Publicado em Categorias Cinema, Cultura, Literatura, Resenhas

Neste filme, sentir é o que importa

Por Antônio Roberto Gerin

O FILME DA MINHA VIDA (113’), direção de Selton Mello, Brasil (2017), é mais um filme de Selton Mello. Não há nada de errado nisso. É grife estética. Quando Selton Mello põe a mão na massa para gestar seu próximo filme, já antevemos o que virá. Só não sabemos como. E neste terceiro filme do diretor, há surpresas agradáveis.

Não se trata de questionar o vigor narrativo do filme. O roteiro é fluidamente poético e humano, influenciado pela obra de Antônio Skarmeta, Um pai de Cinema, em que o filme se baseia. Mesmo que lentamente, a trama segue seu caminho, e o espectador vai descobrindo o que de fato se passa naquela cidadezinha do interior gaúcho, onde o protagonista se movimenta e leva com ele a história a ser contada. Sim, se ele não se movimentar, não haverá história! E esta é a grife Selton Mello. Existe sempre o protagonista que mais sente que pensa, mais contempla que age, há mais sensibilidade que brutalidade, e ficamos torcendo para que o jovem Tony (Johnny Massaro), paralisado pelo sumiço do pai, tenha “um troço” e coloque a máquina narrativa para girar numa velocidade mais intensa. Mas, ser apressado não é coisa para Selton Mello. Apressada, no filme, só a velha locomotiva que leva Tony de uma cidade a outra. Mas também… nem tanto.

Após ter chegado da cidade grande, onde fora completar seus estudos, Tony vê seu querido pai francês (Vincent Cassel) fazer as malas e voltar para a França, sem dar qualquer explicação para a esposa, e muito menos para o filho. Acabara-se o sonho da família feliz. O filho cai em profunda depressão, com saudades do pai, na espera do retorno do pai e, para aumentar o drama, põe-se a contemplar silenciosamente a dor da mãe (Ondina Clais), ela também vagando pela vida, em profundo abandono. O filme ganha corpo quando o rapaz resolve rodar a baiana. Decide terminar com o luto, desiste do pai e vai para a vida. E a graça, e solução, da narrativa está justamente na sua atração fatal pelo cinema, a ponto de pegar a locomotiva e ir à cidade vizinha assistir ao próximo filme. Ao fazer isto, sua história se fecha e se encaminha para a surpresa final. Que não é tão surpresa assim, visto ser a solução existencial, nessa relação de conflitos familiares, um pouco ambígua e um tanto tímida.

Mas quais as surpresas do filme? A bela fotografia. O espectador é brindado com o que há de mais sofisticado e sensível. Ainda mais que as locações se passam em pequena cidade do interior, onde o verde, o bucólico, o silêncio e a mata permitem deslumbrantes tomadas de cena e criações de atmosferas intimistas. A sonoplastia dá o toque emocional. Abandono e dor, esperança e graça. E a luz, envolvente. E a atuação dos atores condiz com a proposta do diretor. Ao mesmo tempo que reforça uma estética mais paralisante, ela é fundamental para gerar os movimentos interiores das personagens, de onde o filme tira a maior parte de seu vigor narrativo.

A graça do filme fica por conta do despertar da sexualidade do garoto que diz para todo mundo, a toda hora, que o sonho dele é conhecer a zona. Sim, o puteiro. Sim, sexo! E ao conhecer, pelas mãos do professor Tony, o garoto dá um salto de maturidade muito bem trabalhada na concepção da personagem. O mote que faz a narrativa girar é a busca pelo pai, mas meio que acaba sendo um pano de fundo incômodo, porque o que interessa é a vidinha das pessoas numa graciosa cidade, com sua arquitetura do início do século XX, ambientada nos anos 1960. Esta é outra característica da grife Selton Mello. O saudosismo, a busca por algo que ficou lá trás, incompleto.

E por fim, o próprio Selton Mello. Para ele sobrou a personagem Paco, dúbia, inexplorada, onde incorretamente Selton Mello desfila uma vaidade perigosa, deslocando sua personagem da realidade fictícia do filme, inclusive no figurino, essencialmente cosmopolita. Para quem cuida de porcos, é no mínimo inusitado. Mas, vá lá, é cinema. E, por favor, deixem Selton Mello curtir o seu filme, dentro do filme.

