parte de nossa existência. Estamos falando do amor, esta eterna fonte de vida. E, não raras vezes, de sofrimento. Mas, o que é o amor? Parece uma pergunta óbvia, não parece? Nem tanto. O amor soa como um conceito tão próximo de nós e, no entanto, acaba sendo nossa principal fonte de dúvidas e incertezas. O certo é que qualquer resposta que venhamos a dar sobre o amor, ela soará muito pessoal, posto que o amor é, acima de tudo, uma experiência. Que estará sempre colada à nossa história. De um jeito único, só nosso, portanto, intransferível. É justamente este amor que o maravilhoso filme O Segredo de Brokeback Mountain nos mostra. Amor feito de histórias únicas, cujo desenho é um mosaico de êxtases e sofrimentos, alegrias e decepções. Só os protagonistas Ennis Del Mar e Jack Twist, e ninguém mais, poderão fazer parte da história de amor que acontece entre eles, lá em cima, na montanha Brokeback. Só eles poderão dizer alguma coisa a respeito. E eles dizem. Muito. Independentemente de cor, raça, orientação sexual, geografia e origem, amar é uma experiência que está acima de qualquer julgamento. Olhando O Segredo de Brokeback Mountain de forma apressada, corre-se o risco de rotulá-lo como filme de cowboys, ou de cowboys gays, ou simplesmente um filme gay. Fujam imediatamente destes rótulos. O filme de Ang Lee é tão somente um filme sobre o amor.

Dois rapazes conseguem emprego de vaqueiro para cuidarem, naquele verão, de um rebanho de ovelhas conduzidas montanha acima, um lugar de difícil acesso, e distante de tudo e de todos. Brokeback, eis o nome da montanha. Estes dois rapazes são, por enquanto, solteiros, cowboys, gostam de rodeios, curtem estar no campo, trazem histórias pessoais diferentes, e estão ali para proteger as ovelhas dos ataques de animais selvagens e, mais do que isso, estão ali para vigiar a presença do Estado, já que a ocupação daquelas pastagens é irregular. O ambiente, bucólico, a solidão, total, o ar, selvagem, eis o terreno, fértil, onde algo extraordinário está para acontecer.

Precisaremos esperar meia hora de filme para que o amor surja diante de nós, numa cena memorável, e precisamente realista. Os movimentos em direção ao outro são sutis, sustentados por meias palavras e por olhares que não se cruzam, mas que estão ali, fulminados pelo desejo. E quando tudo, então, se desencadeia, na oferta total de sexo, sentimentos e emoções, abre-se um outro mundo para estes dois rapazes, cujos desdobramentos irão repercutir nos próximos vinte anos de suas vidas. É quando o próprio Ennis, assustado com o que está acontecendo, declara. “Aonde o amor vai nos levar?”. Ah, se soubéssemos, Ennis!

Mas, a vida continua. Os dois se casam, os dois têm filhos, os dois têm que lidar com a dura rotina de casamentos infelizes, os dois se encontram de longe em longe, os dois se juram amor, e aos poucos o espectador vai percebendo que a história toma um rumo de dores e desencontros, onde cada um, à sua maneira, vai sendo massacrado pela incapacidade de lutar contra o que tanto os oprime. Não basta ter que lutar contra o casamento indesejado, é preciso reunir coragem para sair dele e entrar em outra relação, verdadeira, desejada, mas assustadora, posto se tratar de um amor entre dois homens. O amor continua intacto, mas tudo o que está em volta dele vai aos poucos se despedaçando.

O amor é sempre projetado a partir do que somos, certo? As diferenças de personalidade e a forma como cada parte lida com a realidade são matérias primas na construção de uma relação. Esta dinâmica, comum entre amantes, é retratada no filme, de forma sutil, às vezes rude, criando um contraponto gerador de sonhos e desesperos. Ennis (Heath Ledger) pouco fala, mastiga as palavras, e esconde os gestos. Uma estátua bruta em estado de eclosão vulcânica. Chuta o balde com facilidade, mas não consegue assumir sua realidade. Jack (Jake Gyllenhaal) é diferente, o oposto, quase. Sentimentos e emoções afloram do olhar, sua vontade se impõe nos gestos, seu desejo é assumido, sem ressalvas, apesar dos medos. Bem que ele, Jack, luta incansavelmente para dar um rumo seguro à relação dos dois. Mas, à medida que o tempo passa, ele vai perdendo as forças, até se esvair, quando já será tarde para que Ennis tome de fato uma atitude.  A cidade os oprimiu. Os compromissos familiares os aniquilaram. Sonhavam com a chegada do próximo verão, para poderem se refugiar, lá em cima, na montanha. Já que se amavam, tinham que fazer valer o amor. Ora, se o amor está em nós, é só deixá-lo fluir! Não é bem assim. Tão simples. Um, sem o outro, não forma dois. E aqui reside a força trágica do filme.

