Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Passei muito tempo à procura
De uma coisa que era desconhecida
E por ser desconhecida teve inúmeros nomes
Pronomes e adjetivos

Cada vez que eu me jogava nessa busca
Me dominava de angústia e paixão
Completamente desequilibrado
Embriagado dessa confusão

E nessa minha existência a falta
Nomeada pelas minhas fantasias
Fez-se deusa, rosas, oásis
Que eram a gota miserável que eu pedia

Como um colibri alucinado
Voei pelo jardim sem descanso ou parada
E então me deixei vencer pelo cansaço
Caí, num mergulho gelado em mim mesmo

No fim era isso que eu buscava
Uma verdade que fosse minha e não inventada
Uma voz que ecoasse de dentro pra fora
Revelando um eu mais completo
Um eu que era eu.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Murro em Ponta de Faca é uma peça de Augusto Boal, escrita em 1978, que teve também sua estreia nacional no mesmo ano. Boal estava exilado desde 1971, tendo vivido na Argentina, Peru, Portugal e França até então.
A peça conta a estória de três casais que estão viajando e que se conheceram nesta viagem. Com o decorrer da peça, descobre-se que estão indo de um país a outro porque foram exilados de sua pátria.
Além da intensa sensação de não pertencimento a lugar nenhum que os personagens exalam, há também outros problemas que se revelam na peça. O constante contato com a morte, nas notícias que chegam de entes e amigos que foram assassinados, a própria fuga de um refúgio a outro, a fim de se evitar a própria morte, além do implícito sentimento da dor da xenofobia, mostram a dura realidade de quem é refugiado em outro país.
A angústia não abandona o palco. O contexto da ditadura militar no Brasil faz com que a peça ganhe em intensidade dramática, porém, se olharmos para o que acontece no país hoje, podemos perceber que o sentimento de não pertencimento paira sobre os cidadãos. É como se cada pessoa fosse sua própria pátria e que a coletividade perdesse espaço na sociedade.
Dar murro em ponta de faca seria acreditar que é possível um país justo, um país incorruptível, um país de políticos decentes, uma pátria mãe que ama e não uma terra que sacrifica seus filhos todos os dias. O mais sensato seria desistir? Desistir seria o mais cômodo, com certeza, mas como se diz pelos becos deste Brasil atual, “quem vive, resiste!”.

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Um negro na Casa Branca

Por Antônio Roberto Gerin

O MORDOMO DA CASA BRANCA (135’), direção de Lee Daniels, EUA (2013), é mais um dos tantos filmes que apontam suas câmeras para a luta pela igualdade de direitos dos negros, nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX. E aí implica não só eles poderem ocupar os mesmos lugares nos ônibus e ganharem os mesmos salários que os brancos, como também não precisar serem mortos impunemente quando olharem para uma mulher branca passando na rua. Essa trajetória de lutas é narrada de um ponto de vista peculiar, quando passamos a conhecer a história pessoal de um negro, desde o massacre da sua família, no sul dos Estados Unidos, até chegar à Washington, onde se torna mordomo da Casa Branca e lá serve – inclusive lustrando os sapatos – a vários presidentes, desde Dwight Eisenhower, passando por Kennedy e Nixon, até Ronald Reagan. Neste longo percurso de vida, ele acompanha a tumultuada história americana das décadas de sessenta e setenta, com ênfase na questão das lutas pela igualdade de direitos entre brancos e negros. O personagem real é negro, então é esta a história que interessa contar, a história dos negros, e esta é, sabiamente, a proposta do filme.

Talvez o grande achado tenha sido conduzir a narrativa por dentro do núcleo familiar dos Gaines, cujos conflitos faziam reverberar, de forma microscópica, o que estava acontecendo nos Estados Unidos. E o que estava acontecendo, óbvio, ecoava nas paredes dos salões da Casa Branca, onde Cecil Gaines (Forest Whitaker, de presença imponente) transitava e a tudo ouvia e presenciava. Este é Cecil, um negro trabalhando na Casa Branca, assumindo atitudes de branco, que se esforçava para ser invisível, que tinha um filho engajado nas lutas de rua pelos direitos dos negros, por quem era confrontado pelas suas atitudes passivas em relação à causa negra e que, no final, acaba se dobrando à realidade das ruas. Não havia outra saída para a sociedade americana branca senão aceitar que seus filhos dividissem salas de aulas e bancos de ônibus com os filhos negros.

Uma das cenas mais contundentes se passa com a discussão entre pai e filho à respeito do famoso ator Sidney Poitier, o primeiro ator negro a ganhar um Oscar. O pai não aceitou as críticas do filho, tomando para si as dores de Sidney Poitier, a ponto de expulsar o filho de casa por não gostar do ator. Sabemos que Sidney Poitier não foi um ativista, como queria o filho de Cecil, mas junto com outros artistas negros, como Harry Belafonte e Nina Simone, usou seu prestígio para angariar dinheiro para a causa negra.

É mais um drama histórico baseado na vida real, mas a direção firme de Lee Daniels consegue nos trazer inteiros para a ficção, poupando-nos daquele vezo autobiográfico que muita das vezes acaba se sobrepondo ao ficcional, deixando a sensação de que estamos assistindo a um documentário. E vale ressaltar a atuação surpreendente da atriz “improvisada” Oprah Winfrey, no papel de Glória, esposa de Cecil. Ela consegue expressar a dor da ausência do marido que passa a maior parte do tempo fazendo horas extras na Casa Branca, e ao mesmo tempo se mantém íntegra, sabendo que aquela situação seria passageira e que um dia o marido retornaria para casa, assim que terminasse o horário de expediente.

A título de conclusão, para quem gosta do tema, sempre intrigante, indicamos o documentário que concorreu ao Oscar 2017, Eu Não Sou Seu Negro, baseado em um livro inacabado do escritor James Baldwin, Remember This House, e que retrata, com um olhar muito próximo dos fatos históricos, a trajetória de três dos maiores ícones na luta pela igualdade dos negros, Medgar Evers, Malcom X e Martin Luther King. O documentário é narrado por Samuel L. Jackson. Quanto a Gaines, mesmo que passivamente, ele contribuiu para redimensionar o negro na sociedade americana, uma sociedade cujas dificuldades de se desfazer de seus preconceitos raciais é visível e preocupante, e é por isso que, sabemos, a luta pela igualdade racial não tem hora para acabar.

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