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cadê a ministra

Por Antônio Roberto Gerin

A composição do ministério do atual presidente da República, Michel Temer, tem levado muita gente, aqui dentro deste país, e até lá fora, a fazer a mítica pergunta: — Cadê a ministra? Onde buscar explicações para placar tão inusitado, em se tratando de tempos modernos: 23 a zero! Placar impensável numa civilização, diria, honestamente sã, querendo dizer, igualitária. E aí? Buscar explicações novas para a descabida composição do ministério do não eleito presidente Temer, ou recorrer às antigas? A meu ver, não existe explicação nova. A não ser uma. Culpa-se Dilma, mulher recém destronada, pelas atuais mazelas da nação. Portanto, xô mulheres! Cobras! Acendam a fogueira!

Mas, e o que aconteceu com as mulheres do PSDB, que lutaram para derrubar Dilma e o PT? Que fizeram vigílias, que rezaram debaixo das batinas dos padres, que beijaram os pés de barro dos seus maridos, e agora, preteridas, estão reclamando a justa participação no poder? E nós — gritam elas —, por que ficamos de fora? Acredito que também estejam buscando explicações para tamanha, mas previsível, goleada. Só que elas foram goleadas dentro da própria casa. Em seu próprio Maracanã.

Mas vamos às explicações para o 23 a 0. Minha mente também é de ocasião, e eu gosto de flertar com o imponderável das circunstâncias. Mas, não podemos falar da mulher sem falar da trajetória dos séculos, onde a dominação e o desprezo subjugam a genitália e só preservam o útero porque ele é um instrumento necessário.

Vamos às hipóteses.

Primeira hipótese para os 23 a zero. Machismo em sua origem milenar. Mulher não vai à guerra. E nós estamos em tempo de guerra! Portanto, às mulheres, originariamente fúteis e imprevisíveis, não cabe tamanha responsabilidade num momento tão sério por que passa o país. A eficiência e a circunspecção cabem ao homem. À mulher, a intriga e a incerteza.

Segunda hipótese. Na pressa para compor o gabinete da inteligência salvadora, não se vislumbrou nenhuma mulher competente para se somar aos neurônios masculinos, fartamente disponíveis nas hostes dos partidos de ocasião. Afinal, para convencer um neurônio feminino leva-se muito tempo. Melhor, então, ficarem elas em casa, cuidando dos herdeirinhos.

Terceira hipótese para o 23 a zero. A república dos machos do pinto murcho nasceu sob a égide de uma Marcela que sabe, via revista VEJA, colocar a mulher no seu devido lugar.

Quarta hipótese. Não tenho mais hipóteses! Esgotei-me, porque tal placar ultrapassa o impensável, contraria a história, desfigura a realidade, achincalha o bom senso. Recorro-me, portanto, a uma mulher que soube, como poucas, descrever a mulher em seu tempo. Cedamos a tribuna a Simone de Beauvoir!

Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que se manter vigilante durante toda a sua vida.

Mulheres, orai e vigiai! As florestas não dispensam os seus lobos.

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Por Antônio Roberto Gerin

DEPUTADO   –  Caralho, você foi esconder dinheiro num canil!

ASSESSOR –  Ninguém vai procurar dinheiro em canil.

DEPUTADO – Olha lá o que você está fazendo…

ASSESSOR –  Tranquilo, chefe! Daqui uns três anos, a gente pega o dinheiro de volta. Ninguém vai se lembrar de mais nada. Continuamos honestos, graças a Deus.

DEPUTADO –  Melhor guardar dinheiro com os cachorros do que em banco na Suiça. Viu o que aconteceu com o Cunha?

ASSESSOR –  Ele tem cara de quem guardava dinheiro debaixo do colchão.

(Risos…)

DEPUTADO –  Separou algum pra gente?

ASSESSOR –  Trinta mil verdinhas pro senhor, quinze mil pra mim!

DEPUTADO – (Irrita-se.) – Trinta? Não dá nem pra comprar um carro novo!

ASSESSOR –  Calma, bebezão!

DEPUTADO –  Bebezão?

ASSESSOR – É seu codinome, esqueceu?

DEPUTADO – Eu estou ouvindo um barulho estranho. Será que seu telefone está grampeado?

ASSESSOR –  Tranquiilo, eu estou na rua.

DEPUTADO – Você é esperto.

ASSESSOR –  O importante é parecermos honestos.

(Risos…)

DEPUTADO – (Feliz.) – Au-au!

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Por Antônio Roberto Gerin

Deputado tem mulher? Ou esposa, como queiram.

Quem assistiu à votação pela admissibilidade do impeachment da senhora presidenta do Brasil, ocorrida num domingo, dia 17 de abril de 2016, pôde entrar em íntimo contato com os três louvores que dão sustentação à moral cívico-religiosa brasileira. Louvor a Deus, primeiramente, à pátria, em que pese que há dúvidas, e, por fim, à família. E é neste último louvor que eu quero me deter um pouco e, com isto, tentar responder à pergunta inicial.

A minha amostragem dos votos chega, no máximo, aos últimos 350 votos dos 513 possíveis, a que assisti, quando pude verificar que dentre todas as invocações à família, feitas, de preferência, pelos deputados a favor do impeachment, conta-se nos dedos da mão direita, salvo engano, a quantidade de deputados que, além de fazer o que quase todos fizeram, isto é, invocar os ascendentes (pais e avós) e/ou os descendentes (filhos e netos), referiram-se também à sua digníssima esposa. Os números me levam a crer que a maioria dos deputados ou não têm mulher ou acham que para se constituir família não precisa, em momentos delicados da história brasileira, louvar a sua esposa. O que se viu no plenário foi a demonstração de que o que prevalece é a família patrimonial. Como nos velhos tempos, quando a mulher não tinha direito à herança e era vendida mediante oferta de dote.

Hoje não me parece tão diferente, pelo menos pelo que se viu na arena política. A mulher continua tendo dificuldades em ocupar seus espaços. À despeito da lei de herança que a protege, o macho se comporta em relação à mulher como se ela fosse um penduricalho vaginal nos momentos de diversão (dele), e penduricalho umbilical nos momentos de perpetuar o patrimônio (dele). E mesmo num momento especial como este, na grande festa da democracia, ocorrida naquele domingo, à mulher foi recusado qualquer protagonismo, sequer o de companheira. E mais. Uma festa em que se comemorava a defenestração de uma mulher, símbolo, nos parece, de luta dura e inglória, luta esta a que está sujeito, diariamente, um número bem significativo de mulheres brasileiras.

Em suma. O que aconteceu nas declarações de voto de inúmeros deputados — não se trata aqui da questão do voto contra ou a favor — é uma triste radiografia da imagem ofuscada, borrada e censurada da mulher como parceira do próprio marido no cotidiano de vinte quatro horas por dia. Haverá sempre momentos (especiais) no dia a dia em que o homem negará a sua mulher. E nossa conclusão hipotética, pelos comportamentos masculinos no plenário da Câmara, é a de que a maioria dos homens deputados brasileiros não tem mulher. E nem pode ter presidenta.

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