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Por Alex Ribeiro

A Falecida é uma peça de Nelson Rodrigues que conta a trajetória de Zulmira, mulher de classe média baixa, até sua morte. Teve estreia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1953.

Zulmira vive um casamento monótono, onde seu marido, Tuninho, dá mais importância ao futebol e a seu time do coração, o Vasco, do que à própria Zulmira. Ela, cada dia mais, se distancia do marido, se descobre doente e resolve começar os preparativos do seu velório, com o desejo de, quando morrer, ter um funeral estrondoso.

À beira da morte, faz o marido jurar que vai buscar uma quantia imensa de dinheiro com um homem misterioso, para que assim o funeral do século aconteça. Quem seria o tal homem? Diante de tanta negligência do marido, seria absurdo pensar que a Zulmira tivesse um amante rico?

Outro ponto de conflito dessa mulher mal amada é sua prima e vizinha, Glorinha, que desperta em Zulmira uma raiva muito intensa e venenosa. Seria inveja? Ou será que Glorinha descobriu algo que não podia? Parece que Zulmira não pode mais viver em paz com a sua prima, ali, morando ao lado. Com um silêncio extremamente incômodo.

Zulmira morre e o marido, desempregado, vai atrás do dinheiro. Será que, finalmente, pelo menos o seu último desejo será atendido pelo marido?

Mais de sessenta anos depois da estreia da peça, os relacionamentos a dois continuam sendo o motivo de infelicidade de muitos casais. Afinal, qual o motivo de duas pessoas estarem juntas? Que esperam elas uma da outra? O teatro, essa arte mágica, mostra que as relações têm nuances tão precisas e tênues que às vezes passam despercebidas pelos próprios envolvidos. O teatro faz uma lente de aumento no miudinho da vida.

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Dores que ficam, vida que vai

Por Antônio Roberto Gerin

JULIETA (99’), direção de Pedro Almodóvar, Espanha (2016), é um filme que nos remete ao feminino naquilo que ele tem de mais humanamente incômodo. O de ter que carregar vida afora as dores de alguma culpa cujo epicentro é a maternidade. Dentro desta temática, você tem a mulher jovem se expandindo em sonhos (Adriana Ugarte), e depois, na virada da trama, agora na meia idade, a mesma mulher (Emma Suárez) se esvaindo em culpas. E para piorar, Julieta, a protagonista mãe, vê sua jovem filha ir embora para sempre, sem dar qualquer explicação. E por mais que a mãe a procure e a espere por longos anos, a filha não retorna. A estrutura narrativa se apoia justamente na ação da mãe escrevendo uma carta para a filha desaparecida, contando-lhe o que aconteceu no passado. E é neste contar a história que os fatos vão sendo revelados, e o espectador passa a entender a dinâmica de dores que exala do filme de forma tão misteriosa. É mais um Almodóvar na sua melhor estética, explorando com habilidade o jogo de cores, com predominância, óbvio, do vermelho, para tirar do drama a atmosfera desejada. Pode-se falar de dores com elegância, sem dúvida.

O roteiro é bem estruturado, mas não se prende à linearidade, o que lhe dá graça e vigor. O manejo aleatório do tempo como forma de fortalecer a dramaticidade é um recurso arriscado, mas, se bem dosado e aplicado, traz ganhos artísticos imensuráveis. Almodóvar não se acanha quanto a isso.

Trata o filme de um assunto recorrente em todos os lares do mundo. Que família não tem guardada em seus álbuns uma coleção de dores e culpas que ficam ali, por anos, mofando as relações, produzindo rancores e levando, na sua grande parte, a irrecuperáveis perdas de tempo? Talvez seja aqui, a nosso ver, o ponto filosófico do filme. Desperdiçamos nossas vidas nos enredando em um emaranhado de incompreensões que nos levam a cultuar dores que parecem incuráveis — às vezes queremos até que elas sejam insuportáveis, para assim podermos sustentar nosso jogo emocional. São dores que, muito provável, com uma boa conversa e uma fria análise dos fatos, poderiam simplesmente se esvanecer. Não que as dores não existam, ou não possam existir. Apenas a vida nos ensina que elas não precisam durar tanto e fazer tantos estragos. Como nos mostra o filme — e nisto ele é cruel —, precisamos de nova tragédia para consertar a anterior. Essa é a nossa crueldade conosco mesmos. E que nos prende eternamente às nossas feridas. E esta parece ser nossa condição humana. Vagarmos sob o peso de um destino muita das vezes estranho a nós.

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Por Alex Ribeiro

Fazia muito silêncio, às vezes,
Seus olhos se perdiam na tristeza
Os minutos se tornavam mais lentos
A noite nunca adormecia

Quando uma gota de chuva
Caía dos seus olhos úmidos
Abria uma fenda no meu peito duro
Agredido pela ação do tempo

Caminhávamos perdidos, em solidão,
Pelas ruas do nosso amor
Procurando alguma parte nossa
Alguma coisa que restou

Uma saudade enorme me vem
De você sonhando com a vida
Do amor guardado pra mim
De nunca pensar que haveria o fim.