É, pois, a partir desta atmosfera que a narrativa sustenta seu fôlego dramático, e nos presenteia com tanta beleza humana e sensibilidade poética. E a identificação com as narrativas de amores trágicos se faz logo presente, amores traduzidos, ao longo dos séculos, em belas obras de arte, desde um Romeu e Julieta, de William Shakespeare, passando pelas grandes obras românticas, óperas e teatros, até chegarem, quase todas elas, às telas dos cinemas. Havia dúvidas se O Segredo de Brokeback Mountain podia ser colocado nesta mesma categoria. No entanto, a dúvida se desfaz ao se chegar ao desfecho, numa das cenas mais humanas de que se tem notícia, no cinema. A cena final, em que o amor entre Ennis e Jack é ratificado pelos pais de Jack, portanto, colocado no seu devido lugar, transcendendo preconceitos, alçando o amor a uma altitude divina. Este é o olhar que os pais de Jack oferecem aos espectadores. Sim, o amor é um produto espiritual, porque ele só pode se realizar através de um desejo, que não é obra calculada, mas feita do mais puro impulso humano, que é o de sempre querermos existir no olhar do outro. Ao colocar o amor como o protagonista da narrativa, Ang Lee coloca seu filme acima dos pequenos e miseráveis rótulos.

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Por Jackson Melo

É noite de festa
O clima agradável
E a alegria do ambiente
Conduzem o momento perfeito

Dois corações
Se encontram

As palavras
Se tornam inúteis
Por mais que pensadas
Não se aproximam
Da descrição do momento

As bocas
Alternam beijos
E sorrisos

Entre um suspiro e outro
O calor dos lábios
Arrepia o pescoço

A despedida se aproxima
E cada beijo
Vai se tornando o último
Com anseio do próximo

Eles se despedem
Ela sorri, ele se encanta
Os passos
Seguem caminhos opostos
O medo da distância
Acende a chama do desejo
E os lábios se tocam
Mais uma vez.

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Por Alex Ribeiro

Os Irmãos das Almas é uma comédia de Martins Pena, escrita em 1844. Assim como outras comédias urbanas do autor, essa obra apresenta algumas características marcantes. A ironia com os costumes brasileiros, a sátira com os tipos da época, os diálogos surpreendentes e os desfechos improváveis, tudo concentrado num único ato, faz Martins Pena ser considerado, por muitos, o Molière brasileiro. Como não podia ser diferente, em Os Irmãos das Almas estas características também estão presentes.

Nessa peça, Martins Pena trabalha um casamento falido entre Jorge e Eufrásia, fazendo com que todos os acontecimentos e personagens girem em torno deste fato. Na casa do casal, vivem Mariana, mãe de Eufrásia, Luísa, irmã de Jorge, além da presença constante de Sousa, Felisberto e Tibúrcio. Jorge se vê totalmente fraco diante das ações da mulher e da sogra, que fazem o que querem dele. Luísa, que depois da morte da mãe é obrigada a ir morar na casa do irmão, é constantemente humilhada pelas duas senhoras.

Dados os conflitos, vamos ao riso, já que, se aprofundássemos os conflitos, teríamos matéria prima para um ótimo drama. Mas Martins Pena quer nos fazer rir, para só então podermos refletir. As contradições presentes nas duas mulheres, altamente religiosas e ao mesmo tempo perversas com o marido e sua irmã, além do possível amante de Eufrásia, que vive a circular pela casa, vão montando situações tão engraçadas que às vezes beiram ao inverossímil.

Ao mesmo tempo, Jorge é um grande trapalhão, que às vezes nos lembra os belos tipos criados por Molière, nas suas comédias. Jorge não consegue se impor à sua mulher, nem se livrar da perseguição da sogra. Ele se mete em confusões diversas e é até malandro no seu ofício de irmão das almas.

Luísa, a irmã, faz o papel de personagem lúcida, muito recorrente nas peças de Martins Pena, a que enxerga e faz uma leitura de tudo o que se passa na casa. E é através dela e de seu pretendente, Tibúrcio, que a peça consegue ter a virada fantástica de que precisa.

Ler Martins Pena é uma atividade muito prazerosa, e que nos surpreende de maneira tão jocosa que estamos sempre esperando a próxima surpresa, já com o riso pronto. O interessante é que, mesmo a peça se passando há mais de cento e setenta anos, ainda podemos perceber comportamentos que estão presentes na nossa cultura. É como se ali, naquelas palavras de Martins Pena, começassem a serem eternizados os arquétipos brasileiros. E como toda bela comédia, mostra nossa dor fazendo-nos cócegas. Rimos para não precisarmos chorar diante do espelho.

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