Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Quantas vezes estive eu
No silêncio absoluto da tristeza
Caído em total esquecimento
Por um momento
Um animal abandonado no ermo

Esse silêncio que se fundia
A uma escuridão tosca e vil
Causava-me arrepios na alma
Dores, mágoas, dissabores
Lembranças

Quisera eu voltar aos meus anos áureos
Donde eu cantava minhas glórias
Mas esses dias jamais vieram, talvez
Escaparam-se de mim

A vida me pregara várias peças
E a cada peripécia
Um riso amargo, doce nascia

Embotando o meu choro
A preciosa gota salgada
Rebentava-me por dentro
De vontade de cair

Assim passei esses últimos anos
Num quarto escuro da existência
E quando um sonho ruim aparecia
Sem resistência eu cedia

Haveria, pois, nas páginas da minha vida,
Farol de porto, um luzeiro
Que me tirasse desse lugar?

Eis que sim, haveria de ter no longe
Uma vela que por mim Luzia
Que ansiava por ascender-me
Nos versos da poesia.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

O Juiz de Paz na Roça é uma peça de Martins Pena, escrita em 1838, considerada a primeira comédia de costumes do Brasil. Foi encenada, pela primeira vez, também em 1838, pela companhia teatral de João Caetano, no teatro São Pedro, Rio de Janeiro. Essa encenação reunia o que havia de melhor no teatro brasileiro daquela época. Por um lado, o grande dramaturgo Martins Pena, e por outro, o grande ator e encenador João Caetano e sua companhia. O primeiro é considerado, por muitos, o Molière brasileiro, e o segundo, o ator mais importante do Brasil no século XIX, sendo, portanto, o ator brasileiro mais biografado até hoje. Essa combinação era essencial para que a comédia O Juiz de Paz na Roça alcançasse a profundidade que Martins Pena havia construído na dramaturgia da peça. Não se tratava de um texto raso e engraçadinho, pois trazia nas suas personagens uma forte crítica social, característica esta que se tornaria recorrente nas obras de Martins Pena. Era o começo do teatro brasileiro que se desenhava naqueles anos.

À primeira vista, ao olhar para o texto e suas personagens, o leitor pode considerar a peça ingênua, mas chamamos atenção para o que está dito nas entrelinhas. O jeito simples daquelas personagens rurais e também dos conflitos trazidos ao Juiz têm uma função dramática importante. Eles vão revelando, aos poucos, as fissuras dos costumes brasileiros do século XIX e, por que não, também dos dias de hoje. Afinal, em que século estamos, meu Brasil?

A família de Manuel João, constituída por sua esposa Maria Rosa e sua filha Aninha, é o núcleo de movimento da peça. Aninha está apaixonada por José, um moço que fora recrutado pelo Juiz para servir na Guerra dos Farrapos. Ela trama se casar com ele, às escondidas, porém, o Juiz manda que Manuel João leve José preso, para que este não fuja às suas obrigações com o império. Como está anoitecendo, Manuel João leva José para sua casa e o prende na despensa, até o dia seguinte. Nesse intervalo, Aninha ajuda José a fugir e os dois se casam. Com o casamento acontecido, resta a Manuel João ir pedir ao Juiz que libere o moço José, já que agora estava casado.

Enquanto isso, os roceiros apresentam as mais engraçadas situações conflituosas para o Juiz resolver. Desde um caso de umbigadas entre dois roceiros que não se bicam, até mesmo a disputa de um leitão fujão. A cada caso resolvido, o Juiz de Paz ganha um mimo daquela gente simples que recorre a ele. E não precisamos imaginar muito para concluir que o leitão acaba ficando com o Juiz. De presente.

Casamentos arranjados, picuinhas entre vizinhos e disputas inacreditáveis vão revelando a personagem do Juiz que, diante de roceiros tão simples e ingênuos, se mostra ignorante às leis que regem o seu ofício e age sem o menor pudor, transitando calmamente entre a corrupção e o abuso de autoridade. Seria demais imaginar que no Brasil existiam juízes assim? Meu caro Martins Pena, leitões continuam sendo presenteados por aí, corredores afora, infelizmente, por mãos não tão ingênuas.

