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Um filme à la Romeu e Julieta

Por Antônio Roberto Gerin

MARGUERITE & JULIEN (110’), direção de Valérie Donzelli, França (2015), é um filme que trata de assunto delicado, pouco visto no cinema, atualmente. Incesto. Neste caso, incesto entre dois irmãos gêmeos, Marguerite e Julien, que emprestam seus nomes ao filme.

O filme é baseado em história real, mas desde o começo deixa claro que se trata de uma versão livre da história ocorrida há alguns séculos. E não se propõe a dizer a verdade nua e crua. Com certos assuntos é melhor não ir a fundo, pois não há a intenção de chocar, nem de provocar discussões. No máximo, causar um certo nojo. Mas nem isso o filme consegue com eficiência, quando ele tira a responsabilidade do incesto, quer dizer, a paixão incontrolável dos jovens irmãos tira o peso do abuso.

O fato em que se baseia o filme ocorre por volta do começo do século XVII, mais precisamente em 1603, quando se dá o desfecho do drama. É uma história de paixão entre dois jovens irmãos… Paixão? Sim, paixão proibida, por isso vai mobilizar família, igreja e sociedade. Os dois jovens resistem a todos os contrários, levando sua decisão até as últimas conseqüências.

Quem for ao cinema para conhecer de perto o que significa vivenciar uma paixão incestuosa, com toda sua carga de sofrimentos, culpas e dores, não vai encontrar o que procura. Talvez a falha narrativa do filme esteja no papel equivocado da mãe, que chega a ponto de apoiar o casal de filhos na sua insana paixão, facilitando-lhes a fuga. Essa atitude da mãe parece esvaziar todo o contexto social moralizante do incesto, conduzindo o desenrolar da narrativa para uma dinâmica dramática de um Romeu e Julieta, onde se prioriza os impulsos da paixão e deixa de lado os riscos morais e sociais do incesto. Não se trata de ser contra ou a favor desta paixão. O que não se pode desconsiderar é o peso social do ato que, infelizmente, pesa mais que chumbo.

Uma direção firme, mas moralmente indefinida. Arrumadinha, afinal, pretende-se agradar a gregos e troianos. É como se o diretor rodasse o filme com um olho do demônio na bilheteria.

Quanto à estética do filme, fica aí um risco para a direção e uma surpresa para o espectador. Helicópteros e carros passeando pelo bucólico interior francês do século XVII. Alguém já viu isso? Se não viu, vale a pena dar uma olhadinha, afinal, para se esconder as verdades nada melhor que se valer da fantasia.

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Um filme sensível à dor

Por Antônio Roberto Gerin

O sensível filme MOONLIGHT (115’), com direção de Barry Jenkins, EUA (2016), rodado em apenas 25 dias, estrelado somente por atores negros, e aclamado pela crítica especializada, foi o vencedor do Oscar 2017. Só isto é motivo para assistir ao filme. Se merecia ganhar? Sim e não, não e sim. Polêmicas à parte, mais uma razão para assistir ao filme e compará-lo com La La Land, seu forte concorrente à estatueta de melhor filme. Enquanto em La La Land temos uma narrativa leve e ágil de perseguição aos sonhos, e, bingo!, seus protagonistas conseguem realizá-los, portanto, um hino ao sucesso nestes tempos de ondas de desânimo que assolam a humanidade, Moonligth prefere ir na contramão da realidade glamourizada. Em Moonlight não cabem sonhos. Sequer há tempo para eles. O que resta é juntar os estilhaços de realidade caídos ao chão e sair caminhando pela vida, sempre cuidando para não pisar nos cacos de vidros. Não há esperança na dor. E Moonlight tem este compromisso com o espectador. Não mentir. E ele não mente.

Mas há outras razões para assistir a Moonlight. Tendo sido baseado numa peça de teatro inédita, In Moonlight Black Boys Look Blue, de McCraney, Moonlight ganhou também o Oscar de Melhor Roteiro adaptado. Isto nos dá a aparente certeza de estarmos diante de uma narrativa bem estruturada, que embasa um roteiro consistente, e que nos coopta e nos mergulha em um sutil estado de compaixão. Moonlight ganharia também o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, que foi para Mahershala Ali, estupendo em seu papel de amparar o arredio e perseguido garoto Chiron. E olha que Mahershala só participa do primeiro terço do filme!

Moonlight narra a trajetória solitária de um garoto negro, Chiron, nascido dentro da Miami dos anos 1980, de família desestruturada pelas drogas. Desde cedo se descobre homossexual, e com isso sofre constantes achaques físicos e emocionais dos colegas de escola. Submete-se a tudo de forma silenciosa e resignada. Este é o perfil social a que Chiron está condenado. Passar pela vida o mais invisível que puder, sem vislumbrar qualquer perspectiva de salvação. Sem muita opção, acuado, chega o dia da vingança contra o chefe da gang do colégio. Leva a melhor, mas não tem nenhum ganho com isso. Pelo contrário. Negro e pobre, é logo trancafiado em um reformatório. Na vida adulta, passa a comandar o tráfico de drogas em Atlanta, herdado de um antigo protetor. Esta é a trajetória simplificada deste herói anônimo. No entanto, não é a droga e seus desdobramentos que interessam ao filme. O que Moonlight quer é nos convidar a acompanhar o silencioso sofrimento que impregna, como um terrível estigma, a alma de Chiron. E nos dar a triste notícia de que ele levará este sofrimento vida afora. O desfecho ainda deixa no ar uma esperança. Mas Chiron, adulto, nos parece, já nasceu condenado.

