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Por Alex Ribeiro

As Rãs é uma comédia do dramaturgo grego Aristófanes, escrita por volta de 405 a.C. Com uma criação produtiva, ele chegou ao número de 40 peças, porém, destas, só 11 resistiram ao tempo, chegando até os dias de hoje com reedições por todo o mundo. Pouco se sabe sobre a vida do autor, mas no período em que viveu houve grandes acontecimentos em Atenas, sua cidade-estado, e sua obra não poderia passar imune a esses acontecimentos. Com a recente morte do tragedista Eurípedes, Aristófanes, através de As Rãs, nos ajuda a situarmos a dramaturgia e a história daquele tempo, colocando tanto Eurípedes quanto Ésquilo, também falecido, no motor dramático da peça.

O deus Dioniso e seu escravo Xantias são os personagens principais de As Rãs. Os dois resolvem descer até o tártaro de Hades para trazer de volta à vida um dentre dois dos grandes tragedistas gregos que já haviam morrido, Ésquilo e Eurípedes. Nessa trajetória, as duas personagens, Dioniso e Xantias, cometem trapalhadas e revelam o ridículo, muitas vezes cotidiano, que se assemelham aos apresentados em inúmeras comédias a que assistimos hoje no cinema e no teatro. Os dois vão-nos mostrando que, desde o início do teatro ocidental, a empatia com os deslizes que cometemos em segredo é instrumento de riso usado pelos comediantes. Além disso, Dioniso e Xantias tecem inúmeras críticas aos dois tragedistas que foram resgatar, sem poupar, também, os costumes da época, as tradições religiosas e o próprio público. É uma crítica bem humorada de tudo o que acontecia naqueles anos, em Atenas.

Há, porém, algo muito significativo nas comédias gregas, sobretudo deste período em que As Rãs foi escrita. O que hoje chamamos de politicamente correto, e que muitas vezes irrita certos comediantes do nosso Brasil atual, naquele tempo não existia. Por quê? Não seria preciso. O público alvo das comédias, os personagens satirizados eram figuras notórias, como políticos poderosos, filósofos, os próprios deuses e até mesmo os grandes dramaturgos. Não se utilizava das fragilidades humanas para tirar o riso. As minorias, que naquele tempo eram quase todas as pessoas, com exceção dos homens ricos, não eram alvo de chacota.

Fazer comédia hoje, à luz da sua origem grega, desperta o questionamento sobre qual tipo de humor se pretende criar. Um humor corajoso, que não tem medo de criticar aqueles que exercem poder ou ocupam lugar de destaque, ou um humor mais cômodo (leia-se covarde), que é aquele que faz chacota com quem tem a voz sufocada pelas misérias e mazelas sociais a que estão submetidas? Portanto, caro leitor, poderíamos mudar Politicamente Correto para Originalmente Correto? Parece-nos mais agradável. E didático.

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Por Alex Ribeiro

A menina amava
Amava o rapazinho da rua de cima
E pintava o seu nome em segredo
Nas paredes e folhas de diário
Um coração com as iniciais dos seus nomes
Era desenhado no espelho embaçado do banheiro
Mantinha o sentimento em segredo
E toda vizinhança via seu rosto vermelho
Quando o rapazinho passava na sua bicicleta rubra.
A menina amava
E sonhava acordada olhando o longe
Suspirando seu primeiro amor.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Medeia é uma tragédia grega escrita por Eurípedes por volta do ano 431 a.C. Foi apresentada no último festival de tragédias realizado numa Dionisíaca, festa em homenagem ao deus Dionísio. Neste festival, três dramaturgos competiam em um concurso, cada um deles com quatro peças. As outras peças de Eurípedes, que acompanharam Medeia, foram destruídas com o passar do tempo, e não há registro escrito das mesmas. Nessa Dionisíaca, Eurípedes ficou em último lugar, atrás de Eufórion, filho de Ésquilo, que foi o campeão, seguido de Sófocles. Apesar desse aparente fracasso, Medeia se tornaria uma das personagens mais impressionantes do teatro de todos os tempos, e a peça viria a ser a tragédia grega mais montada no século XX.

Medeia, após ser abandonada pelo marido Jasão, descobre que ele se envolveu com a filha do rei e que os dois irão se casar. O novo casamento de Jasão desperta em Medeia um ciúme incontrolável, provocando nela uma tempestade de emoções, elevando suas dores ao insuportável. Por se ver ali, naquela cidade, como uma estrangeira, Medeia fica totalmente desamparada. Suas falas exalam paixão, e suas atitudes, amor e ódio. A dor de Medeia parece transpassar a alma e a única saída possível parece ser a morte.

Vendo-se abandonada, quer se vingar de Jasão a qualquer custo e não mede esforços para isso. E se a rejeição é uma dor insuportável, talvez houvesse para Jasão um sentimento parecido. Medeia desenha a tragédia e a executa. Jasão irá perder todas as pessoas que ama. Ficará, também ele, órfão do amor que dedicara aos seus. Tornar-se-á um estrangeiro de si mesmo. É então, para levar Jasão ao sofrimento completo, que Medeia sacrifica os próprios filhos e assassina a filha do rei, sua rival. Agora os dois estão novamente em pé de igualdade. Ninguém consegue mensurar as dores dos dois, e essas dores percorrerão o mundo por muitos séculos, mostrando ao espectador que certas condições humanas podem nos levar a consequências irremediáveis.

O ciúme já levou muitos dos grandes personagens do teatro a perderem completamente a razão. Ele está nos risos e trapalhadas das comédias de Molière, nos conflitos profundamente humanos de Shakespeare, na poesia dramática de Lorca e, claro, na tragédia humana de Eurípedes. Certo é que quando se trata de ciúmes, o gosto amargo do sangue quase nos chega à boca. Afinal, amar de forma desprendida é uma lição difícil para quem quer que seja. E ser preterido, caro leitor, é dor que palavra nenhuma traduz, a não ser que esta palavra nos faça viver a dor do outro. E isto o teatro faz muito bem. Ele nos faz rir ou chorar num deleite que pode nos parecer absurdo, mas que, na verdade, é o caminho que o próprio teatro nos oferece para nos reconhecermos na dor do outro. Ou na nossa.

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