Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Quão frágil é ser humano
Que ao mínimo abalo
A felicidade esvai-se
Perdida por entre os dedos

Quão longas se tornam as noites
Cuja insônia acometida
Perfurando os teus sonhos
Não te deixa repousar os olhos

Olhos estes de um vermelho carnal
Numa fonte de lágrimas
Que inundam e afogam
A alma e a voz, emudecidas

Que mão amiga há de resgatar?
Dar-te o fôlego, respiro
Acolhendo numa escuta, espera
O momento certo de levantar

Que força é essa que há no amor
Que estende a mão na adversidade
Que ampara, abraça, beija e demora
Mas que não pode ficar

Quão frágil ser tão humano
Equilibrar-se na efemeridade
Entre amar e ser amado
Entre partir e ser deixado.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Leivison Silva

Salomé é uma tragédia em ato único, subdividida em quatro cenas. Escrita originalmente em francês, em 1891, por Oscar Wilde (1854-1900), para ser encenada pela grande atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923), Salomé teve sua primeira edição publicada em 1893. No entanto, Sarah não pôde encená-la de imediato, pois a obra fora proibida de ser apresentada por ser considerado ilegal representar personagens bíblicos no teatro. A peça só foi liberada para estrear nos palcos franceses em 1896, ano em que Oscar Wilde se achava na prisão, na Inglaterra. Oscar Wilde havia se envolvido com o jovem poeta Alfred Douglas (1870-1945), o responsável por traduzir Salomé para o inglês e cuja edição ganhou as famosas ilustrações de Aubrey Beardsley (1872-1898), em 1894. Esse envolvimento com o filho do Marquês de Queensberry viria a dar muitas dores de cabeça a Oscar Wilde. O texto Salomé ainda serviu de base para o libreto da ópera homônima composta por Richard Strauss (1864-1949), cuja estreia se deu em 1905, em Dresden.

Salomé se baseia numa famosa passagem do Novo Testamento, que é relatada tanto no Evangelho de Mateus quanto no Evangelho de Marcos. Trata-se da história da execução do profeta João Batista, chamado de Iokanaan na peça.

A ação começa com alguns soldados e servos de diversas nacionalidades observando a lua no terraço do palácio de Herodes Antipas. Dentre eles, destacam-se o pajem da rainha Herodias, e Narraboth, o sírio, capitão dos guardas. Narraboth compara a lua à princesa Salomé, por quem é apaixonado, enquanto o pajem da rainha aconselha-o a não olhar muito para a princesa da Judeia. Ouve-se então a voz de João Batista. O profeta encontra-se dentro de uma cisterna, de onde grita suas profecias e imprecações, despertando os mais variados sentimentos naqueles que o escutam.

Salomé surge então no terraço, perturbada, fugindo dos olhares inconvenientes que Herodes Antipas, Tetrarca da Judeia, seu tio e padrasto, lançava-lhe durante o banquete dado aos embaixadores de César. Iokanaan profetiza a vinda do Filho do Homem, despertando a curiosidade de Salomé em conhecer aquele homem que dizia coisas tão terríveis sobre sua mãe, Herodias, e que era temido pelo próprio Herodes. Apesar das recomendações dos servos e da hesitação dos soldados, Salomé exige que tragam Iokanaan à sua presença, chantageando emocionalmente Narraboth, que acaba por lhe fazer a vontade.

Iokanaan é trazido para o terraço, onde sente a presença do anjo da morte rondar o palácio, chegando mesmo a ouvir o rumor de suas asas. Diante da figura singular e misteriosa do profeta, Salomé é tomada por uma paixão fulminante. Ela passa a desejar ardentemente Iokanaan, que, no entanto, a despreza, chamando-a de “filha da Babilônia” e “filha de Sodoma”. Vendo a insistência de Salomé em beijar a boca de Iokanaan, Narraboth, desgostoso, comete suicídio. Iokanaan amaldiçoa Salomé e volta para a cisterna. Antes que os soldados possam retirar o corpo de Narraboth do terraço, entram em cena Herodes Antipas, Herodias e toda a corte.

Herodes escorrega no sangue de Narraboth, tomando isso por um mau agouro. Herodias, extremamente irônica, faz pouco das crendices do marido. Herodes afirma ainda estar sentindo um vento frio sobre o palácio, como o bater de grandes asas, e Herodias continua a ridicularizá-lo. Herodes então convida Salomé a se aproximar, mas esta se mantém esquiva. Iokanaan volta a praguejar, profetizar e ultrajar Herodias de dentro da cisterna, o que deixa a rainha profundamente irritada.