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Por Alex Ribeiro

Luz nas Trevas é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1923. Quando seu texto foi traduzido para o Brasil, em edição de 1978, não haviam ainda sido feitas montagens da peça no país. Nos últimos anos, contudo, a peça teve uma montagem de sucesso em Belém, com a premiada Companhia Má de Teatro, ficando no palco por mais de cinco temporadas. O texto viria a receber, também, outras montagens pelo interior do Brasil.

Brecht é reconhecido por fazer um teatro reflexivo, que convida o espectador a pensar sobre as situações políticas e sociais de seu tempo, e com Luz nas Trevas não poderia ser diferente. A peça conta o recorte da relação de Paduk, o personagem principal, com os prostíbulos de uma cidade alemã, provavelmente Berlim. O personagem principal instala um refletor na rua dos prostíbulos para que fique claro quem são seus frequentadores. E, ao mesmo tempo, ele abre um barraco onde oferece conferências sobre doenças venéreas, visando a combater o meretrício que, segundo ele, era a fonte maior de tais doenças. A luz do refletor de Paduk é o que inspira o nome da peça, mas traz consigo um significado metafórico que nos dá a pista das intenções de Brecht. Ele quer desmascarar a postura de paladino da moral vestida por Paduk. Mas, como sabemos, Brecht não tem interesse por questões moralistas, esse é só um ponto de partida para enxergarmos o verdadeiro problema que a peça trabalha, as verdadeiras intenções do seu personagem principal.

Paduk fora expulso do prostíbulo da senhora Hogge por estar sem dinheiro para pagar pelos serviços das mulheres do estabelecimento. A fim de se vingar, Paduk levanta a bandeira de acabar com os prostíbulos, trazendo para si a imagem de um homem que luta pela moral e pela saúde pública da sua cidade. O seu barraco lhe rende bons lucros, oferecendo conferências de trinta minutos, onde os cidadãos são expostos a bonecos de cera com deformidades causadas pelo Esquentamento, Cancro Mole e Sífilis. Chocados com as imagens a que assistem, os homens, aos poucos, começam a deixar de frequentar o prostíbulo. A figura de Paduk passa a ser conhecida, sendo estampada nas capas de jornais, e o que era para ser uma simples vingança se torna um grande negócio para ele.

Mas nem tudo é como parece. A Senhora Hogge revela ao público qual é a origem da postura de Paduk, e de uma maneira inteligente e sutil, ela o convence que o fim do meretrício é também o fim do refletor e do barraco das doenças. Paduk reconhece o futuro declínio do negócio e resolve então mudar de foco. Ao invés de acabar com o meretrício, por que não apenas ensinar métodos de prevenção das doenças? Os prostíbulos continuariam a produzir doenças e ele continuaria a combatê-las, numa relação mútua de lucros. Uma verdadeira sociedade. Lembra talvez a indústria farmacêutica? Talvez.

Brecht foi muito perspicaz em trazer, de maneira muito sucinta, a relação de figuras como Paduk e as causas que essas figuras defendem. Está claro que é isso o que acontece muitas vezes com figuras notórias de todos os lugares. A luta é combatida por eles com vigor impressionante, mas ela não pode terminar nunca. Essa relação precisa ser retroalimentada. No Brasil, temos visto surgir inúmeros Paduks, com discursos de consertar o país, limpar a sociedade do mal, moralizar e defender a família em nome de Deus e coisa e tal. Será preciso trazer Brecht de volta e pedir que ele mostre a realidade, que desperte a reflexão? Não. Basta que o teatro se encarregue de fazer o seu papel, segundo o próprio Brecht, de trazer às claras os verdadeiros problemas que insistem em se camuflar em boas ações. E o teatro passa a ser, então, a verdadeira luz nas trevas.

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