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Por Alex Ribeiro

Solness, o Construtor é uma peça de Ibsen do final do século XIX, que conta a história de um construtor muito bem sucedido, que constrói lares para que as famílias possam viver neles. Mas que receia a vinda da mocidade, que pode lhe fazer perder o lugar de maior construtor.

Solness tem um escritório de arquitetura, onde emprega um jovem promissor, Ragnar. O jovem arquiteto pretende seguir a carreira no seu próprio negócio e, assim sendo, pede a permissão de Solness para que possa construir uma nova casa, da qual ele projetara os desenhos.

Solness se vê pressionado e reluta em liberar o funcionário, pois sabe do talento do rapaz (que o rapaz tem) e teme que essa “mocidade” tome o seu lugar, que já há algum tempo conquistado por ele. No entanto, o aparecimento da jovem Hilda encoraja Solness a deixar o espaço livre para o rapaz seguir seu caminho.

A personagem Hilda, jovem e cheia de sonhos, contrasta com Aline, esposa de Solness, que vive em permanente melancolia por dores do passado. Hilda tem papel fundamental em alimentar em Solness a força para continuar a construir e enfrentar seu medo de altura.

Solness está finalizando sua nova casa e nela tem uma bela e imensa torre. Torre esta que, na inauguração, receberá uma bela coroa no seu ponto mais alto. A coragem que Hilda lhe inspira faz com que Solness suba os andaimes para colocar a coroa, mesmo que Aline insista para que ele não o faça. É a força da mocidade, leia-se futuro, superando o peso do passado.

A peça teve inúmeras montagens e perdura ao tempo pelo ótimo dramaturgo que Ibsen foi. Porém, ao se chegar ao fim a peça, deixa a sensação de que algo faltou, que a história se passou e não causou o impacto que esperávamos dela. Afinal, é apenas uma peça descritiva de algo que se passou com o dramaturgo, de maneira simbólica? Daí, talvez, vejamos um limite com o qual  nós mesmos nos deparamos por vezes em nossas próprias vidas, algo que precisa ser rompido para que possamos nos transformar, dar passos adiante na nossa própria história, mesmo que já estejamos assentados naquilo que construímos por toda a nossa vida.

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O amor ao longo dos trilhos

Por Antônio Roberto Gerin

A GENERAL (89’), direção conjunta de Buster Keaton e Clyde Bruckman, EUA (1926), é um filme que pouco sucesso fez quando lançado nos Estados Unidos e mundo afora, mas que aos poucos foi conquistando com justiça seu espaço nas listas dos melhores filmes americanos de todos os tempos. A ponto de Orson Welles declarar, em 1971, ser A General “talvez o melhor filme que já foi feito”. Exagero ou não, fica-nos claro, ao assistirmos ao filme, estarmos diante de uma narrativa tão simples quanto pungente sobre um pedaço sombrio da história americana, a Guerra da Secessão, ocorrida entre 1861 e 1865. Buster Keaton trata com humor ora sutil ora convulsivo a relação do maquinista Johnnie com sua locomotiva General. E, de quebra, ironiza a necessidade de Johnnie de ter que provar para sua amada que, diante de um cenário de heróis a serviço de uma causa, ele também tem que vestir uma farda de soldado como prova de valentia. A forma singela com que o filme termina faz com que, sem nenhum sentimentalismo, nos lancemos naquele espaço em que acreditamos que lutar por algo pode sim ser uma fonte de felicidade. No caso de Johnnie e Annabelle, o amor pode se confundir com a história. Como, de fato, se confunde. Mas que, diante dos horrores e da destruição, o que sobrevive é apenas ele, o amor. Um primor de comédia! Que consegue ser sensível em meio à brutalidade dos canhões. Tudo graças a Buster Keaton, o Johnnie, com sua crença inabalável na capacidade do homem de superar a próxima dificuldade. Porque, com certeza, depois da próxima, virá a próxima… Afinal, a comédia não pode parar.

