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Por Alex Ribeiro

Mãe Coragem e Seus Filhos é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1939. É considerada uma de suas peças mais importantes, principalmente entre aquelas que visavam a combater a ideia da guerra e o avanço do fascismo e nazismo na Alemanha. Por esta razão, Mãe Coragem se tornou uma das peças mais famosas do dramaturgo alemão. Brecht demorou cerca de cinco meses para escrevê-la e contou, para concluí-la, com a ajuda de sua amante, Margarete Steffin. Nesta peça, Brecht se utiliza do chamado drama político, onde a situação se passa em outra época, diferente daquela em que ela é escrita. Neste caso, o enredo se passa na guerra dos trinta anos, de 1618 a 1648.

Mãe Coragem é uma vendedora ambulante que ganha a vida na guerra, seguindo os regimentos do exército protestante. Ela procura oferecer aos soldados produtos que possam lhes servir de alguma maneira, desde capas para o inverno até mesmo cachaça. O certo é que, nos dias de glória, Mãe Coragem não perde a oportunidade de fazer bons negócios. No entanto, sua maior preocupação é ensinar os filhos a seguirem bem pela vida.

O drama vai crescendo na medida em que os filhos vão se distanciando da mãe. O primeiro é recrutado como soldado, o segundo, como intendente e, por último, a filha, que acaba também tendo seu destino trágico. Os dois primeiros, como era de se esperar, perecem em mãos inimigas. E a menina, que era muda, num ato heroico, morre no telhado de um curral, tocando tambor para alertar a cidade de que tropas inimigas estavam se aproximando. A mãe fica só.

Durante a peça, em muitos momentos, vemos Mãe Coragem enaltecer a guerra e se preocupar com uma possível chegada da paz. Isto se dava porque ela conseguira ganhar a vida como mascate, exatamente na guerra. Em síntese, Mãe Coragem era uma das pessoas que lucravam com a guerra. Essa talvez seja uma das melhores sacadas da dramaturgia de Brecht, nesse texto. Trazer para o palco não um mercado distante e frio, fácil de ser condenado por lucrar com tamanha desgraça. Pelo contrário. Ele nos traz uma personagem carismática que apenas está lutando pela sobrevivência da família. Entendemos que ela, Mãe Coragem, apenas achou uma forma de sobrevivência em meio ao caos, e é neste momento que o dramaturgo se mostra didático. A guerra não compensa, de forma alguma. Ela irá cobrar o preço e Mãe Coragem vai pagar, amargamente, perdendo o que tinha de maior valor, os filhos.

Lendo a peça e pensando o Brasil atual, vemo-nos em uma situação análoga. Temos uma guerra de ideias, de poderes e de desinformação. Há quem esteja se regozijando com tudo isso, enquanto estamos preocupados em discutir com o “inimigo” o que é certo e o que é errado. De certo modo, nós caminhamos como a mascate que percorre a Europa, presenciando o horror da destruição. E, também, como a personagem brechtiana, vamos perdendo nossas riquezas maiores, aquilo por que lutamos tanto para conseguir. E que nos é tão caro. Trazendo o foco para a cultura, talvez por isso vejamos tantas salas de teatro vazias, tanta dificuldade em se construir um produto artístico de forte conscientização, como o drama político de Brecht. O teatro é perigoso, caro leitor. Ele faz enxergar as mazelas. Mazelas estas com as quais fomos acostumados a conviver, por estarmos sempre negociando com ela. Para sobreviver.

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Por Alex Ribeiro

Uma criança chora aqui, em casa
Um choro manso e calado
Uma tristeza fora do comum
Pra quem tem tão pouca idade

O dia mal nasceu, outra vez
E parece ser
Mais um dia de novo

O menino com seus passos miúdos
Continua sem nada dizer

Por que não corres?
Por que não cantas?
Por que não sorris este riso bonito?

Não sabe responder

Ora, menino, é grande a avenida
Deste ainda tão poucos passos
E já pensas em voltar?

Olha tua sombra, como cresce

Dá-me tua mão, te ajudo a atravessar
Teu momento ainda vai chegar
E se de amor, sentes já tanta dor imatura
Amo-te, pois, meu próprio eu
Criança Madura.

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Por Alex Ribeiro

Dorotéia é uma peça de Nelson Rodrigues escrita em 1947, porém, teve sua estreia apenas em 1950. A peça é chamada pelo próprio Nelson de farsa irresponsável em 3 atos. Apesar disso, Ziembinski, diretor da montagem de estreia, utilizou-se de uma concepção trágica da peça que, se por um lado aumentou o tom dramático da peça dando a sensação de tragédia mais bem acabada de Nelson, até aquele momento, de outro lado, a montagem se distanciou da ideia original do dramaturgo. Para Sábato Magaldi, Dorotéia deve ser considerada uma peça clássica. Na divisão das peças rodrigueanas, Dorotéia encontra-se entre aquelas míticas, ao lado de Álbum de Família e Anjo Negro. Porém, para muitos estudiosos do dramaturgo, essa divisão é limitadora e não traduz a grandeza das peças de Nelson Rodrigues.

Três primas, viúvas, recebem a visita da personagem Dorotéia, uma parente, que havia se distanciado da família por ter se virado contra uma tradição familiar, vinda desde sua bisavó. Tal tradição consistia em sentir náusea do marido na noite de núpcias e, dali em diante, viverem distante do sexo oposto, cultivando o horror à beleza e ao corpo nu, corpo este ocultado por longo vestido de luto. Mas, ao chegar na casa das parentas em esplendoroso vestido vermelho, Dorotéia é hostilizada pelas viúvas, tanto pelas suas “faltas” acima citadas, quanto pela sua beleza irresistível. Só há uma saída para Dorotéia ser aceita. Ir ao encontro de um homem misterioso, de nome Nepomuceno, e solicitar a ele que crie nela chagas pelo corpo, a fim de enfeá-la. Só assim, deixando de ser atraente e mantendo uma vida longe dos homens, é que ela seria aceita na família.

Flávia é a líder das três viúvas e, apesar de a peça levar o nome de Dorotéia, é a primeira que chama mais a atenção, é ela quem fica o tempo todo no palco. Com isso, podemos até arriscar desmascará-la, se é que isso é possível numa obra que foge do realismo. D. Flávia é quem manipula todas as personagens da peça, fazendo da sua autoridade as linhas de marionetes que controlam as outras duas viúvas. Também é ela quem designa qual a purificação pela qual Dorotéia terá que passar para ser acolhida no seio da família. D. Flávia faz o que estamos habituados a ver em muitos lares, onde reina o abuso de autoridade. Só se tem a proteção familiar se tudo correr da maneira que ela exigir e, no caso da peça, o forte moralismo determina as amarras emocionais dos familiares de D. Flávia, que só têm duas saídas, fugir ou morrer.

Nessa peça, há uma aproximação de Nelson Rodrigues com Ionesco, ou seja, um distanciamento do realismo que comumente observamos na maioria de suas peças. Porém, como é de praxe nas belas peças de teatro, há vários pontos que causam estranhamento e reflexão no público e, depois, aproximação. Talvez nos deparamos aqui, em Dorotéia, com a inveja, o controle social disfarçado em proteção familiar e, sobretudo, o desejo como forma de pecado. É um caldeirão prestes a derramar e respingar em todo o público. A pergunta que fica é. As sensações que a peça nos causa são de pura aversão ou de identificação? Abrir mão da liberdade de ser, ou lutar por ela até as últimas consequências? Aí, caro leitor, cada um de nós precisa descobrir por si só o que queremos, sermos Dorotéias ou sermos nós mesmos.

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