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O herói das cem batalhas

Por Antônio Roberto Gerin

LIBERTADOR(119’), direção de Alberto Arvelo, Venezuela/Espanha (2014), traz, em grandes pinceladas, a vida de uma das mais emblemáticas figuras políticas da América do Sul. Para quem em pouco mais de vinte anos percorreu milhares de quilômetros no meio das selvas, combateu mais de cem batalhas e libertou meia dúzia de países, contar isso tudo num filme não dá, é muito pouco tempo de fita. Se a proposta do diretor foi mostrar a trajetória de lutas de Simón Bolívar (interpretado pelo excelente Edgar Ramírez) para libertar a américa espanhola do jugo espanhol, o espectador terá aí um bom apanhado geral. E, infelizmente, tantas lutas a sua frente, não haverá tempo para mostrar em detalhes, e em carne e osso, o homem Simón Bolívar. O herói, no caso, é o que importa.

Simón Bolívar foi um aristocrata venezuelano, com um nome quase tão extenso quanto o de D. Pedro II, imperador do Brasil. Simon estudou na Europa, pôde ver de longe sua América sendo espoliada pela metrópole chamada Espanha, do rei Carlos IV. E, lá na Europa mesmo, jurou para si e para os que com ele estavam naquele momento que não descansaria enquanto não libertasse a América do Sul do domínio espanhol. E assim foi, e assim ele fez. Era determinado, teimoso, astuto, visionário e idealista. E, no final, um libertador.

Talvez um dos grandes méritos do filme seja ter mostrado que a história é uma engrenagem e, como tal, ela dá voltas. Um dia é da caça, outro, do caçador. Todo o idealismo de Simon Bolívar e toda a certeza no sucesso de suas propostas políticas e econômicas para o futuro da América do Sul não foram suficientes para que esta mesma América tomasse outro rumo. A política, sabiamente, reproduz os mesmos mecanismos de controle de poder, enquanto, óbvio, estes mecanismos funcionarem a favor. E quando a história deu a volta completa, e isto durou mais ou menos vinte e cinco anos, a elite aristocrática dos países libertos descobriu que era preciso que “El Libertador” saísse desta vida e entrasse para a história. E deixasse agora ela, a elite, impor seu sábio modelo de dominação, copiado, evidente, da metrópole europeia. E Simón Bolívar entrou para a história de uma forma fulminante, gerando corruptelas ideológicas ao longo dos tempos, e uma delas, a mais conhecida, chama-se bolivarismo. Alguém sabe o que é isso? A crença de Simón Bolívar na democracia era tão forte quanto a de George Washington, o libertador da América do Norte. Então, por que a elite e a classe média brasileiras têm tanto horror ao bolivarismo? Ora, vão dizer, bolivarismo é ditadura populista! Se esta máxima ideológica for verdadeira, forçoso será admitir que os ideais de Simón Bolívar se perderam no meio do caminho.

Em suma. Sugerimos ao espectador primeiro assistir ao filme, com belas fotografias, roteiro consistente, interpretações magníficas, quando então verá que de fato a história gira em círculo, e nada muda, a não ser que quem estava do lado do poder, amanhã estará do outro lado, sem o poder, mas sonhando logo em voltar a ele, e assim a roda vai girando, senão eternamente, com certeza por uns bons bocados de séculos. Enquanto não houver mudança, tudo continuará como sempre foi. Até que apareça alguém que ache que vale a pena lutar mais cem batalhas.

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Por Alex Ribeiro

Bodas de Sangue é uma peça de Federico Garcia Lorca, que teve sua estreia em 1933, em Madri e, também, em Buenos Aires. No Brasil, sua primeira montagem tem data de 1944. A peça é tida como a mais importante obra dramática de Lorca, e compõe a trilogia de dramas folclóricos, ao lado de A Casa de Bernarda Alba e Yerma. Trilogia esta que gravou, para sempre, o nome de Lorca, ao lado de outros magníficos dramaturgos, na história do teatro. Se em A Casa de Bernarda Alba, Lorca vai às profundezas do conflito humano conduzindo sua dramaturgia de forma amarga e avassaladora, em Bodas de Sangue sua poesia parece ganhar vida própria e saltar para fora das páginas do texto e dos encantos do palco, mergulhando diretamente nos arquétipos que constroem a essência humana e, assim, deixando o público absorto em puro estado poético. Talvez por Lorca ter se inspirado numa notícia de jornal para escrevê-la, a peça tenha se preenchido de poesia cotidiana que só poderia tomar forma nas mãos hábeis de um poeta eterno. Bodas de Sangue é um convite para mergulharmos de cabeça nos impulsos das paixões que movem romances e tragédias, e assim percebermos que, entregues a Lorca, seríamos grandes personagens nas páginas da sua eterna poesia. Lorca era, sobretudo, o poeta e dramaturgo de nós mesmos. E nós, pequenos versos que esperam pela sua mão.

Bodas de Sangue narra a tragédia de um Noivo que, no dia de seu casamento, vê sua Noiva fugindo com um rapaz de nome Leonardo, seu antigo e grande amor. Após um embate de desejos e mágoas, Noiva e Leonardo reconciliam seu romance passado e, após a cerimônia do matrimônio dela, se entregam à arrebatadora paixão e aos impulsos do desejo. Não há mais o que fazer a não ser fugir e viver esse romance longe do olhar sufocante daquela comunidade. Porém, o Noivo não vai aceitar a humilhação a qual foi submetido. E, então, a caçada aos amantes irresponsáveis começa.

É interessante ver como Lorca se utiliza de muitos símbolos durante os atos que antecedem à luta mortal entre o Noivo e Leonardo. A poesia é um elemento chave para intensificar as emoções, reforçar a tensão dramática e deixar o público à espera do cálice amargo daquela paixão desenfreada. Lua e Morte se transformam em personagens e lançam o público de vez para as profundezas da poesia e, através de todos os seus versos, Lorca revela como o vinho das bodas passa a ter o gosto, ainda quente, do sangue.

A poesia está na rua, nos becos, nos bares, nas flores e no deserto, mas, sobretudo, ela está nas vísceras humanas, na paixão. Ao mesmo tempo, o teatro está tão misturado à vida, que não se sabe onde é que o primeiro começa e a outra termina. É isso que Lorca nos faz sentir. Vivos e intensos, como a um de seus personagens. A mistura de poesia e teatro faz nos sentir completamente arrebatados, faz nos ver a beleza e a tristeza de sermos como somos, tão fortes e, ao mesmo tempo, tão frágeis. É nisso que se faz necessário, caro leitor, mergulharmos de cabeça nas grandes obras de arte. Para reconhecermos que somos, artisticamente, humanos e divinos.

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