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Por Alex Ribeiro

O Noviço é uma peça de Martins Pena, datada de 1845. É considerada por muitos a sua melhor comédia. O Noviço conta a história de Carlos, jovem que, com a chegada de Ambrósio, é obrigado a se tornar noviço.  Ambrósio é o segundo marido de Florência, tia de Carlos. E é Ambrósio, um charlatão que intenciona roubar o dinheiro de Florência, que a convence a mandar o sobrinho para ser noviço.

Apesar de ser uma época em que o Romantismo estava em alta no Brasil, O Noviço não se encaixa nesse estilo. É como se, ao escrever e dar vida ao personagem Carlos, Martins Pena tivesse criado um ser livre que não se deixaria obrigar a ser o que não quisesse. É esse jeito autêntico de Carlos que transforma a peça num clássico nacional.

Carlos não admite que se obriguem as pessoas a seguirem profissões em que naturalmente não se encaixam. Expondo tais opiniões, ainda no primeiro ato, o que ele está fazendo é a própria defesa, pois não tem a menor inclinação para o hábito. Em Carlos, a liberdade pulsa num compasso forte, que dá ritmo a sua vida.

O interessante é que, de certa forma, ainda hoje, temos milhares de pessoas enveredando por caminhos que lhes são totalmente estranhos. A vontade da família continua sendo peso fundamental na escolha de vida de jovens que muitas vezes herdam os sonhos dos pais, uma herança que lhes custa caro. De certa forma, o jeito que Carlos vê a vida faz com que a peça ainda hoje seja atual, ou talvez o próprio Carlos estivesse à frente do seu tempo.

O peso da expectativa familiar não recai sobre Carlos. Nosso herói sabe muito bem quem ele é, desde muito cedo. De longe pode parecer rebeldia, mas quando nos aproximamos da alma das grandes personagens, elas nos revelam os segredos que costumamos negligenciar. Carlos é a expressão viva da consciência de ser quem se é. E esta consciência, para Carlos, é a razão mesma da sua liberdade. A liberdade tem seu preço? Com certeza. Mas é um preço justo, desde que a escolha tenha valido a pena.

Parece-nos que, com estas palavras, estamos descrevendo um drama profundo, com reflexões filosóficas existenciais. A verdade é que tudo isso se encontra de maneira sutil, numa leve e divertida comédia daquele que é considerado o Molière brasileiro. Carlos pode muito bem saber o que quer da vida, porém, essa consciência não o deixa fora de situações que nos causam o riso. Esta é a forma de a comédia mexer conosco. Bater fazendo cócegas.

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Por Alex Ribeiro

Romeu e Julieta é uma aclamada peça de William Shakespeare, escrita por volta de 1594. Sendo encenada por todo o mundo, ao longo de quatro séculos, a peça transformou seus dois protagonistas no casal mais famoso da literatura ocidental. Referenciados pelo amor e pela paixão que dedicam um ao outro, Romeu e Julieta são citados em poesias, músicas e no cinema, deixando de ser apenas um casal do universo teatral de Shakespeare, para se tornarem um símbolo pop. As cenas em que os dois revelam seu amor, na janela de Julieta, se tornaram o clichê do casal enamorado. Várias são as obras que revelam, sob a luz do luar, um casal tão apaixonado, onde ela, na sacada de sua janela, ouve as doces e poéticas palavras do seu amor. Até mesmo na bela peça de Edmond Rostand, Cyrano de Bergerac, temos uma citação da cena shakespeariana, porém, vale lembrar, com um requinte de dor do fantástico Cyrano descrevendo seu amor platônico por Roxana. Mas a peça é muito mais que um casal apaixonado querendo viver o seu romance. Acontecida em Verona, a peça Romeu e Julieta traz na sua carpintaria dramática um moinho de tensões, alimentadas por uma rixa entre duas poderosas famílias do lugar, os Montecchio e os Capuleto. Esse conflito entre as duas famílias é o motor trágico da peça. Se por um lado temos a tensão violenta causada pelas brigas e assassinatos entre as duas facções, por outro, temos a tensão da paixão proibida, que se desespera por consumir-se. O cenário está desenhado. Na espera ansiosa pela tragédia.

