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Por Alex Ribeiro

A Mulher sem Pecado é a primeira peça de teatro escrita por Nelson Rodrigues, em 1941. Essa peça está inserida nas chamadas peças psicológicas do autor, juntamente com uma das suas obras primas, Vestido de Noiva, dentre outras. A Mulher sem Pecado conta a história do enciumado Olegário, que vive obcecado por descobrir se sua linda mulher Lídia é infiel.

No desenrolar da peça, diversos personagens vêm trazer para Olegário informações sobre Lídia. Fingindo estar preso a uma cadeira de rodas, ele vive atormentado por pensamentos que alimentam seu ciúme, e os delírios, que permeiam o texto, é a prova de como o ciúme tomou conta da sua vida. Os empregados, Inézia, a criada, e Umberto, o motorista, são obrigados, por Olegário, a relatar todos os passos da esposa.

O interessante é que Lídia, a princípio fiel, passa a desenvolver o desejo da infidelidade, motivada pela excessiva insistência com que o marido traz o assunto da traição à pauta. Desconfiado de qualquer coisa que a esposa faça, ele especula sobre possíveis más condutas que ela possa ter cometido, seja no presente, seja no passado. Por fim, estando saturada por tanta pressão do marido, Lídia foge com o motorista.

A forma com que Nelson Rodrigues trabalha o ciúme doentio do personagem Olegário é minuciosa. Consegue incitar no público a sensação de que o personagem vive em eterno tormento, como se o sofrimento só terminasse se ele chegasse à certeza de que Lídia realmente o trai. Mas tendo ela uma conduta correta, a angústia faz com que Olegário busque, a qualquer custo, algum indício de que a esposa tenha dado o passo da traição.

Olegário ouve vozes, vê pessoas imaginárias e o menor sinal de qualquer alteração no cotidiano da casa faz com que seus alertas desencadeiem uma ansiedade insuportável. A sensação é a de que a qualquer momento ele vai explodir em surto, tamanho o desespero que o invade. É como se a dúvida corroesse Olegário por dentro. Às vezes, a certeza de um infortúnio é mais leve do que carregar o peso da dúvida.

Talvez pudéssemos levantar aqui a questão do sentimento de posse ou do machismo, características também marcantes em Olegário, mas o que mais chama a atenção é todo o sofrimento psicológico a que o personagem se submete por causa disso. Seria a dúvida o maior fantasma que ronda o ciúme? Eis aí uma pista rodriguiana sobre um dos maiores detonadores de tragédias de que temos conhecimento. O ciúme.

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Por Alex Ribeiro

O Arquiteto e o Imperador da Assíria é uma peça do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, que foi encenada no Brasil, pela primeira vez, em 1970. Conta a história da convivência de dois homens bem diferentes. O arquiteto, único habitante de uma ilha deserta, e o imperador, o único sobrevivente de um desastre aéreo, que acaba parando na ilha em que o primeiro vive.

As relações ambíguas de poder que se passam entre os dois personagens da peça é uma característica muito presente nos textos de Arrabal. Ao tempo em que um personagem assume a postura de opressor, logo na sequência pode estar subordinado à opressão do outro. Essa é uma das características que compõe o que é chamado de Teatro Pânico, teatro este sobre o qual Arrabal exerce forte influência.

Tentar explicar a peça ou refletir sobre ela pode ser um caminho perigoso, pois se trata de uma peça que, devido a sua intensidade sensitiva, tem o grande poder de deixar o espectador anestesiado. Mas, mesmo assim, vamos arriscar traduzir essas sensações e intuições que o texto provoca.

No texto, aparenta estar presente, na forma de metáfora, a própria evolução civilizatória do homem e suas contradições. Vemos no Arquiteto características do homem primitivo, que está em íntima ligação com a natureza, que ainda não se organizou em sociedade e não sistematizou códigos de conhecimento e de conduta. Sua vida é guiada pelo conhecimento intuitivo e pelo instinto.

O Imperador seria a metáfora do homem civilizado que estabeleceu leis e valores sobre as coisas e que foi se afastando do instintivo em direção ao que é racionalizado. Nele estão presentes os vícios que a vida civilizada trouxe, assim como sua forma de se relacionar com o outro e com a natureza.

Acontece que características tão antagônicas não geram conflitos na peça. Pelo contrário, elas coexistem, e de certa maneira se complementam, levando ao extremo a condição de ambiguidade nos personagens, que muitas vezes chega a ser doentia. É o humano, naqueles personagens, revelando suas contradições.

O extremo em que se mostram as situações dos dois personagens, tais como seus jogos de interpretação e seus fantasmas internos, é o que pode levar o texto a se encaixar no Teatro Pânico. Tentar entender de forma racional esse texto exige muito esforço, e com certeza um esforço em vão. É uma peça para se sentir e depois voltar para casa e tentar entender o que todas aquelas sensações querem dizer. Talvez seja isso que cause pânico. Descobrir em nós a possibilidade do absurdo humano. E mais. Um absurdo codificado.

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Por Alex Ribeiro

No fim o que restou?

Sentou desolado na sarjeta
Seu espírito parecia dilacerado
Algo que se havia furtado
Que deixara um vazio sem nome

Nunca em toda sua vida pensara
No que lhe ocorrera naquela noite
Esperava de todos uma pedra
Mas o que houve o deixou perturbado

É fácil pensar que seu inimigo
Munido de injúrias e com a bile atacada
Soltasse contra ele dardos
Envenenados de inveja e asco

Aguardava que a amante,
Mulher a qual abandonara na cama,
O difamasse das botinas ao chapéu,
Com a boca salivando ciúmes

Mas seu amigo?
Ele que acompanhara suas dores
Que perambulara pelos bares consigo
Encharcando sua alma?

Esperava que sua mãe lhe lavasse a cara
Que seu irmão o surrasse na rua
Que sua mulher lhe enfeitasse os cornos
Mas nunca, nem em sonho mal sonhado,
A traição de um amigo.

E no íntimo de sua desolação
Na mais profunda indignidade
Só lhe sobrou, desamparado,
O abraço do cachorro.