Se há pequenos deslizes, se há vácuos emocionais para impulsionar as motivações interiores das personagens, se há falta de arcos na criação das personagens, há, antes de tudo, uma bela festa preparada com esmero e carinho para saudar a sétima arte. Neste quesito, a elegância de Selton Mello salta aos olhos.

Clique aqui para conhecer, em Assisto Porque Gosto, meus textos teatrais. 

Publicado em Categorias Cinema, Cultura, Literatura, Resenhas

O afeto dentro da sala de aula

Por Antônio Roberto Gerin

AO MESTRE COM CARINHO (105’), roteiro e direção de James Clavell, Reino Unido (1967), é um filme tão bem feito que nos dá a impressão de que ele já nasceu pronto. Ou realizado sem esforço. Lógico, sabemos que não é bem assim. Produzir filmes exige esforços artísticos e técnicos imensuráveis. Ademais, Ao Mestre com Carinho, baseado em livro homônimo de Edward Ricardo Braithwaite, publicado em 1959, traz uma temática moderna, sensível e explosiva. Questões sociais misturadas com racismo. Violências domésticas produzindo carências básicas, como a ausência de afeto e de orientação. Portanto, uma temática perigosa, onde há muito o que dizer e muito o que mostrar. E a câmera nos leva direto, sem pudor, para a sala de aula de uma escola da periferia de Londres, em um bairro operário do East End, apinhada de jovens perdidos, agressivos, infantilizados, precisando de alguém que lhes mostre o rumo, e tem que ser rápido, porque alguns destes jovens beiram já a delinquência. E o que fica evidenciado, logo nas primeiras cenas, é que qualquer professor, mesmo o mais experiente, pensaria mil vezes antes de entrar por aquela porta e encarar a turminha. O último não aguentou. E a escola acaba de contratar um novo professor. Inexperiente. Um engenheiro elétrico desempregado. Negro. Nascido na Guiana Inglesa, tentando a vida em plena Londres dos anos 1960. Então, professor… Vai encarar?

Mark Thackeray (Sidney Poitier) é, sim, um engenheiro desempregado que, após ter tantos currículos recusados, não vê outra alternativa senão aceitar o emprego de professor em uma escola de periferia. Mesmo sendo aconselhado pelos professores, seus futuros colegas, e até pelo diretor, a recusar o cargo, e depois do frustrante primeiro dia de aula, e mesmo depois dos sinais evidentes de desrespeito, rejeição e racismo, Mark insiste em encarar o desafio. E o faz não só por estar desempregado, mas também pela sua identificação imediata com a história daqueles jovens abandonados pelo sistema educacional londrino. Reside aqui a força moral e filosófica que explica a decisão de Mark. Ele conhece muito bem o que se passa ali, atrás daquelas carteiras. Lúcido, logo percebe que o caminho da autoridade se constrói pelo respeito, jamais pelo confronto.

Acima de tudo, este é um filme que trata com sinceridade, e muita sensibilidade, dos problemas de um grupo específico de jovens sedentos por alguém que lhes ensine os modelos elementares de convivência social. Nada de bombástico. É preciso apenas ensinar aos rapazes que se deve tratar uma mulher de senhorita e não de vadia. Que se deve pedir “com licença” quando entra, “bom dia” quando encontra. Sentar-se de modo correto à carteira, necessariamente tendo os pés presos ao chão, enfim, corrigir comportamentos desajustados de jovens que trazem para a sala de aula a falta de ensinamentos básicos que famílias desestruturadas não conseguem oferecer a seus filhos. Esta ausência leva, naturalmente, a um estado de selvageria, que nos choca, mas que é a realidade de muitas escolas por aí, inclusive dentro de nossas fronteiras. Verdade é que estes jovens estavam apenas à espera de um mestre que os tratasse com carinho. Alguém que os conduzisse, com mãos firmes, para a vida adulta. E eis que, por obra do destino, adentra a sala um charmoso e carismático Sidney Poitier!

