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Primeiro o amor, depois o casamento

Por Antônio Roberto Gerin

Há filmes que vão direto ao assunto. E esta atitude, lógico, não os faz filmes menores. Apenas têm o mérito de colocar o espectador rapidamente dentro da narrativa. Assim é o saboroso e ao mesmo tempo instigante filme ORGULHO E PRECONCEITO (127’), direção de Joe Wright, França / Reino Unido / EUA (2006), ambientado no século XVIII, precisamente em 1797, com roteiro baseado no livro homônimo da genial escritora inglesa Jane Austin. É o amor tentando se equilibrar nas cordas rigidamente esticadas das convenções sociais da época. E as convenções são claras. O amor está subordinado ao casamento. Primeiro o patrimônio, depois o afeto. Portanto, na ânsia de se casar, o amor é colocado em segundo plano. Esta máxima, aliás, pode servir para outras épocas, afinal, épocas podem ser diferentes, mas as demandas do casamento parecem não ter-se alterado tanto. E se há alguma alteração, e o filme nos mostra que há, ela estará reservada aos protagonistas. E é o que determina o roteiro de Orgulho e Preconceito. O casal Elizabeth e Darcy, os protagonistas, primeiro vão se amar. Se admirar. Sonhar um com o outro. Cabem até rusgas e desencontros. Depois, lá na frente, pensarão em casamento.

O filme retrata as ansiedades da Sra. Bennet (Brenda Blethyn) em conseguir cinco casamentos para suas cinco filhas. Tarefa para lá de difícil, e ela sabia disso. Afinal, casamento servia para garantir o futuro. Portanto, tinha que ser bem arranjado.

Temos aí pretextos para muita comédia e algumas frustrações. A comédia é o pano de fundo para mostrar situações inusitadas, às vezes ridículas, das jovens casadoiras que se sujeitam a tudo para receber o olhar e, quem sabe, uma atenção especial de algum pretendente que as leve rapidamente para o altar. Como se pode ver, as irmãs Bennet seguiram à risca o propósito da mãe. Menos uma. Elizabeth.

Elizabeth é tão orgulhosa quanto seu futuro príncipe, e tão ciente dos preconceitos de classe quanto, também, seu futuro príncipe. Elizabeth (a maravilhosa Keira Knightley) se recusava, silenciosamente, a se sujeitar a ser uma simples escolhida. Ela queria algo mais do que apenas receber uma aliança no dedo anelar esquerdo. Tanto que, ao aparecer pela primeira vez, no início do filme, traz consigo um livro. Pois é! Mulher lendo no século XVIII. Enfim, para Elizabeth Bennet podia até ser um príncipe que viesse a cortejá-la, mas sem essa conversa de que a única coisa importante na vida de uma mulher é se casar.

Ainda bem que há uma Elizabeth no filme. Não que as lutas renhidas das outras quatro irmãs para conquistar um marido não sejam também dignas de torcida. E de compaixão. Uma se casa com um falastrão, aquele que se especializa em dar golpes no coração feminino para atingir o bolso da herdeira. A outra, Jane Bennet (Rosamund Pike), é o modelo da bela e recatada (e pobre) que se casa, ufa!, finalmente, com o belo e recatado (e rico) senhor Bingley (o maravilhoso Simon Woods). Depois que todo mundo consegue se arranjar, ou não se arranjar, agora é a vez do par principal, a união da senhorita Elizabeth Bennet com o senhor (feudal) “Mister” Darcy, representado pelo belo-ator-escolhido-a-dedo, Matthew Macfadyen. Se não fosse Matthew, quem poderia, magistralmente, também, representar o enigmático e charmoso Mister Darcy seria Robert Redford. Ou indo mais longe no tempo, Clark Gable. Para ficar em apenas duas sugestões. Como podem ver, estamos falando da nata da beleza e do charme do cinema de ontem e de hoje. E falamos neste tom para ressaltar a importância de uma mulher de personalidade que só se encaixa numa relação onde a mentira, o orgulho e o preconceito (e demais hipocrisias) não têm vez. E isto, com extrema sinceridade, Elizabeth deixa claro desde o início do filme, nos cooptando e nos deliciando. E nos avisando. Cuidado! Se atrás do amor vem a necessidade do casamento, abram o olho. Provavelmente não é amor, é apenas arranjo. Que mulher essa Elizabeth, hein, Jane Austin!?

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Por Jackson Melo

Todos os dias
Ela prepara o jantar
Cuida da casa
Dos filhos
Trabalha fora
Ainda assim
Se prepara à sua espera

Arruma o cabelo
Faz as unhas
Cuida da pele
Se produz toda
E ainda que não o fizesse
Ainda assim seria
Uma obra prima
De mulher

Ele chega
Não diz nada
Se farta
Embriaga-se
Não diz nada
Nem observa
E adormece

Ela faz tudo
Não recebe nada
E às vezes
Só queria um pouco
De carinho
Atenção
Amor…

Ela acorda
Prepara os filhos
Arruma o café
E acorda o marido

Ele acorda
Se farta mais uma vez
E vai para o trabalho
Nem sequer percebeu
O novo corte de cabelo dela

Ela abraça a solidão
E é tomada pelos prantos
Mas logo se arruma
Enxuga as lágrimas
E  como uma guerreira
Pinta sua armadura
E vai para o trabalho

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Por Alex Ribeiro

Sinal de Vida é uma peça de Lauro César Muniz, e teve sua estreia nos palcos em 1979. Conta a história de uma noite fatídica do jornalista Marcelo Estradas, torturado pela sua própria consciência.

Tudo começa quando Marcelo recebe o telefonema de um amigo, anunciando a morte de sua ex-amante, Verônica. Os tempos eram de ditadura e Verônica fazia parte de uma guerrilha nascida da militância comunista. Ela havia sido capturada e assassinada pelo regime militar, instaurado no Brasil, em 1964.

A partir daí, Marcelo não consegue mais ter paz. Suas lembranças de quando ensinava os pensamentos comunistas, e o próprio convite que ele fizera a Verônica para ingressar no partido comunista começam a deixar sua consciência extremamente crítica e insuportável.

Marcelo viaja no tempo, relembra seus amores falidos que permeiam cada fase de sua vida, desde os encontros do partido comunista, quando ainda era casado com Olívia, até sua vida em “paz” com a atriz Leda, passando pela prostituta de luxo Cláudia, e pela própria estudante Verônica. Com cada mulher, um Marcelo com planos de vida diferente. Porém, um mesmo Marcelo que se mostra violento quando acuado.

Marcelo traduz um homem perdido entre sua falta de convicção nos seus ideais e sua vida amorosa falida. Tudo parece começar a ruir quando ele abandona a sua militância. A vida parece vaga e sem sentido. E a morte de Verônica traz isso à tona de uma forma visceral, mostrando o fracasso em que Marcelo se tornou.

Talvez hoje estejamos num dos momentos mais complicados de nossa história, e nos sentimos por muitas vezes perdidos diante de tantas novas informações, tantos novos golpes desferidos por aqueles que ocupam as cadeiras do poder. Será que estamos agindo de acordo com nossas convicções, com nossos valores, ou será que estamos vivendo comodamente nas nossas vidas, aceitando a opinião que nos servem prontas? Estaríamos nos acomodando na omissão? Se a resposta é sim, já podemos indicar futuros “Marcelos” tirando nosso sono.

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