Julieta tem aproximadamente quatorze anos quando conhece Romeu, numa festa que seu pai oferece em sua casa. Ele, mascarado para não ser reconhecido na casa da família rival, está à procura de Rosalinda, por quem está apaixonado. E na procura da sua dama, ele encontra a outra, e se vê por ela perdidamente apaixonado. Mais uma paixão à vista. Julieta também se apaixona pelo intruso, e a ânsia de ficarem juntos faz com que o casal queira se consumir nesta paixão. Porém, Teobaldo, primo de Julieta, reconhece Romeu e não se contenta em vê-lo impune, em sua casa. Irá, em breve, buscar vingança.

No dia seguinte, com a ajuda do Frei Lourenço e da Ama, Julieta e Romeu se casam em segredo e planejam viver juntos, mesmo que suas famílias sejam inimigas. Mas, naquele mesmo dia, numa rua de Verona, Teobaldo está à procura de Romeu para se vingar. E querendo evitar a briga, nosso protagonista insiste que partam e esqueçam a contenda. Teobaldo, ainda tomado de ira, fere de morte Mercúcio, amigo de Romeu. Tendo o amigo morto por sua causa, nosso apaixonado herói deita espada sobre o primo de sua noiva. Duas mortes. O sangue nas ruas de Verona faz com que o Príncipe dê um veredito que deixará o casal imerso em sofrimento profundo. Romeu é desterrado.

Julieta, que soubera há pouco tempo que terá de se casar com Páris, um importante duque, vê seu sofrimento aumentado ao saber da morte de seu primo Teobaldo, e ainda mais, por saber que seu amado fora desterrado justamente por cometer esse crime. A dor parece insuportável. Ela vai até o Frei e pede auxílio. O religioso resolve ajudar o jovem casal, e cria um plano. O plano que porá tudo a perder. Julieta há de beber uma poção que a deixará como morta e, após ser velada, passados dois dias, poderá sair do mausoléu e fugir para os braços do seu Romeu. Enquanto isso, ele envia uma carta para Romeu relatando os detalhes do seu plano. A carta não chega, e a tragédia se dá. Nosso casal morre de amores.

Talvez Shakespeare quisesse mostrar o poder avassalador das paixões, e mais, que o amor não vai pedir endereço para se manifestar. O certo é que o amor de Romeu e Julieta tem algo de muito humano. Paixões avassaladoras não são raridade, mesmo que se passem muitos séculos, haverá sempre uma identificação com o amor dos dois jovens. Talvez por isso nosso casal seja tão famoso. A maioria dos personagens de Shakespeare nos dão essa possibilidade de identificação. Servem-nos de espelho para que possamos enxergar nosso mais profundo humano, nossas paixões, nossos equívocos, e até mesmo nossa maldade. A obra de Shakespeare é atemporal por trazer justamente essa profundeza humana. É um convite para adentrarmos em nossos labirintos e nos reconhecermos. E um desafio para os muitos intérpretes que têm como missão levar a trama e os personagens aos espectadores. Romeu e Julieta, portanto, são a síntese de nós mesmos.

Mas poderíamos nos servir de outra reflexão, aquela que leva à tragédia. Vale lembrar o que aconteceu com as duas facções, que se batem, que se destroem e que acabam por perder seus bens mais valiosos, os filhos. Já há alguns anos temos visto que o Brasil vai se acirrando numa divisão quase que nos moldes Capuletos e Montecchios. Porém, assim como em Shakespeare, esta cisão tem causado enormes danos. Há aqueles que usam desse acirramento para chegarem ao poder e nele se manterem. Eles estão com as garras e os dentes de fora, alimentando-se desta rixa que nos divide já há algum tempo. Será que vai ser preciso uma tragédia para que possamos ter uma trégua?

A verdade é que a tragédia já está aí, sendo servida a conta gotas.

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Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Tantos porquês a vida traz
Que nos sentimos desorientados
Não entendo como a vida funciona
Entendo apenas de sonhos

Sonhar é ter no horizonte a chegada.

Há sonhos que nos pedem
Que exigem de nós uma exclusividade
Para mim o sonho tem vida própria
O sonho exige ser sonhado.
Mas existe em nós uma teimosia
Que resiste
Persiste
Em deixar o sonho de lado, é adiado
Encerrando nossa paz.

Seria medo o que nos impede?
Em suas imensas grades douradas?
Que nos promete uma vida segura
Uma vida sem viver nada
Uma vida toda errada.

E com medo vamos correndo o risco
De amarelar o sonho sonhado
De viver o sonho comprado
E dormir, toda noite, abraçado
No travesseiro da culpa.