Ignorando as queixas de Herodias, o Tetrarca da Judeia ordena que Salomé dance para ele. A princípio, Salomé se recusa, mas diante do juramento que Herodes faz de lhe dar qualquer coisa que ela pedir, até mesmo a metade do reino, Salomé aceita dançar. Herodias tenta demover a filha desse intento, mas é inútil. Salomé executa então a dança dos sete véus, em êxtase, à borda da cisterna na qual está aprisionado Iokanaan.

Ao fim da dança, Herodes, satisfeito, pergunta a Salomé o que ela deseja como recompensa e fica absolutamente chocado quando ela pede que lhe tragam, numa grande bandeja de prata, a cabeça de Iokanaan. Herodias aprova o pedido da filha e aproveita a oportunidade para tripudiar o marido. Agora é Herodes, temendo que aconteça uma desgraça caso Iokanaan seja morto, quem tenta fazer Salomé mudar de ideia, oferecendo-lhe tesouros raros e valiosos, mas Salomé mantém-se firme. Herodes não tem outra saída senão atender, contrariado e assustado, ao pedido da enteada.

Herodias retira então o anel da morte do dedo de Herodes e o entrega ao executor, que desce à cisterna, decapita Iokanaan e traz a cabeça do profeta numa grande bandeja, conforme pedira Salomé. Num êxtase de necrofilia, a princesa da Judeia proclama seu amor rejeitado pelo profeta e beija voluptuosamente os lábios da cabeça decepada de Iokanaan, para alegria de Herodias e horror de Herodes, que se retira enojado do terraço. Antes que o pano caia, Herodes volta à cena e ordena que seus soldados matem Salomé.

Salomé é uma lírica e brilhante acareação entre a sensualidade do paganismo e a humildade devota do incipiente Cristianismo. “Vai chegar o Senhor! Está próximo o Filho do Homem. Os centauros ocultam-se nos rios e as ninfas, deixando os ribeiros, deitam-se nas florestas”, profetiza Iokanaan, na Cena II. Essa fala, escrita no final do século XIX, lembra uma velha tradição cristã, segundo a qual, quando o anjo avisou os pastores de Belém do nascimento de Jesus, os oráculos se calaram e um gemido profundo, ouvido em toda a Grécia, anunciou que Pã morrera. As ninfas choraram nos bosques, desoladas, e toda a realeza do Olimpo fora destronada, passando a vagar no frio e nas trevas.

Oscar Wilde, como tantos escritores ocidentais, provavelmente devia lamentar, no íntimo, o desaparecimento da bela mitologia que embalou a juventude do mundo, substituída pela dura verdade cristã, em sua maioridade. Um indício é a maneira como escreveu Salomé. Ao nos contar novamente a história do amor carnal da princesa da Judeia pelo profeta incumbido por Deus de preparar o caminho para que Jesus cumprisse sua missão redentora na Terra, Wilde presenteou a humanidade com um texto que exala poesia, sangue e pecado, uma obra prima do sadismo, enfim, que vale muito a pena ser lida.

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A nossa história está em nós

Por Antônio Roberto Gerin

Quando decidimos assistir a um determinado filme, sempre teremos uma ou várias razões para justificar nossa escolha. Podemos ser motivados pelo título. Ou pela temática. Ou pela maravilhosa atriz. Ou pelo irresistível ator. Há também a escolha por esse ou aquele diretor, atitude usual àqueles que prezam a direção como fonte segura de bons filmes. E assim podemos ir elencando motivações que nos levarão a escolher a que filme assistir. O doloroso filme – prestem atenção no adjetivo, ele pode ser um motivo de escolha ou de rejeição, já que o que não falta neste comovente filme, A ESCOLHA DE SOFIA (135’), direção de Alan J. Pakula, EUA (1982), são dores. E quais seriam, então, as razões para assistir a A Escolha de Sofia? Primeiro, o título, instigante. Todo mundo e cada um de nós já passou pelo dilema das escolhas difíceis. Outra razão é a atriz, Meryl Streep, no papel de Sofia, uma de suas grandes atuações. Impagável! Levou, entre outras premiações, a estatueta do Oscar de Melhor Atriz. Outra boa razão. O ator Kevin Kline, injustamente esquecido nas indicações a prêmios, no papel do exuberante Nathan Landau. E tem também a temática, a relação destrutiva de um casal de namorados, tendo como pano de fundo os horrores do holocausto. E conta ainda, a favor do filme, o roteiro, equilibrando-se entre presente e passado, nos conduzindo, em ritmo seguro, ao inesperado desfecho. Portanto, caro espectador, diante de tudo o que dissemos acima, a escolha agora é sua.