James Clavell, tirando do livro autobiográfico de Braithwaite um roteiro enxuto e preciso, beirando o didático, leva o espectador ao limite da impaciência, a ponto de nos sentirmos tão desamparados quanto o professor. Podemos vê-lo parado, diante dos alunos, sem saber o que fazer. Na verdade, o nervosismo começa antes, ainda no corredor, quando o professor, ele próprio tenso, encaminha-se para a sala de aula. Cresce a expectativa. O que vai acontecer? Qual a próxima provocação? Livros derrubados ao chão. Tampas de carteiras largadas com estrondo. Pernas para o alto. Agressões verbais. Ironias. O pé da mesa cerrado, levando nosso professor quase ao chão. E ele ali, à frente, olhando a tudo, atônito. Será que vai gritar? Esmurrar a mesa? Partir para o confronto físico? Não. Mark Thackeray simplesmente faz o que tem que fazer. Foge às provocações. Não morde a isca. Ele sabe que os conflitos não nascem na sala de aula. Eles vêm de fora, dos lares, das ruas. Peitar a selvageria seria lutar contra moinhos de vento. Principalmente quando os conflitos de cada um se juntam num grande acordo, orquestrado pelo líder da arruaça, um tal de Denham (Christian Roberts). Conflitos unidos jamais serão vencidos! A não ser que a serenidade, a firmeza e a argúcia consigam nocauteá-los. E o mestre nocauteia. Um a um. Na individualidade, não no coletivo.

E eis o resultado. Se não há o embate, o conflito perde seu alvo de ataque. Ele terá que se voltar contra si mesmo. É a lógica. Previsível, aliás. E foi o que aconteceu. O mestre, com sua postura neutra, de não confronto, criou o vácuo. O espaço onde cada aluno agora ia poder olhar para si mesmo. Neutralizados os conflitos, as dores começaram a se manifestar. Nesse contexto, a figura paterna é a que surge com mais intensidade, provável, já num processo de identificação com aquele homem de gestos e olhares inabaláveis, de presença forte e jeito meigo, trazendo dentro de si uma amadurecida sensibilidade social, justamente do que os alunos precisavam. O mestre simbolizava a lei, imposta pelo afeto, não pela pancada. E aqui o filme começa a fazer lentamente a manobra em direção à conscientização da realidade desajustada em que aqueles jovens estavam inseridos. E esta manobra em direção aos bons ventos se dá quando Mark Thackeray, finalmente, entende o que está acontecendo. Num golpe de mestre, pega a pilha de livros sobre a mesa e joga tudo na lata do lixo. Isso mesmo. E pergunta para os surpresos alunos sobre o que eles querem conversar. Sexo? Casamento? Relações? Família? Menstruação? Às favas com o ensino formal!

Apesar do encantamento, da rendição, do alívio, vale lembrar que a resistência não se quebra totalmente. Nem podia, sob pena de o filme perder fôlego. A tensão, gerada pelo confronto inicial, persistirá até o fim, agora isolada na figura do líder da arruaça, aquele mesmo, o Denham. E o anticlímax acontece na última cena, antes do desfecho, quando Denham desafia o mestre para uma luta de boxe. Uma situação interessante, quase subliminar. E totalmente necessária. O filme precisava, sim, de um confronto físico, mesmo que a escola, sabiamente, tinha por norma jamais utilizá-lo.

Sidney Poitier empresta a Mark Thackeray seu charme, seu olhar, seu gesto gentil e denso, e, aos poucos, já não sabemos quem é o Mark e quem é o Sidney. A simbiose, do ponto de vista artisticamente humano, se concretiza. O filme, inglês, fez tanto sucesso nos Estados Unidos, em 1967, que a Colúmbia Pictures promoveu uma pesquisa para saber a razão por que tanta gente ia ao cinema para ver Ao Mestre com Carinho. A resposta foi quase unânime. Por causa de Sidney Poitier. Haveria alguma outra razão pra se ir ao cinema? Provável sim, afinal, o filme é ótimo. Mas temos que admitir. Sidney Poitier é o filme.

