Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Jackson Melo

O poeta está confuso
Segundo ele
Lhe falta poesia
Inspiração
Palavras

Engano teu!

Mal sabe ele
Que a poesia
Já o consumiu
Completamente

Tuas paixões
Teus desejos
Teus temores
Teus pensamentos

Ela sabe!

Ela o condena
E o acalenta
Com apenas
Alguns versos

A poesia faz parte
Do teu ser
E o teu elo
Entrelaçado
Vem desde o início
E irá até o teu último suspiro

O poeta está confuso
Segundo ele
Lhe falta poesia…
Tolo poeta
Mal sabe ele
Que acabou de escrever.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Luz nas Trevas é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1923. Quando seu texto foi traduzido para o Brasil, em edição de 1978, não haviam ainda sido feitas montagens da peça no país. Nos últimos anos, contudo, a peça teve uma montagem de sucesso em Belém, com a premiada Companhia Má de Teatro, ficando no palco por mais de cinco temporadas. O texto viria a receber, também, outras montagens pelo interior do Brasil.

Brecht é reconhecido por fazer um teatro reflexivo, que convida o espectador a pensar sobre as situações políticas e sociais de seu tempo, e com Luz nas Trevas não poderia ser diferente. A peça conta o recorte da relação de Paduk, o personagem principal, com os prostíbulos de uma cidade alemã, provavelmente Berlim. O personagem principal instala um refletor na rua dos prostíbulos para que fique claro quem são seus frequentadores. E, ao mesmo tempo, ele abre um barraco onde oferece conferências sobre doenças venéreas, visando a combater o meretrício que, segundo ele, era a fonte maior de tais doenças. A luz do refletor de Paduk é o que inspira o nome da peça, mas traz consigo um significado metafórico que nos dá a pista das intenções de Brecht. Ele quer desmascarar a postura de paladino da moral vestida por Paduk. Mas, como sabemos, Brecht não tem interesse por questões moralistas, esse é só um ponto de partida para enxergarmos o verdadeiro problema que a peça trabalha, as verdadeiras intenções do seu personagem principal.

Paduk fora expulso do prostíbulo da senhora Hogge por estar sem dinheiro para pagar pelos serviços das mulheres do estabelecimento. A fim de se vingar, Paduk levanta a bandeira de acabar com os prostíbulos, trazendo para si a imagem de um homem que luta pela moral e pela saúde pública da sua cidade. O seu barraco lhe rende bons lucros, oferecendo conferências de trinta minutos, onde os cidadãos são expostos a bonecos de cera com deformidades causadas pelo Esquentamento, Cancro Mole e Sífilis. Chocados com as imagens a que assistem, os homens, aos poucos, começam a deixar de frequentar o prostíbulo. A figura de Paduk passa a ser conhecida, sendo estampada nas capas de jornais, e o que era para ser uma simples vingança se torna um grande negócio para ele.

Mas nem tudo é como parece. A Senhora Hogge revela ao público qual é a origem da postura de Paduk, e de uma maneira inteligente e sutil, ela o convence que o fim do meretrício é também o fim do refletor e do barraco das doenças. Paduk reconhece o futuro declínio do negócio e resolve então mudar de foco. Ao invés de acabar com o meretrício, por que não apenas ensinar métodos de prevenção das doenças? Os prostíbulos continuariam a produzir doenças e ele continuaria a combatê-las, numa relação mútua de lucros. Uma verdadeira sociedade. Lembra talvez a indústria farmacêutica? Talvez.

Brecht foi muito perspicaz em trazer, de maneira muito sucinta, a relação de figuras como Paduk e as causas que essas figuras defendem. Está claro que é isso o que acontece muitas vezes com figuras notórias de todos os lugares. A luta é combatida por eles com vigor impressionante, mas ela não pode terminar nunca. Essa relação precisa ser retroalimentada. No Brasil, temos visto surgir inúmeros Paduks, com discursos de consertar o país, limpar a sociedade do mal, moralizar e defender a família em nome de Deus e coisa e tal. Será preciso trazer Brecht de volta e pedir que ele mostre a realidade, que desperte a reflexão? Não. Basta que o teatro se encarregue de fazer o seu papel, segundo o próprio Brecht, de trazer às claras os verdadeiros problemas que insistem em se camuflar em boas ações. E o teatro passa a ser, então, a verdadeira luz nas trevas.

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O encontro de duas dores

Por Antônio Roberto Gerin

 O que falar de um Bergman abusado, entrando furiosamente na psique de suas personagens, e se comportando como um visitante intruso? E, às vezes, inescrupuloso? É assim que Bergman se aproxima de suas duas personagens, Elisabet Vogler (Liv Ullmann) e Alma (Bibi Andersson), em um de seus mais insondáveis e belos filmes, PERSONA (83’), Suécia (1966). Belo, sim, mas principalmente enigmático, pois, para onde olhamos, vemos um ponto de interrogação. A primeira impressão que o filme nos traz é a percepção de estarmos diante de uma relação simbiótica entre duas mulheres que se encontram em situação de dor. E que fazem desse encontro um painel assustador de como a mente humana está à mercê de impulsos, sobre os quais não temos nenhum domínio. E nenhuma compreensão. Mesmo que queiramos entender e, quem sabe, mapear as conexões psíquicas desenhadas por Bergman, difícil será chegarmos a conclusões definitivas. A verdade é que Bergman, mais uma vez, não hesita em nos lançar na escuridão. Para quem gosta desse jogo, eis uma magnífica oportunidade de entrar em contato com mais esta obra prima do diretor sueco. E fiquem certos. É um jogo em que o espectador entra para ganhar. Sempre.

