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Por Alex Ribeiro

A Mãe é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1931. É uma adaptação do romance de mesmo nome, escrito por Máximo Górki. Está ambientada numa Rússia, nas primeiras décadas do século XX, que está prestes a ver emergir a revolução socialista que colocaria fim ao império czarista de Nicolau II. Num recorte de tempo, de 1905 a 1917, ano em que o czar foi deposto, Brecht nos apresenta Pelagea Wlassowa, mãe do operário revolucionário Pawel Wlassowa. Esta senhora, cansada da vida dura que sempre teve, se vê apreensiva com as atitudes do filho, organizando assembleias e convocando greves. Mas, no decorrer da peça, Pelagea Wlassowa vai descobrindo quais as motivações daqueles jovens operários, e então o seu senso de justiça passa a falar mais alto. Ela não pode mais ficar omissa. É preciso mobilizar toda a gente, é preciso falar e fazer política. Eis que surge, então, a Mãe. A mãe do filho e, em seguida, a mãe de toda a classe operária.

A situação dos operários era crítica. A cada mês não se sabia o que poderia acontecer com seus salários. Poderia manter-se naqueles valores ou os donos das fábricas diminuiriam ainda mais o ordenado. Cada copeque a menos que os operários traziam no bolso deixava suas situações ainda mais indignas. Assim, na primeira cena de Pelagea Wlassowa, ela está envergonhada da sopa que faz ao filho. Não há dinheiro suficiente para fazer uma sopa consistente, em que pese que ele precise de força para continuar a trabalhar.

Convencida, pelos operários, que a única saída para melhorar a situação da sua família e de todos os operários russos é a mobilização da classe, através das greves e do fortalecimento do partido bolchevique, nossa heroína começa a crescer. Pelagea vai ao campo, vai às ruas, aprende a ler e a escrever, e mobiliza tudo a sua volta em busca de fortalecer o coro que pede por justiça. Ela se torna a mais engajada das revolucionárias.

A dor bate fundo quando Pelagea recebe a notícia de que o filho, até então tentando escapar da prisão política, é fuzilado pelas tropas do czar. Pelagea sofre profundamente o impacto desse golpe. Apesar de ainda não achar que foi erro ter mergulhado no olho do furacão dessa revolução, ela se recolhe no luto, abatida com a maior perda que uma mãe pode ter. Parece o fim dos dias de agitação política da senhora Wlassowa.

Mesmo sem forças para voltar ao movimento, estando ela também já com a idade avançada em 1917, Pelagea Wlassowa, a Mãe, marcha ao lado dos operários. Sangrando, após ser atingida pela polícia, por não querer abandonar a marcha e seus companheiros, ela segue firme, recitando versos de esperança que finalizam a peça, convidando o público a se mobilizar.

“Pois os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
E o nunca tornar-se-á: hoje mesmo.”

Brecht, no final da década de 20, tornara-se marxista, e é nítida a presença dessa ideologia no texto A Mãe, escrito no início da década de 30. Ele mostra de forma bastante clara como uma personagem, mesmo não sendo mais jovem, pode se conscientizar e se mobilizar em busca dos direitos dos seus iguais. Talvez fosse essa a grande lição de Brecht para a sua Alemanha, que estava prestes a se perder no Nazismo. Talvez seja essa uma lição de Brecht para o Brasil, que a cada dia nos dá o sinal de que as coisas vão de mal a pior. Quem será a nossa Pelagea, meu querido Brecht? Que mãe vai guiar nossos passos? Que seja, talvez, a mãe Consciência Crítica. Pois, nestes duros momentos, apelar para o bom senso é o que nos resta.

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Por Alex Ribeiro

Chegaste atrasado
Há mais de uma hora
Partiu a condução
Ficaste para trás
No trajeto de tua vida

Escolheste o caminho errado
Deu as costas onde devias abraçar
Beijou a boca que escarrava
Despejou lágrimas amargas
Por quem te olhava com desprezo

Agora não há mais volta
O que está feito está
A autonegligência cobra caro
Precisas de um novo caminho

Não te desespere, porém,
Há ainda o que fazer
Olhe no espelho com honestidade
Encare a tua verdade

Ame, se tiveres de amar
Perdoe, se acalma teu coração
Mas, sobretudo,
Não percas a chance de partir
Se tuas asas cansadas quiserem bater

Não há mais tempo para atrasos.

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Por Alex Ribeiro

Vestido de Noiva é considerado por muitos a obra prima de Nelson Rodrigues. Escrita em 1941, a peça teve sua estreia dois anos depois, com Os Comediantes, sob a direção de Ziembinski, e foi um sucesso estrondoso. Havia muita expectativa, sobretudo por parte de Nelson Rodrigues, em relação a essa estreia. Depois de receber a opinião de vários amigos a respeito da peça escrita, ficou claro para Nelson que ele só teria certeza que a peça era realmente boa se ela fosse para o palco. O resultado foi que Vestido de Noiva se transformou num marco da dramaturgia nacional e, já na sua segunda peça, Nelson Rodrigues se consolidava como um grande dramaturgo.

Em Vestido de Noiva, temos as últimas horas de vida de Alaíde, uma mulher de classe média do Rio de Janeiro, que acabara de sofrer um acidente. Nelson Rodrigues divide a peça em três planos. O da realidade, onde os médicos estão tentando salvar a vida de Alaíde, o plano da alucinação, onde ela transita na sua história, misturando personagens antigos da história do Rio assim como os personagens de sua própria vida, e, por último, o plano da memória, que aos poucos vai revelando tudo o que aconteceu com Alaíde, sobretudo relacionado ao seu casamento.

O conflito entre Alaíde e Lúcia, sua irmã, se revela na noite em que Alaíde vai se casar. Já vestida de noiva e quase pronta para subir ao altar, discute com a irmã. Lúcia reclama que Alaíde teria roubado o seu namorado, mas, apesar disso, Pedro, o noivo, mantinha um caso em segredo. Era amante de Lúcia.

Quando está no plano da alucinação, Alaíde tenta entender o que aconteceu consigo mesma. Vale-se da ajuda de Madame Clessi, uma prostituta que fora assassinada alguns anos antes, cujo diário, encontrado por Alaíde, ainda criança, deixou-a impressionada e, ao que parece, representa a liberdade de seus desejos reprimidos. Aos poucos, ela vai se recordando do que realmente aconteceu e como tem sido infeliz a sua vida.

O que Nelson Rodrigues faz é revelar quem é a verdadeira Alaíde por detrás da boa moça de classe média do Rio. Ele mostra quais histórias alimentam Alaíde nas camadas mais profundas de sua personalidade. A mulher infeliz e não realizada que, na ilusão de encontrar a felicidade na união com o homem amado, encontra um poço de tristezas e conflitos. Talvez quisesse ser como Clessi e amar um rapazinho, ser conhecida em toda cidade e, acima de tudo, ser livre e dona da própria vida. Em seus últimos minutos de vida, o filme que passa em sua cabeça é uma revelação da necessidade de ser feliz, necessidade esta que lhe escapa pelos dedos. Alaíde amarga a tristeza de suas escolhas e se torna livre somente depois da chegada da morte. Nelson Rodrigues não perdoa. Essa é a crueza da vida. Não haver mais tempo para refazermos nossas escolhas.

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