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Por Leivison Silva

A Moratória é uma peça em três atos, escrita em 1954, pelo dramaturgo paulista Jorge Andrade (1922-1984). A primeira montagem de A Moratória estreou em 1955, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo. Fernanda Montenegro integrou o elenco dessa primeira montagem, no papel de Lucília. A peça ganhou o Prêmio Saci, premiação anual criada pelo jornal O Estado de São Paulo.

A Moratória conta a história de Joaquim, um barão do café extremamente ligado à terra, mas que vai à ruína após escolhas equivocadas que o levaram a fazer péssimos negócios e contrair dívidas. Joaquim é casado com Helena e tem dois filhos, Marcelo e Lucília. Antes de suas terras irem a leilão para saldar a dívida, Joaquim era muito prestigiado e sua família não tinha preocupações com dinheiro. Com a crise, foram obrigados a se mudarem para uma pequena casa na cidade, onde passaram a viver com dificuldades. Lucília aprendeu a costurar para sustentar a casa e mesmo Marcelo, o boa-vida da família, arrumou um emprego num frigorífico.

A ação da peça gira basicamente em torno da esperança que Joaquim tem de retornar às suas terras, esperança essa nomeada juridicamente de “moratória”, mas que, no final das contas, não se concretiza. Jorge Andrade usa esse personagem como um símbolo da oligarquia cafeeira que ditava as regras durante a República Velha, mas que caiu por terra após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, e após a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Outro símbolo usado na peça é o galho da jabuticabeira que Joaquim traz da fazenda para a casa da cidade. O galho da jabuticabeira funciona tanto como a lembrança sólida de um passado de fortuna, quanto como uma esperança materializada de retornar à vida que tinham antes da crise.

Ao final da peça, com a moratória recusada pelo governo, apesar dos esforços de Olímpio, advogado e noivo de Lucília, que entrou com um último recurso na tentativa de recuperar a fazenda da família da noiva, todos acabam tendo que se conformar com a nova realidade. Lucília então toma para si a responsabilidade de recuperar a dignidade da família.

Com A Moratória, Jorge Andrade inovou a escrita teatral brasileira ao valorizar e se preocupar também com a encenação. A ação da peça acontece em “dois planos que dividem o palco mais ou menos em diagonal”, escreve ele no começo do primeiro ato. O primeiro plano, ou plano da direita, representa a sala da casa da cidade onde eles residem no presente, enquanto o segundo plano, ou plano da esquerda, representa a sala da fazenda em 1929, pouco antes de ir a leilão.

Embora estejam separados pelo tempo e pelo espaço, os planos dialogam entre si. O que acontece num plano reverbera no outro. A princípio, tal recurso poderia causar confusão, mas Jorge Andrade, com sua carpintaria dramática requintada, acentua o drama dessa família através dos contrastes e das semelhanças, e também da complementação das situações e diálogos em curso num e noutro plano. Isto vem para mostrar como a roda da fortuna, ao girar, traz para baixo quem estava por cima, neste caso, os coronéis latifundiários que enriqueceram com o chamado “ouro verde”.

A Moratória é um ótimo exemplo de um drama nacional com um tema nacional, no qual Jorge Andrade retrata, com maestria e lucidez, um importante período de transição na história econômica do Brasil. Essa peça ajudou a consolidar a produção de uma dramaturgia tipicamente brasileira, um teatro que, literalmente, fala a nossa língua, que fala da nossa história, da nossa gente. Leitura indispensável para os amantes da pátria amada.

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Por Alex Ribeiro

Quantas vezes estive eu
No silêncio absoluto da tristeza
Caído em total esquecimento
Por um momento
Um animal abandonado no ermo

Esse silêncio que se fundia
A uma escuridão tosca e vil
Causava-me arrepios na alma
Dores, mágoas, dissabores
Lembranças

Quisera eu voltar aos meus anos áureos
Donde eu cantava minhas glórias
Mas esses dias jamais vieram, talvez
Escaparam-se de mim

A vida me pregara várias peças
E a cada peripécia
Um riso amargo, doce nascia

Embotando o meu choro
A preciosa gota salgada
Rebentava-me por dentro
De vontade de cair

Assim passei esses últimos anos
Num quarto escuro da existência
E quando um sonho ruim aparecia
Sem resistência eu cedia

Haveria, pois, nas páginas da minha vida,
Farol de porto, um luzeiro
Que me tirasse desse lugar?

Eis que sim, haveria de ter no longe
Uma vela que por mim Luzia
Que ansiava por ascender-me
Nos versos da poesia.

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Por Alex Ribeiro

O Juiz de Paz na Roça é uma peça de Martins Pena, escrita em 1838, considerada a primeira comédia de costumes do Brasil. Foi encenada, pela primeira vez, também em 1838, pela companhia teatral de João Caetano, no teatro São Pedro, Rio de Janeiro. Essa encenação reunia o que havia de melhor no teatro brasileiro daquela época. Por um lado, o grande dramaturgo Martins Pena, e por outro, o grande ator e encenador João Caetano e sua companhia. O primeiro é considerado, por muitos, o Molière brasileiro, e o segundo, o ator mais importante do Brasil no século XIX, sendo, portanto, o ator brasileiro mais biografado até hoje. Essa combinação era essencial para que a comédia O Juiz de Paz na Roça alcançasse a profundidade que Martins Pena havia construído na dramaturgia da peça. Não se tratava de um texto raso e engraçadinho, pois trazia nas suas personagens uma forte crítica social, característica esta que se tornaria recorrente nas obras de Martins Pena. Era o começo do teatro brasileiro que se desenhava naqueles anos.

À primeira vista, ao olhar para o texto e suas personagens, o leitor pode considerar a peça ingênua, mas chamamos atenção para o que está dito nas entrelinhas. O jeito simples daquelas personagens rurais e também dos conflitos trazidos ao Juiz têm uma função dramática importante. Eles vão revelando, aos poucos, as fissuras dos costumes brasileiros do século XIX e, por que não, também dos dias de hoje. Afinal, em que século estamos, meu Brasil?

A família de Manuel João, constituída por sua esposa Maria Rosa e sua filha Aninha, é o núcleo de movimento da peça. Aninha está apaixonada por José, um moço que fora recrutado pelo Juiz para servir na Guerra dos Farrapos. Ela trama se casar com ele, às escondidas, porém, o Juiz manda que Manuel João leve José preso, para que este não fuja às suas obrigações com o império. Como está anoitecendo, Manuel João leva José para sua casa e o prende na despensa, até o dia seguinte. Nesse intervalo, Aninha ajuda José a fugir e os dois se casam. Com o casamento acontecido, resta a Manuel João ir pedir ao Juiz que libere o moço José, já que agora estava casado.

Enquanto isso, os roceiros apresentam as mais engraçadas situações conflituosas para o Juiz resolver. Desde um caso de umbigadas entre dois roceiros que não se bicam, até mesmo a disputa de um leitão fujão. A cada caso resolvido, o Juiz de Paz ganha um mimo daquela gente simples que recorre a ele. E não precisamos imaginar muito para concluir que o leitão acaba ficando com o Juiz. De presente.

Casamentos arranjados, picuinhas entre vizinhos e disputas inacreditáveis vão revelando a personagem do Juiz que, diante de roceiros tão simples e ingênuos, se mostra ignorante às leis que regem o seu ofício e age sem o menor pudor, transitando calmamente entre a corrupção e o abuso de autoridade. Seria demais imaginar que no Brasil existiam juízes assim? Meu caro Martins Pena, leitões continuam sendo presenteados por aí, corredores afora, infelizmente, por mãos não tão ingênuas.

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