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Por Alex Ribeiro

A Serpente é uma peça de Nelson Rodrigues, sua última autoria teatral. Foi escrita em 1978, dois anos antes do seu falecimento. É a mais curta peça do autor e com o menor número de personagens, apenas cinco. Das muitas histórias que se ouvem sobre Nelson, uma delas é que o autor escreveu a peça quando estava internado por problemas de saúde e não a revisou, temendo não ter tempo de terminá-la. A Serpente trata da história de duas irmãs, Lígia e Guida, que se casaram no mesmo dia, na mesma igreja e vivem no mesmo apartamento com seus respectivos maridos, separadas apenas pelas paredes dos quartos.

Lígia é abandonada pelo marido logo no início da peça. O casamento não funciona. O marido, Décio, não havia procurado a mulher para que pudessem ter sua primeira relação sexual. Ela estava ainda virgem e não se conformava com isso. Com a partida do marido, que não conseguia lidar com sua própria impotência, Lígia entra em desespero e ameaça tirar a própria vida.

Chega a irmã, Guida, que está disposta a fazer qualquer coisa para ajudar a sua querida irmã. Lígia dirige todo seu ódio à Guida, dizendo que ela era a mulher mais feliz do mundo, pois seu marido a satisfazia. A inveja exala! Guida, no extremo de seu desespero, oferece o seu marido para que Lígia perca a virgindade com ele. A tragédia se desenha!

Paulo, marido de Guida, aceita a proposta da esposa com entusiasmo e passa a ter relações com as duas irmãs. Com a cunhada tudo é às escondidas, mas essa situação vai ficando cada vez mais insustentável. Parece que o sexo e a morte vão ficando cada vez mais próximos, mais íntimos! Ah, se Freud lesse Nelson!

Há algo nessa peça que toma o espectador desde o inicio: a violência dos instintos, do desejo. Nelson ainda eleva ao extremo a tensão quando traz o conflito pra dentro do seio familiar, duas irmãs que fariam tudo uma pela outra, se veem agora desejando a morte uma da outra por causa do mesmo homem. Ficamos atordoados com a construção dramática que a peça nos traz. Tomar partido? Dizer que alguém é bom ou ruim? Impossível! Nelson fez o favor de nos trazer personagens e situações tão complexas que, de tão absurdas, são completamente reais. É o teatro mostrando o lado animalesco do humano. Nada é divino, tudo é visceral. Por isso, em Nelson, o jogo não tem regras!

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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Por Alex Ribeiro

A Sapateira Prodigiosa é uma peça de Lorca que estreou em Madri, em 1930, mas teve sua consagração em Buenos Aires, com a interpretação de Lola Membrives. A peça conta a história da jovem sapateira casada com o Sapateiro, um homem bem mais velho do que ela.

A Sapateira, mulher espirituosa e desprendida dos valores e moral conservadores da sua pequena aldeia, se vê difamada e atacada pelos habitantes daquela aldeia. Os homens se apaixonavam por ela, mesmo que ela não demonstrasse por eles o mínimo interesse. Isso fazia com que as pessoas ao redor vissem aquilo com maus olhos e, consequentemente, difamassem a moça e, para completar a maldade, incentivassem o Sapateiro a se separar dela.

O Sapateiro não sabia lidar com a personalidade única daquela mulher tão intensa, não entendia que, naquele jeito todo independente e desaforado dela, a sapateira mantinha um amor e respeito tão grande por ele. Somado às más línguas da aldeia, isso fez com que o Sapateiro abandonasse o lar, sem nada dizer. A sapateira não amoleceu e conseguiu dar jeito na sua vida. Mesmo sozinha, ela manteve firme sua fidelidade ao amor do Sapateiro.

Ler essas poucas linhas que contam de forma muito sintética a história da Sapateira nos faz imaginar que se trata de uma tragédia. Mas aí é que Lorca assina a obra. Tudo é contado com um belo e poético humor que faz com que o espectador se delicie em boas risadas.

Mais uma vez temos o humor levando no riso uma realidade forte. Aquela moça, bonita e desprendida, causava um imenso incômodo nos aldeões, exatamente por sua liberdade de ser e por ter tamanha consciência de quem era. Talvez, por ser tão dona de si, não precisasse recorrer aos costumes da Aldeia. Eis o grande incômodo! Como pode uma mocinha tão jovem quebrar aquilo que está estabelecido nos bons costumes e nas tradições? A ela nada disso interessava.

A Sapateira é apaixonada pela vida, apesar das imensas dificuldades pelas quais ela foi obrigada a passar. Ela não tem medo de viver, de ser livre. É ai que mora todo o seu prodígio. Sabemos que é um desafio abraçar a liberdade, sair dos nossos costumes e estar aberto ao novo, mas a vida só nos dará prodígios se tivermos coragem. Coragem de amar a vida, de amar a liberdade.

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Por Alex Ribeiro

Quando cresci vi o mundo
Através de uma fresta de luz
Do escuro via possíveis cores
Talvez um arco-íris.
Às vezes por piedade divina
Ou coincidência dos astros, talvez
Um raio de sol me despertava o sorriso.

Uns anos mais tarde saí do escuro.
Diziam: busque seu lugar ao sol
E num rompante resolvi abrir
As janelas e portas da vida.
Tudo era imenso e eu
Um jovem que não batera ainda as asas
Me senti pequeno e indefeso.

Tal mundo não espera por nós
Continua girando no passo apressado
Das pessoas que seguem, mesmo perdidas
E eu também segui.

Descobri que o sol ilumina,
Mas o céu é para poucos
E minhas palavras se tornaram mudas
Para tantos ouvidos surdos
Que passaram por ocasião do destino
Ou coincidência divina.

Parecia que havia uma força superior
Abençoando primeiro o alto escalão
Enquanto nós, aqui em baixo,
Esperávamos gotas de misericórdia.

Haveria de surgir algum salvador
Alguém que colocasse tudo em ordem
Aquele que entenderia todos os medos
Angústias e injustiças
Que nos arrepiam só de ouvir.
Um herói vindo das histórias infantis
Ou de uma coincidência retórica.

Mas um dia sentado sobre um livro
Bandeira deu a dica absurda
O homem é um bicho abandonado
Que devora as sobras de esperanças
Vendidas nas telas de cinema ou smartphones.
Tudo fez sentido
A esperança é um sentimento que sangra
Ou uma coincidência poética.