A narrativa se divide em três momentos, como se fossem três atos de uma peça teatral. Esta estrutura formal, aliás, está clara. O protagonista pequeno, depois adolescente, e, por último, adulto. A grande sacada do filme, e aí entra a mão do diretor, é que os três atores que representam as três fases da vida do protagonista conseguem manter a linha exata da construção da personagem, numa rigidez de perfil que só mesmo uma boa direção de atores e uma composição consistente de personagens conseguiriam atingir. Apesar de serem três atores totalmente diferentes – nenhum dos três acompanhou a filmagem dos outros dois -, fica-nos a nítida impressão se tratar da mesma pessoa. O filme não se perde no fio condutor da dor. Ele, pelo contrário, a sacraliza.

E é justo dedicar um parágrafo para nomear os atores que formaram o premiado elenco de Moonlight. A fase infância de Chiron foi representada por Alex Hibbert, a fase adolescente, por Ashton Sanders, e a adulta, por Trevante Rhodes que, a princípio, havia se candidatado para o papel adulto de Kevin, que viria a ser entregue a Andre Holland. Falta mencionar o garoto Jaden Piner no papel infantil de Kevin, amigo de Chiron. Não temos o nome do ator que fez o papel de Kevin adolescente. E temos ainda a atriz inglesa Naomie Harris que, após muito relutar, acabou aceitando o papel da mãe de Chiron, a drogada Paula E no papel de Tereza, namorada de Juan, casal que acolheria o menino Chiron, Janelle Monáe, que não pensou duas vezes em aceitar o convite. E, por fim, no papel de Juan, o premiadíssimo Mahershala Ali, conhecido por representar Remy Danton em House of Cards. Uma salva de palmas!

Quanto ao ritmo, ao desfecho, à edição, à mão contida do diretor, dando mais chances às sutilezas que ao espetaculoso, bem, aí vai do gosto de cada um. Para a finalidade a que o filme se propõe, a opção do diretor, a nosso ver, foi acertada. Ele nos oferece a mágica simbologia da dor através do silêncio. Um silêncio, aliás, que grita.

Em suma. A grandeza de certos filmes não reside no furor criativo das técnicas nem na conturbada proposta de seu conteúdo. Há filmes que apenas se apropriam da realidade como um cúmplice fiel que o ajudará a chegar ao outro lado da vida, sem que para isso precise macular a beleza de ser humano. Moonlight é destes filmes. Que apenas se prestam a nos humanizar.

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Holocausto, um olhar cotidiano

Por Antônio Roberto Gerin

PARAÍSO (135’), com direção de Andrei Conchalovsk, Rússia/Alemanha (2016), em cartaz nos cinemas, é mais um filme sobre a perseguição aos judeus na Alemanha nazista. Quem gosta deste tema, sempre trágico, pode ir logo reservando o ingresso, porque vale a pena assistir. Para quem não aprecia, fica aí a sugestão de ver um filme sobre tema recorrente, mas mostrado a partir de um ângulo revelador. E a diferença desta história de holocausto para outras tantas é que ela é mostrada por dentro da tragédia, é dada a oportunidade aos personagens chaves trazerem suas angústias, suas convicções ideológicas e manifestar suas fraquezas e mesquinharias, como se estas atitudes fossem ações corriqueiras, o que nos leva a ver as barbáries do nazismo em pesos e medidas diferentes. Ironicamente, é como se disséssemos que há tempo para se viver naquele campo de concentração.

Neste caso, são os mesmos ingredientes de tantos outros filmes sobre a mesma temática. O campo de concentração, a câmara de gás, o preso que vai trabalhar na casa do oficial chefão, não há, no entanto, o trem chegando abarrotado de judeus, mas há a menção ao trem, e a imagem, verbal, é feita de uma forma tão arrebatadora que não tem como não imaginar um trem abarrotado de judeus entrando naquele campo de concentração. A dor constrói a magia da imagem, numa pungência que nos abala e nos emociona.

O filme narra a trajetória de três personagens que acabam se encontrando em momentos tensos da guerra, cujo cenário é a ocupação francesa, quando o canhão e a política se locupletam, para o desespero e a vergonha de muitos franceses. E traz um elemento forte, que é a corrupção, tanto por parte dos militares nazistas quanto de seus prisioneiros judeus. Pasmem, os judeus, nos campos de concentração, enquanto não iam para as câmaras de gás, continuavam sendo seres humanos! E isto num lugar onde a insanidade ideológica toma conta, o jogo moral e o jogo social passam a não ter regras, e rouba mais quem tem menos escrúpulos. Nada segue impune, nem mesmo a personagem chave, uma princesa russa, que faz de tudo para salvar duas crianças judias e, por isso, é condenada. Aí talvez esteja a grande crueldade do filme. E seu aspecto original. O tão sonhado paraíso é visto a partir do inferno.

Em suma. Os filmes sobre o tema geralmente mostram só o inferno, e o inferno, neste filme, é o paraíso perdido. A princesa russa, por necessidade de sobrevivência, vende sua moral no varejo, mas se recusa a vender a sua ética, e quando percebe que sua ética não cabe neste mundo, prefere morrer. E esta é a oportunidade de assistir ao filme. Para aprendermos que paraíso e inferno, se existem, somos nós que os criamos.

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