Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Hoje eu fiquei mais velho
Mas
O que significa ter 29 anos?
O que se espera de um homem aos 29?

Maturidade?
Eu olho pra mim mesmo no espelho
E não tenho resposta

Eu sou o mesmo cara
Continuo na mesma prosa e toada
E meus versos continuam infames e tristes

Um menino,
Um pobre menino
E tão pouca coisa fiz eu da vida
Ocupando meu tempo de compromissos
Inúteis
Inúteis minutos deixados pra depois

Mas muito novo ainda sou
E quero muito mais
Quero a loucura que só a liberdade dá
Quero a arte me queimando de dentro pra fora
Quero um sorriso a cada passo
Mundo afora

Nem que eu precise abandonar
29 anos agora
Quero o desejo mais intenso da vida
Quero gritar sem medo do eco
Quero me jogar
No mais profundo mar de amar
E serei eu que estarei lá

Serei eu que irei amar.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Pequenos Burgueses é uma peça de Máximo Górki, escrita por volta do ano de 1900. Por se tratar de uma peça que criticava a maneira de pensar conservadora que remetia ao czarismo russo, a peça sofreu com a censura. Na versão impressa, vendida antes mesmo de a peça estrear, houve um grande número de trechos censurados. O que viria a desagradar os mais de 60.000 leitores que adquiriram a peça impressa. O alcance do texto foi impressionante. Se nos tempos de hoje, um escritor alcançasse números semelhantes, já seria sinal de um certo sucesso editorial. Agora, imagine no início do século passado. Isso tudo se dava por toda a efervescência política em que Górki se envolvera. Ele era um grande entusiasta e colaborador do que viria a se tornar a Revolução Russa. É, dentro desse momento histórico, que em 1902 a peça receberia sua estreia. O clima era muito tenso, já que o público estava em polvorosa para assistir às cenas que Górki havia construído. Mas havia medo de que aquela tensão se transformasse em alguma manifestação mais explícita contra o Czar. O elenco pedia ao público que contivesse os ânimos, para que Górki não fosse prejudicado, ou até mesmo preso. A peça, enfim, estreia e o sucesso da versão impressa se confirma nos palcos. Máximo, o Amargo, tradução do nome escolhido pelo dramaturgo, entra para a história com esse belo clássico da literatura teatral. No Brasil, a peça foi montada, pela primeira vez, em 1963.

A princípio chamado de Cenas na Casa de Bassemenov, Pequenos Burgueses retrata a vida dentro de uma casa de família, naturalmente mantida pelo patriarca Bassemenov. Eis o homem e também a chave de todo o conflito que se revela na peça. É ele quem representa o pensamento conservador da época, e é ele, também, que quer uma família exemplar e de sucesso, dentro da sua visão anacrônica de mundo. E ele, um pequeno chefe de serviços de pintura, que construíra sua vida e patrimônio a partir de pequenas corrupções, e também a partir do aluguel de alguns dos quartos de sua casa, vê-se como um pai fracassado. Sua filha mais velha, Tatiana, é uma professora solteira que ele desejava ver casada já há muito tempo. Seu filho Piotr, que aspirou a uma vida universitária, não pretende seguir os sonhos que seu pai sonhou para ele. Está apaixonado por uma mulher viúva, inquilina de um dos quartos da casa do pai. Eis os dois motivos de maior decepção do velho Bassemenov. Afinal, a vida para ele devia seguir um rumo certo, seguro e com bom futuro, como seria direito às famílias de bem. Completando o quadro dos Bassemenov, temos a esposa, senhora Akoulina, que tenta, a todo custo, manter a família unida, mesmo que isso seja por pura aparência.

Apesar de toda a trama em torno dos Bassemenov, os protagonistas de Górki são outros. Nil e Pólia, eis os nomes dos nossos heróis. O primeiro fora criado por Bassemenov desde a infância, e desde que começou a trabalhar, precisa dar ao velho parte do seu salário. A segunda é uma espécie de diarista que faz os serviços de casa para os pequenos burgueses, além de ser uma parenta distante deles. E são os dois, após desgastados embates, onde suas formas de ver o mundo se contrapõem ao conservadorismo burguês do patriarca, que resolvem buscar a sua liberdade longe daquela casa tão asfixiante. Sim, asfixiante! Não há termo melhor para definir valores que não deixam a vida acontecer com liberdade. E é então que Górki coloca a frase que mais define aquele povo com quem passara a sua vida e que influenciara toda a sua literatura. E elas saem da boca do nosso amado Nil, quando ele se dirige a Pólia: “Você não tem medo da pobreza.”. É povo se livrando dos malditos valores burgueses!