Em suma. Assistam a O Mestre com Carinho para verem Sidney Poitier. Mas não só por isso! Aproveitem para entender porque o cinema, para ser pura diversão, tem que oferecer charme e esbanjar inteligência. Mesmo tratando de uma temática tão complexa quanto o delicado corpo social radiografado dentro de uma simples sala de aula. E é aqui, dentro da sala de aula, que o filme edifica a sua grandeza. A escola não precisa substituir a família. Nem deveria. Mas também não pode virar as costas para o que acontece com seus alunos. Há, dentro de seus muros, um caldeirão fervilhante de demandas e carências que precisam ser atendidas. Portanto, a escola tem que se preparar, sim, para recebê-los. Afinal, não é toda sala de aula que terá um Mark Thackeray.

 Clique aqui para conhecer, em Assisto Porque Gosto, meus textos teatrais.

Publicado em Categorias Cinema, Cultura, Literatura, Resenhas

Como produzir tragédias familiares

Por Antônio Roberto Gerin

O premiado SOBRE MENINOS E LOBOS (137’), direção de Clint Eastwood, EUA / Austrália (2003), é um filme que fala das pequenas tragédias familiares que, enfiadas todas num mesmo roteiro, vão gerar as grandes tragédias. Mas, o filme também mostra outra realidade. Quem produz as tragédias somos nós, justamente por sermos muitas vezes incapazes de suportar as nossas dores. Então, o alerta. Não carreguem o que não podem suportar. Busquem ajuda. Porque o próximo passo será fazermos alguma escolha errada, ingrediente básico para darmos um rumo trágico às nossas vidas. Esta é exatamente a história de Dave Boyle. Houve a decisão inicial, errada, do menino Dave entrando naquele carro. Trinta anos depois, novamente o erro do homem Dave aceitando o convite para entrar naquele carro. Este é o gancho dramático que dá a Clint Eastwood a oportunidade de manipular a construção da narrativa do filme. Aliás, podemos ver Clint como um dos maiores trapaceiros do cinema moderno. No bom sentido. Não queremos, mas ele nos pega pelo pescoço. Tudo bem. Seus filmes não escapam à receita de bolo hollywoodiana, e a receita chamada Sobre Meninos e Lobos tem o mesmo sabor amargo de outros filmes do diretor. Clint Eastwood sabe como ninguém manusear as emoções de modo a alcançar seus objetivos estéticos. E estética é prazer. Neste sentido, seus objetivos são diretos, e ousados. Ele faz deste filme uma ode ao prazer de se assistir a um filme terrível. Como se a dor humana fosse a cereja do bolo. E como não poderia deixar de ser, as dores perpassam pelas famílias, o epicentro das tragédias. Não à toa, a família é um tema caríssimo a Clint. E a Hollywood.

Numa mesma noite, quase ao mesmo tempo, dois crimes se entrelaçam e produzem um interminável cardápio de dores. Este é o núcleo narrativo do roteiro de Sobre Meninos e Lobos. Mas a narrativa começa lá trás, mais ou menos trinta anos antes, quando três garotos, Jimmy, Sean e Dave, nos seus onze anos, brincavam na rua em frente às suas casas. No momento em que gravavam seus nomes no cimento fresco, foram abordados por dois pedófilos, disfarçados em policiais. Um dos meninos, Dave Boyle, pressionado, entra no carro e desaparece por quatro dias. O resto, o que aconteceu nestes quatro dias, o espectador, atônito, já deduz. O impacto deste acontecimento irá repercutir para o resto de suas vidas. Muito mais para Dave, evidente, a vítima direta. Só que se observarmos os movimentos da vida com uma lupa mais potente, vamos ver que esses movimentos tendem a se repetir. Com Dave Boyle não foi diferente. Ele entrou na sua tragédia e não mais conseguiu sair dela. Tanto é evidente que, já adulto, de novo ele vai entrar no carro. Por que não percebemos que repetimos os mesmos movimentos que nos destroem? Este é um dos princípios terríveis do abuso. Uma vez que ele entra em você, ele fica. E da maneira como você o recebe, ele te destrói.

