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Por Alex Ribeiro

O Misantropo é uma peça de Molière, encenada pela primeira vez em 1666, na França. O dramaturgo, que também era ator, interpretou a personagem principal, Alceste. É uma das peças que sucede o famoso Tartufo, texto este que teve grande repercussão negativa dentro da Corte francesa, por abordar como temática central a hipocrisia, construindo uma crítica aos costumes franceses da época. Pela reatividade da Corte ao Tartufo, Molière tenta suavizar sua crítica à hipocrisia em O Misantropo, mas isso não é suficiente para que o texto seja melhor recebido. Esta preocupação em dosar a exposição do comportamento hipócrita da Corte é muito perceptível no texto. De certa forma, parece-nos que o próprio Molière está ali se revelando numa de suas facetas, no seu Alceste, para combater aqueles que haviam reagido ao Tartufo. Alceste então configura-se como o anti-tartufo, mesmo que a dramaturgia construída leve o espectador a entrar em contato com a mesma temática, a hipocrisia.

Alceste é um nobre francês que condena a hipocrisia dos bons costumes e, de maneira rude e grosseira, vive em conflito com os que o cercam, condenando suas ações insinceras e palavras contraditórias. Assim faz com seu amigo Philinte, e com a dama pela qual se vê apaixonado, Célimène. O primeiro, por se portar como um homem agradável que não quer causar indisposições a ninguém, mesmo que para isso ele precise recorrer à mentira e à omissão. A segunda, pela quantidade de pretendentes que ela mantém em torno de si, sem dizer a nenhum deles qual o seu verdadeiro sentimento e por qual daqueles homens ela estaria disposta a deixar sua viuvez.

Alceste percorre a peça se digladiando com todas as personagens e, ao mesmo tempo, padecendo de feroz paixão por Célimène. Há poucas mudanças e revelações sobre ele, conforme avançam as cenas. Porém, o que se revela é o quanto é justificada a reação exagerada que a personagem tem em relação à sociedade, levando Alceste a concluir que melhor seria não fazer parte dela.

Em tempos de fake news, como este em que vivemos hoje, Molière se mostra cada vez mais atemporal, e sua dramaturgia cada dia mais se eterniza como clássico do teatro. A mentira, a falsidade, a hipocrisia sempre foram ferramentas usadas para se alcançar o poder, mas atualmente chegamos a tal ponto que ficamos estarrecidos com o que enxergamos nas condutas daqueles que nos governam. De certa forma, aqueles que veem os absurdos cotidianos a que estamos sendo obrigados a nos submeter, acabam por se tornarem Alcestes que denunciam um país que vai se desmantelando. E, aos olhos da Corte, são eles, os que denunciam, pessoas inconvenientes e exageradas. É isso, Molière? A luta contra a hipocrisia é uma luta eterna? Que nos esbaldemos, então, nos clássicos, antes que eles sejam arrancados de nós.

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Um mestre acima de tudo

Por Leivison Silva

Painted Faces (120’), Hong Kong (1988), é um filme dirigido por Alex Law, um dos mais representativos cineastas da geração dos anos 1980 do cinema honconguês. Painted Faces chegou a ser selecionado para concorrer por Hong Kong, que à época ainda pertencia ao Reino Unido, ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1988, mas sua candidatura não foi aceita pela Academia. Apesar disso, o filme foi bastante premiado nos principais festivais de cinema da China, naquele ano.

A narrativa se inicia em 1962, quando Li Yuk-lan (Mary Li) deixa seu filho Chan Kong (interpretado por Siu Ming-fiu, quando criança, e por Cheung Man-lung, na fase adolescente) na escola do mestre Yu (Sammo Hung). O mestre Yu era um rígido e um tanto quanto frustrado professor de teatro que dirige uma das principais escolas de Ópera de Pequim existentes em Hong Kong. Ele trata seus alunos com extrema severidade, chegando mesmo a ser agressivo e violento quando contrariado ou desobedecido. Na segunda fase do filme, Yu conhece a mestra Cheng (Cheng Pei-pei), a bela professora de uma escola de Ópera de Pequim para meninas, com quem irá fazer uma parceria numa apresentação no porto de Hong Kong. Yu se apaixona por Cheng e é correspondido por ela, mas seu caráter empedernido faz com que ele sufoque seu sentimento.

À medida que o filme vai avançando cronologicamente, vai ficando cada vez mais difícil, tanto para Yu quanto para Cheng, manter uma escola de Ópera de Pequim em Hong Kong. A invasão da cultura ocidental faz com que o público, agora ocidentalizado, vá perdendo o interesse por espetáculos da tradicional ópera chinesa. Cheng decide fechar sua escola, possibilitando a que suas alunas mudem de ramo, ou voltem para a escola formal. Em seguida, Cheng convida Yu a ir com ela para Nova York. Yu recusa, preferindo terminar a formação de seus alunos – é preciso dez anos para se formar um ator de Ópera de Pequim.

Yu insiste em manter seus espetáculos até chegar ao ponto do insustentável, quando então se vê obrigado a vender sua escola por falta de público. Yu parte para os Estados Unidos, para se encontrar com Cheng. Para não deixar os alunos desamparados, o irmão de Yu, Wah (Lam Ching-ying), que trabalha como dublê de filmes na nascente indústria cinematográfica de Hong Kong, consegue com que o estúdio onde ele trabalha contrate os alunos de Yu.

Painted Faces é uma biografia dramatizada de Yu Jim-yuen (1905-1997). Na vida real, Yu foi mestre de Jackie Chan e de outros atores chineses que se destacaram no cenário internacional, a partir da década de 1980. Jackie Chan é de certa forma representado no filme pelo aluno Chan Kong, chamado pelos colegas de Narigão. Além da história do mestre Yu, o filme mostra, com alguma sensibilidade, o cotidiano do crescimento e amadurecimento dos alunos, bem como as dúvidas, medos e descobertas amorosas e sexuais desses garotos ao chegarem à adolescência, embora não aprofunde estas questões.

A fotografia de Painted Faces é bonita e luminosa, com um belo efeito de nostalgia. Os cenários, a maquiagem exuberante e os belíssimos figurinos da Ópera de Pequim são um espetáculo à parte, de encher os olhos. Dentre as atuações, a que mais se destaca é a de Sammo Hung, que deu humanidade ao severo mestre Yu, numa atuação cheia de nuances, o que evidenciou as várias camadas do personagem. Os atores-mirim e os atores adolescentes que fazem os alunos nas duas fases do filme têm um trabalho de corpo impecável.

Painted Faces é um filme curioso, um mergulho na tradição teatral chinesa. É bastante interessante para um espectador ocidental entrar em contato com o universo da classe artística chinesa, em especial num período tão conturbado quanto foi o da Revolução Cultural (1966-1976), promovida pelo governo de Mao Tsé-Tung, época essa em que se passa a história do filme. E é também uma oportunidade para constatar a força e a determinação da milenar cultura chinesa em sobreviver à invasão cultural do Ocidente.

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Por Jackson Melo

Havia um poeta
Pintava versos
Sobre as pessoas
Na tela de seu livro
Ele pintava
Uma história

Fazia planos
Sem pensar
Em mais ninguém

Até que ela apareceu
Uma surpresa,
Um achado,
A maravilha
Em carne e osso

Motivo
Da sua alegria
E sua raiva
Também

Tolo deste poeta
Pintando a vida alheia
Com seus versos
E agora
Sua amada
Com um pincel
E seu destino inteiro
Em suas mãos.