De certa maneira, Pequenos Burgueses traz aquilo que justamente acontecia na Rússia, onde as novas ideias entravam em conflito com o modelo imposto. Ao mesmo tempo em que Górki atribui mesquinharia aos velhos e seus costumes, desconstrói estas velhas atitudes com muita vida e entusiasmo, características predominantes dos jovens e dos pobres locatários dos quartos de Bassemenov. Assim, dá ao texto um contraste interessante, entre a segurança de uma vida com recursos, porém, mesquinha, e uma vida de lutas, porém, virtuosa. É quando o homem Górki empresta ao artista Máximo sua forma de ver e estar no mundo. E nos dá um didático e necessário recado. Se estamos asfixiados com valores e pensamentos que nos impõem velhos Bassemenovs, que possamos, então, ser como Nils, ou Pólias, ou mesmo Górkis, que não tiveram medo de ir em busca da construção de uma vida melhor. De um país melhor. Apesar dos Pequenos Burgueses.

Enfim, olhar para Górki hoje é de suma importância para refletir o que se passa conosco e que papel estamos assumindo dentro do nosso quadro social, o que nossos valores representam e como vamos construir o caminho da nossa história. É obrigação nossa sermos os protagonistas.

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O diálogo como estratégia narrativa

Por Antônio Roberto Gerin

Para uma obra de arte sobreviver como tal, pressupõe-se que ela tenha vida própria. Parece óbvia esta afirmação, mas ela é tudo. Ter vida própria é o que diferencia alguém de alguém, algo de algo. Para a arte podemos dizer que há o estilo. Aquilo que é inerente, que é intrínseco. É próprio. Nesta perspectiva, PULP FICTION (134’), direção de Quentin Tarantino, EUA (1994), é o filme que consolida o estilo do diretor e o coloca no panteão da originalidade. Ele já havia sido aclamado por seu primeiro filme,  Cães de Aluguel, onde já estabelecia sua estética e mostrava alguns elementos básicos da sua filmografia. Com Pulp Fiction, ele apenas consolida o que já estava para ser consolidado. Sim. Para Quentin Tarantino não bastou ter estilo. Ele quis ser o estilo, aquele que, além de inconfundível, é inigualável. A ser imitado.

Apesar da não linearidade, o roteiro é simples, e é nesta simplicidade que está a funcionalidade do filme. Basta dizer o seguinte. Os caras, dois, vão a uma pizzaria, e bem na hora que acabam de sentar e um deles ir ao banheiro, um casal, homem e mulher, nervosos, sobem nas cadeiras e dão voz de assalto. Esta ação de desespero pode ser o início e o final do filme. O roteiro se fecha, como uma ostra, nesta lógica. Começo e fim se juntando para formar uma simples e rápida sinopse. Mas… Também não é assim tão simples! Nem tão rápida, já que entre a voz de assalto e o desfecho transcorrerão quase duas horas de filme. Este é Tarantino. Faz da aparente simplicidade um engenhoso jogo de forças que dará fôlego dramático a uma sequência de acontecimentos que parecem caminhar a esmo, mas que, do contrário, giram numa espiral narrativa bem precisa. Afinal, são quatro histórias que se entrelaçam, se contorcem, e vão desembocar, aparentemente, no nada. Mas o suficiente para o espectador perceber que ele está diante de um filme monumental.

Não à toa, os filmes de Tarantino são um repositório de inteligências. Tudo é muito bem pensado e marcado. Nada é gratuito. Qualquer coisa, um pequeno capricho, um olhar, uma insinuação, tudo pode integrar, organicamente, o corpo da trama. Desde que sugiram, evidente, golpes de criatividade. É a ideia útil a serviço do resultado. Nesta lógica, podemos mencionar elementos aparentemente sem qualquer compromisso com a narrativa, mas que adquirem uma força momentânea, cuja utilidade cênica vai além do mero capricho. O sanduíche, numa das cenas icônicas do filme, é um exemplo desta proposital fortuidade, o que prova a habilidade de Tarantino na manipulação dos adereços para mover a estrutura narrativa do filme. Adereço, sabemos, é tudo aquilo que podemos manipular com as mãos. Ou com os pés, no caso, por exemplo, de uma bola de futebol. Esta é a essência da espetacularização. A habilidade em dar explosão máxima ao desimportante, no caso, o sanduíche, no desfecho perfeito da grande cena.