Dentro da proposta do enredo, a incômoda temática do abuso vai ocupando todas as entrelinhas da narrativa. No entanto, o fio condutor mesmo da trama é o crime que ocorre logo no início do filme. Um crime fortuito, a princípio, mas que não é fortuito coisa nenhuma, porque ninguém morre por morrer, mesmo na ficção. Katherine, a filha de Jimmy Markum (Sean Penn), um dos meninos abordados pelos pedófilos, é assassinada. As buscas pelo assassino vão retroalimentar a tensão dramática, que ganha contornos fortíssimos quando a suspeita recai sobre Dave Boyle (Tim Robbins). E mais. O desespero do pai pela perda da filha, que clama mais por vingança que por justiça, e as ações detetivescas de um Estado titubeante elevarão a tensão do filme a altas voltagens, obrigando o espectador a dobrar a sua dose de pipoca. Clint Eastwood, de posse de um roteiro inteligente, parte para a construção de uma alegoria sobre a ausência de controle moral por parte de uma sociedade que compactua com a delinqüência como desculpa para não ter que tirar, em hipótese alguma, o capuz da hipocrisia. Neste caso, a ação individual e a ação coletiva ocuparão os mesmos espaços. E é o que nos mostra o final do filme que, como é sabido, desagrada a uma boa parte dos que já assistiram a Sobre Meninos e Lobos. Portanto, cabe uma explicação.

Após o desfecho traumático, o filme termina com as cenas que se passam na rua, onde ocorre um desfile assistido pelas famílias que estão ali para aplaudirem seus filhos encavalados em carros alegóricos. Banda festiva, olhares apreciando a evolução do desfile. Uma atmosfera de harmonia e convivência pacífica cria uma tênue camada de cinismo, que deixa antever claramente que novas tragédias estão sendo gestadas. Este é o final necessário para que o espectador fique, de uma vez por toda, incomodado. E o espectador traduz seu incômodo com o não gostar do final, “que não precisava”, “que podia ter terminado antes”, enfim, uma forma saudável de se lidar com o próprio incômodo. E o incômodo mais aumenta quando vemos, antes das cenas da rua, o emblemático diálogo entre Marianne e Jimmy, na cama, quando ela, ciente do engano trágico do marido, faz-lhe a apologia do herói. Herói? Um delinquente? E aqui nos encaminhamos para uma outra questão a se observar no filme. A força propulsora dos papéis femininos.

Infelizmente, no entrecho do roteiro, os papéis femininos justificam a insanidade. Vale observar que sem a paranóia de Celeste (a premiada Laura Linney), talvez o trágico pudesse ter sido abortado. Com o cinismo egoísta de uma Marianne (a fabulosa Márcia Gay Harden), o trágico fará novas vítimas. Eis o peso do feminino na execução do roteiro.

E antes de finalizar, vamos falar um pouco do brilhantismo deste premiado roteiro. Extremamente bem urdido. Demasiado tecido. Chega a lembrar um tapete persa. Quem for candidato a escrever roteiros de cinema, eis uma aula indispensável. Vemo-nos envolvidos numa trama novelística tal que, mesmo tendo o filme mais de duas horas, não conseguimos sentir o tempo passar. Estica, sem dó, os nervos do espectador. E é simples. Simples porque trabalha em torno de uma pergunta bem novelesca. Quem matou Katie?

E muitos prêmios e muitas indicações! Oscar, Globo de Ouro, Bafta. E com uma trilha sonora que se encaixa direitinho no ritmo ofegante de nossos batimentos cardíacos.

Em suma. As dores que remoemos silenciosamente por traumas ocorridos em algum tempo de nossas vidas acabam por tomar conta da nossa identidade. Se não as expulsarmos, ou pelo menos se não as acalentarmos, é o que irá acontecer. E o que o filme nos mostra, através da maldade criativa de um Clint Eastwood diretor, é que as dores geram uma tragédia injusta. No jogo entre a verdade e a mentira, vence a mentira! E quando a mentira for desmascarada, já será tarde. Aqui está o punhal que o filme enfia em nosso peito. Pior que uma tragédia, é uma tragédia da qual a vítima não precisava estar participando. Mas, ao participar, terá vivido inutilmente. Desfigurado pelas suas dores.

Clique aqui para conhecer, em Assisto Porque Gosto, meus textos teatrais.