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A rainha que amava o saber

Por Antônio Roberto Gerin

A JOVEM RAINHA (106’), direção de Mika Kaurismäki, Alemanha (2016), como o título já diz, é mais um dos tantos filmes históricos que a humanidade cinematográfica já produziu. É a história roteirizada da vida da rainha Cristina da Suécia, que reinou entre 1632 e 1654. Não é uma rainha qualquer. Aliás, diga-se, quem gosta de filmes históricos, ou da História propriamente dita, vai logo perceber que as mulheres rainhas, nos tempos em que realmente rainha era rainha, foram necessariamente grandes mulheres. E geralmente longevas em seus reinados. E a rainha Cristina não foi diferente, o que transforma o filme sobre a vida dela em alvo de interesse dos aficcionados por filmes de época. E os que “nem tanto” também poderão acionar o controle, afinal, trata-se de assistir à história de uma mulher bastante peculiar, a rainha que amava mais o conhecimento que o trono.

E talvez o problema do filme resida justamente no que foi colocado acima. A rainha Cristina é uma figura histórica tão poderosa e tão interessante, tão rica em elementos narrativos, que o roteiro, apesar de ser, junto com o figurino, um dos pontos altos da produção, teve dificuldades em montar um painel histórico abrangente. É sempre o mesmo dilema. Se se quer mostrar todo o reinado, a narrativa fica nas pinceladas. Se se quer mostrar apenas um aspecto da vida da personagem, ou um determinado período, corre-se o risco de perder a essência do todo. Mas tanto uma decisão quanto a outra, a parte ou o todo, se bem conduzida, não fará diferença nem incorrerá em riscos. Afinal, repetindo a máxima, filme baseado em fatos históricos não é aula de História.

A rainha Cristina (Malin Buska) era uma mulher culta, e isto não é pouco para as mulheres do século XVII, mesmo em se tratando de uma rainha. Ela tinha como seu grande interlocutor nada mais nada menos que René Descartes, que chegou a visitá-la, a pedido, em Estocolmo, onde ele, inclusive, viria a morrer de pneumonia, em 1650. Por ser católico em um país protestante, Descares fora insidiosamente enterrado em um cemitério de crianças não batizadas. A pacífica rainha era tão apaixonada pela cultura em geral e pelos livros em particular, que ordenou a seus generais invadirem Praga, pois ela sabia que lá existia um vasto acervo cultural que muito a interessava.

O segundo núcleo narrativo ocupa boa parte da trama. São as preferências sexuais da rainha. A corte especulava sobre tudo, a ponto de correr boatos de que ela era um ser intersexual, o que nada fora provado. A rainha Cristina se recusava a se casar, e este era o grande problema palaciano. Como se a primeira função de um reino é logo garantir o herdeiro. E não está errado, já que sabemos que muitos reinados, alguns seculares, acabaram melancolicamente pela falta de descendência. No caso da rainha, seus comportamentos sexuais era assunto de estado e de alcova. Cristina amava sua bela dama de companhia, a condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon), que dormia com a rainha na mesma cama.

Terceiro núcleo. Qual seria o destino do reino da Suécia, já que não havia herdeiros? A Suécia era um país oficialmente protestante, enfiada até a alma na guerra em defesa de Lutero, e sua rainha cada vez mais decidida a se converter ao catolicismo. Tudo era incerteza naquele reino da Suécia. E os desdobramentos históricos viriam a confirmar estas incertezas.

É muita rainha para pouco tempo de filme. No entanto, a narrativa acaba cumprindo em boa parte o que pretende. Mostrar-nos, mesmo que em pinceladas, esta mulher de natureza apaixonante, que encantou sua época e marcou seu lugar definitivo na história das grandes personalidades. Só para atiçar a curiosidade do leitor, Cristina é uma das pouquíssimas mulheres a estarem enterradas no Vaticano. E isto porque não vamos revelar aqui o desfecho do filme, interessante quando entendemos que ninguém, em sã consciência, quer largar o “osso” do poder. Mas Cristina é uma rainha que foi além do trono.

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Por Jackson Melo

Todo dia ela passa
Do outro lado da rua
Alegre e distraída

Às vezes apressada
Tentando compensar o atraso
Mas sempre passa

Eu fico sempre a observar
Com um sorriso no rosto
E um bater forte do coração

Tem dias em que a forte brisa
Me presenteia
Com um  sorriso do teu perfume

Será que um dia eu tomo coragem
E atravesso a rua
Pra poder me declarar?

E quem sabe eu ganho um beijo
Da bela moça
Que do outro lado da rua
Insiste em passar.

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Por Alex Ribeiro

As Rãs é uma comédia do dramaturgo grego Aristófanes, escrita por volta de 405 a.C. Com uma criação produtiva, ele chegou ao número de 40 peças, porém, destas, só 11 resistiram ao tempo, chegando até os dias de hoje com reedições por todo o mundo. Pouco se sabe sobre a vida do autor, mas no período em que viveu houve grandes acontecimentos em Atenas, sua cidade-estado, e sua obra não poderia passar imune a esses acontecimentos. Com a recente morte do tragedista Eurípedes, Aristófanes, através de As Rãs, nos ajuda a situarmos a dramaturgia e a história daquele tempo, colocando tanto Eurípedes quanto Ésquilo, também falecido, no motor dramático da peça.

O deus Dioniso e seu escravo Xantias são os personagens principais de As Rãs. Os dois resolvem descer até o tártaro de Hades para trazer de volta à vida um dentre dois dos grandes tragedistas gregos que já haviam morrido, Ésquilo e Eurípedes. Nessa trajetória, as duas personagens, Dioniso e Xantias, cometem trapalhadas e revelam o ridículo, muitas vezes cotidiano, que se assemelham aos apresentados em inúmeras comédias a que assistimos hoje no cinema e no teatro. Os dois vão-nos mostrando que, desde o início do teatro ocidental, a empatia com os deslizes que cometemos em segredo é instrumento de riso usado pelos comediantes. Além disso, Dioniso e Xantias tecem inúmeras críticas aos dois tragedistas que foram resgatar, sem poupar, também, os costumes da época, as tradições religiosas e o próprio público. É uma crítica bem humorada de tudo o que acontecia naqueles anos, em Atenas.

Há, porém, algo muito significativo nas comédias gregas, sobretudo deste período em que As Rãs foi escrita. O que hoje chamamos de politicamente correto, e que muitas vezes irrita certos comediantes do nosso Brasil atual, naquele tempo não existia. Por quê? Não seria preciso. O público alvo das comédias, os personagens satirizados eram figuras notórias, como políticos poderosos, filósofos, os próprios deuses e até mesmo os grandes dramaturgos. Não se utilizava das fragilidades humanas para tirar o riso. As minorias, que naquele tempo eram quase todas as pessoas, com exceção dos homens ricos, não eram alvo de chacota.

Fazer comédia hoje, à luz da sua origem grega, desperta o questionamento sobre qual tipo de humor se pretende criar. Um humor corajoso, que não tem medo de criticar aqueles que exercem poder ou ocupam lugar de destaque, ou um humor mais cômodo (leia-se covarde), que é aquele que faz chacota com quem tem a voz sufocada pelas misérias e mazelas sociais a que estão submetidas? Portanto, caro leitor, poderíamos mudar Politicamente Correto para Originalmente Correto? Parece-nos mais agradável. E didático.

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