Mas não basta o sanduíche. Adereço bom é adereço que faz jorrar sangue. É o que o espectador espera. Porque, em Tarantino, jorrar sangue é tão natural quanto espocar uma garrafa de champanhe. E a banalidade é criada pela destreza fulminante com que o adereço (um revólver, porrete ou escopeta) é preparado para entrar em ação. E é justamente nesta preparação que reside a proposta estética de Quentin. É a precisão rítmica no uso do adereço que dará à cena a grandiosidade do absurdo.

Só que todo golpe de ação (pequenos clímaces), para ser perfeito, que gere no espectador o impacto necessário que o faça aderir incondicionalmente à narrativa, tem que ser muito bem preparado. A narrativa ainda é aristotélica. Para ter o fim tem que ter o começo, não importa a ordem. Quer dizer, para ter a próxima ação tem que ter uma anterior que a prepare. E a narrativa, para ser vibrante, tem, sim, que se submeter ao eterno embate entre pensamento e emoção, instâncias que se digladiam, o tempo todo, pela prevalência. Ora! Numa perspectiva hollywoodiana, quanto mais predominar a emoção maior o ganho! E aqui vamos entrar numa eficácia bem tarantiana, vista em outros de seus filmes, o anterior, Cães de Aluguel, e os que viriam na sequência a Pulp Fiction, Kill Bill,   Os Oito Odiados, e, principalmente, em Bastardos Inglórios. O uso ferramental do diálogo extensivo e delirante como gerador de tensão no preparo cuidadoso ao momento fatal. Falar de Tarantino é falar não só do visual, a imagem, que é cinema puro. É também falar, e muito, do oral, a fala, cuja funcionalidade é dar às imagens sua potência artística. E, neste caso, a morte simboliza o fluxo máximo da consolidação desta potência, leia-se, poder. Só que o poder é temporal. Para se perpetuar, ele vai precisar da próxima morte. E Tarantino sempre soube disto.

Vincent Vega (John Travolta) e seu comparsa de crimes, Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) vão a um apartamento buscar a mala de dinheiro que alguns bandidos menores tiveram a ousadia de roubar do chefão da máfia. É só chegar, metralhar, pegar a mala e ir embora. Não! Isso é clichê. Tarantino precisa se demorar. O tempo suficiente para que o espectador não resista à angústia da espera. Que vá ao limite. Como gerar esse explosivo compasso de espera? É nesta hora que entram os tão conhecidos diálogos anabolizantes.

Vamos refazer a cena. Vincent e Jules entram no apartamento. O chefinho está comendo um sanduíche. O sanduíche passa a ser o assunto central do diálogo entre o chefinho e Jules. Assim, o diálogo tergiversante vai gerando uma dinâmica, inútil, tudo bem, mas utilíssima do ponto de vista da preparação do desfecho da cena. É em torno do sanduíche que se vai retroalimentando esta tensão, avisando ao espectador de que algo inevitável está por acontecer. E o espectador tem a quase certeza do que vai se suceder. Só não sabe como. Portanto, a demora de tempo dos diálogos, que dura vários longos minutos, terá esta função. A de distrair o espectador. Conduzi-lo para um outro fluxo de emoção. Até que… no ponto exato em que o espectador se distrai, o desfecho acontece, abruptamente. E assim, o que podia ser uma cena banal, toma um aspecto artístico inconfundível.

Enfim. Cinema, sabemos, é imagem total, de preferência imagem em ação reflexiva ou alucinante. Por isso, há os que criticam os longos diálogos de Tarantino. Pô, ficar falando de sanduíche! Pois é. Não é só sexo que é energia. Tudo é. Sanduíche também. Sem o sanduíche, não há o suspense. Portanto, se tirar o diálogo do sanduíche de Tarantino, tira a alma ensangüentada da sua estética. E em Tarantino, o sangue é um sangue puramente estético. Não assusta. Mas encanta. Muito!

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