Uma famosa atriz de teatro, enquanto encenava o espetáculo Electra, texto de Sófocles, sofre um inesperado colapso mental que a deixa calada e imóvel. Caso de psiquiatria, caso de internação. No entanto, seu estado mental e físico é estável, a despeito de inspirar cuidado em tempo integral. Para isso, é contratada uma enfermeira, Alma, que acompanhará a paciente no seu dia a dia. E para que a recuperação seja mais rápida, Elisabet, juntamente com Alma, são levadas a uma casa à beira-mar, onde boa parte da narrativa sobre a relação de conflito entre as duas mulheres terá lugar. Bergman, novamente se valendo de sua habilidade em estruturar situações dramáticas no tempo e espaço, tem neste lugar calmo e isolado mais uma oportunidade para fazer seu laboratório da alma humana. E ele faz. Com um bisturi afiado. E incisivo.

Para conseguir o efeito estético que deseja, Bergman se vale mais uma vez do seu monumental diretor de fotografia, Sven Nykvist. Nykvist posiciona a câmera em ângulos cuidadosamente escolhidos, de onde, através da luz natural e direta, com embates precisos entre claros e escuros, capta com exatidão a visceralidade do silêncio de Elisabet e a inquietude corporal de uma Alma verborrágica, cada vez mais desamparada com o silêncio da outra.

E Bergman se vale também de seus diálogos cortantes para escancarar a intimidade das duas mulheres. Os diálogos, na verdade monólogos, agem como se fossem crostas de velhas feridas que vão se desprendendo da alma e deixando supurar, suavemente, os pequenos monstros que habitam as profundezas do universo feminino. São forças ocultas que precisam se manifestar e, para isso, contam com a mãozinha generosa de um Bergman inquieto e essencialmente humano. E esta habilidade, vale ressaltar, é um dos maiores trunfos que fizeram de Bergman um dos grandes diretores da história do cinema. Estamos falando da sua exímia capacidade de encaixar os diálogos nas cenas, com uma precisão assustadora, visivelmente teatral. Esta habilidade artística faz da presença humana na fria tela do cinema a confirmação de que não há limites para uma personagem se confundir na atriz, como oportunidade mágica de corporificar a ideia de dor aos olhos do espectador.

A discussão que percorre as variadas análises sobre o filme se atém em querer saber se as mulheres se fundem uma na outra. Ou quem se funde em quem. A verdade é que algo nos escapa, algo nos intriga, algo pode ser ou pode não ser. A verdade é que, para onde quisermos ir com nossas suposições, haverá sempre uma base lógica e psíquica que sustentará nossa abordagem. Essa é a aventura intelectual que o filme nos propõe.

Vamos lá, nós também, tentar apreender alguma ideia básica do filme. Com quantas temáticas Bergman trabalha em Persona? Muitas. Algumas mais visíveis. A arte redentora. A sensualidade, recorrente em sua filmografia. A destrutividade. A culpa. Os arquétipos, revelados em imagens rapidíssimas mostradas no início e meio do filme. Mas há uma temática que toma proporções mais devastadoras para as duas mulheres e que se transforma no seu ponto de fusão: a maternidade. Eis o tema, para nós, desencadeador da narrativa. Aliás, este tema fora abordado com maestria em 1958, portanto, oito anos antes, em No Limiar da Vida, e seria aprofundado, em 1978, em seu magistral e doloroso filme Sonata de Outono, o que faz da maternidade um dos pilares temáticos da obra de Ingmar Bergman.

Como se vê, Bergman costura sua narrativa em direção às dores das duas mulheres. Sabemos que a maternidade é uma das máscaras sociais mais rigidamente vigiadas e protegidas pela sociedade. É onde a mulher é intocável. E é justamente onde ela se aprisiona. Ter que amar o filho, eis a chave do aprisionamento. Alguém, em sã consciência, aceita que uma mãe não ame seu filho? A ponto de desejar-lhe a morte? Este é o sentimento de Elisabet, que, forçada a assumir o papel da maternidade, passa a odiar o filho desde sua concepção. Faz de tudo para eliminá-lo e não consegue. Esta é Alma, que tem uma relação casual com um menino, de quem engravida, e que não hesita em rejeitar o filho no aborto. A fusão da dor se dá, no filme, em uma de suas cenas finais, quando Alma, em cena repetida duas vezes, com molduras oníricas, revela, no silêncio incomunicável da outra, a dor da incapacidade de amarem os próprios filhos. Cavem-lhe, portanto, a sepultura da culpa! Culpa esta que uma expia no silêncio, dando voz à dor na fala da outra. São duas mulheres numa só mulher. Partilham o sentimento oculto da negação da maternidade. Oculto, sempre. Para que ninguém lhes atire a primeira pedra!

A base da insegurança humana é não termos controle sobre nossos sentimentos. Eles são espontâneos e traduzem, à nossa revelia, quem realmente somos. Então, somos terrivelmente frutos de algo intangível e volátil, que nos molda no dia a dia e nos obriga, muita das vezes, a fingirmos ser o que não somos. Dentro de uma sociedade rigorosamente predeterminada, seremos sempre alvos frágeis de nossos sentimentos e pensamentos. E quanto mais tentamos controlá-los para não sermos punidos, ou rejeitados, mais nos distanciamos de nós mesmos. Eis o dilema, caro espectador. Qual a máscara que melhor nos serve? Que melhor nos protege? A impressão que fica é que não sendo a nossa própria máscara (persona), qualquer uma servirá. Afinal, já fomos condenados, desde o nascimento, a não conhecermos quem somos. Essa é a dor dos homens.

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