General é uma locomotiva que participou da Guerra Civil americana e teve seu momento de glória em 1862. Já no ano seguinte, suas peripécias foram registradas em livro por William Pittenger, história real que serviu de base para o roteiro do filme. Daí explicar a consistência e extrema funcionalidade da trama, exalando as tensões provocadas pela guerra e, dentro dela, pela luta solitária do maquinista Johnnie Gray para recuperar sua locomotiva roubada. Aliás, o filme pega velocidade a partir do momento em que o amor entre Johnnie e Annabelle se mistura à guerra. Ao saber que seu pai fora ferido no front, Annabelle embarca na General e vai à procura do pai. Logo adiante, a locomotiva é roubada, e a namorada, raptada. É a partir deste momento que o filme definitivamente alça seu vôo tensamente cômico.

A motivação dramática da narrativa é muito simples, e até óbvia. Mas forte o suficiente, naqueles tempos de heroísmos explícitos, para colocar nos trilhos, em avanço seguro e consistente, a trama do filme. Annabelle Lee (Marion Mack) passa a evitar o namorado Johnnie quando fica sabendo que ele não quis se alistar para defender os sulistas contra os avanços dos exércitos do norte. Passou a vê-lo como um covarde. E ela foi muito clara. Diz. “Não falo com você enquanto você não estiver de uniforme”. No entanto, envolvida na confusão da guerra, Annabelle desconhecia o que de fato havia acontecido. O Exército recusara o alistamento de Johnnie por entender que o maquinista seria mais útil para os sulistas pilotando sua locomotiva. Nós, espectadores, sabemos desde o início o que de fato ocorreu, a razão de Johnnie não ter se alistado. Mas os interessados, Johnnie e Annabelle, de nada sabem. E assim o quiproquó está armado. Ou melhor, é quando o roteirista entrega a condução da narrativa nas mãos do destino. Eis o sabor peculiar do filme.

O mal entendido vai sendo desfeito na medida em que o herói solitário, primeiro, salva Annabelle do rapto, e depois, juntos, recuperam a locomotiva. Mas não sem antes passarem por apuros e momentos de cômica tensão, onde cenas de pastelão escapolem de todos os lados da tela. E a narrativa chega a seus momentos mais angustiantes justo quando nos vemos torcendo pelo mocinho, fazendo com que suas trapalhadas – o personagem nos lembra uma mistura de Forrest Gump com Mister Bean – acabam quase que nos irritando, a ponto de querermos gritar: como é que pode ser tão trapalhão! Não podemos esquecer que estamos falando de Buster Keaton, à época, junto com Charles Chaplin, simbolizavam o auge da comédia dos filmes mudos. Mas diferente de Chaplin, Buster evitava o sentimentalismo e a exploração de trejeitos faciais. Seu rosto parece esculpido em cera. Mas, não é menos eloquente.

Enfim, o filme mostra, com certa clareza, o momento pelo qual estava passando o cinema americano, já atingindo sua maturidade artística, mas ainda limitado pela técnica. É perceptível a vontade que o espectador sente de ouvir as falas dos personagens. Elas parecem querer escapulir do silêncio da tela. De fato, sabemos que dali a algum tempo seria lançado o primeiro filme sonoro, O Cantor de Jazz, com retumbante sucesso. Pena. A General chegou um pouquinho adiantado. Tivesse o ansioso Jonhnnie acelerado um pouco menos sua famosa locomotiva, teria A General estreado no tempo exato para concorrer ao privilégio histórico de ter sido o primeiro filme sonoro. Não foi. E nem precisou ser. Ofuscada à época pelo burburinho do cinema sonoro, esta pequena obra prima do cinema acaba conquistando seu espaço definitivo na lista dos mais importantes filmes americanos. Bem à frente de O Cantor de Jazz. Podemos dizer que a empolgação de Orson Welles com o filme se justifica. E a silenciosa locomotiva, essa personagem de ferros e caldeiras, continuará nos trilhos por muito tempo, levando-nos a passear nossos olhos encantados pelas telas dos cinemas, das televisões, dos smartphones. À procura da General.

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