O tema central do filme A Escolha de Sofia é a relação tumultuada e ao mesmo tempo poética entre Sofia Zawistowski, polonesa católica, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, e Nathan Landau, norte-americano judeu, dominado por uma mente brilhante mas desequilibrada. Seus rompantes persecutórios se voltam sempre contra Sofia que, pacientemente, mantém-se fiel ao lado do namorado. E vem se juntar aos dois o jovem sulista Stingo (Peter MacNicol), vizinho de baixo, pretendente a se tornar um grande escritor. Ele vai aos poucos estreitando amizade com o casal, e recebendo, com isso, os respingos das brigas que acontecem no andar de cima. Como poderemos observar, o encontro imperfeito destas três almas gera a alquimia propulsora do drama em direção ao desfecho.

No entanto, aos poucos vamos percebendo que o tema central do filme não é a relação doentia entre Sofia e Nathan. Sofia, e sua história pessoal, eis o ponto central da narrativa. O filme é baseado no livro homônimo de William Styron, um escritor norte-americano sulista, grande nome da literatura americana do século XX, e que tem em Stingo seu alter ego. O autor compõe um painel emocionante de uma história baseada em fatos reais. O que não é real, afinal, em um campo de concentração? Ali não cabem mentiras e dramatizações. E o ponto alto do roteiro é justamente a precisão com que, à medida que o filme avança, a história de Sofia, na Polônia, e sua dolorosa passagem por Auschwitz, vão sendo reveladas, em toda sua crueza e covardia.

Não cabe aqui entrar em detalhes sobre a história de Sofia. Primeiro, o que se vai mostrar de um campo de concentração, em que pese ser sempre uma temática tão interessante quanto absurda, já está exaustivamente retratado nas telas dos cinemas. Segundo, temos o cuidado de não revelar o desfecho. Vamos nos ater, portanto, a apenas duas questões.

A primeira questão. A estrutura narrativa do filme é construída a partir de mentiras, o que acaba dando consistência ao enredo, uma vez que o provável desfecho de toda mentira é ser ela desmascarada. Estas mentiras tecem uma realidade que nos é mostrada com detalhes e muita verossimilhança, logo nos primeiros minutos do filme. Neste sentido, o que acreditamos como verdade vai se confirmando como sendo mentira. Se o propósito é confundir o espectador, tudo bem, o filme consegue. E como dito acima, o único lugar em que não cabem mentiras é o que acontece em um campo de concentração. E quando o filme, caminhando para o seu final, começa a se aproximar de Auschwitz, estarão sendo colocadas para o espectador as situações narrativas que o deixarão cada vez mais tenso à medida que as verdadeiras verdades vão aparecendo.

A segunda questão é a mais visível no filme. A relação, diria, de codependência entre Sofia e Nathan. Sofia foi uma presa fácil para a loucura de Nathan. Sem estrutura alguma, nem física nem psicológica, ela se deixou ser capturada por ele. Não basta apenas nos perguntarmos por que as pessoas se destroem numa relação em que os momentos felizes são oferecidos a conta gotas. Precisamos também entender por que não se consegue evitar a chegada da próxima grande tempestade (briga), mesmo sabendo que a tempestade está próxima, e que ela chegará para destruir tudo. Porque ela destrói, praticamente tudo. Menos a relação, pois um continuará preso ao outro, para, juntos, produzirem novas e dolorosas brigas.

Talvez tenhamos dificuldade de entender por que as pessoas se sentem tão impotentes em sair desse tipo de relação. No caso de Sofia, entende-se à medida que o filme vai nos mostrando como foi desenhado, nos últimos anos, o seu emocional. Ela precisava se destruir para expiar suas culpas. E encontrou quem a ajudasse a fazer isso, um louco chamado Nathan. É o que ele diz para ela, logo no começo do filme. “Você não vê que estamos morrendo?”. Não era isso que ela queria?

Em suma. O que temos que aceitar, e admitir, é que nossas dores precisam da mentira. Este é um fato. Afinal, temos que nos proteger da verdade. Somos amáveis, frágeis, assustados e sonhadores. Mas parece que perdemos nossas virtudes ao longo do caminho. E esta perda não está ligada ao que somos, mas à maneira como passamos pela nossa história. Portanto, só temos uma saída. Se quisermos nos resgatar, temos que abrir, uma a uma, as caixinhas das nossas verdades. Mesmo que isso nos aterrorize.

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