Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Assim é (se lhe parece) é uma peça do escritor siciliano Luigi Pirandello, escrita no ano de 1917. Teve sua estreia no dia 18 de junho daquele ano, no Teatro Olímpia, em Milão. Em 1953, a peça teve montagem de sucesso no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, com atuação premiada de Paulo Autran. Essa montagem foi considerada por muito tempo uma das melhores apresentadas no TBC, segundo o crítico Décio Almeida Prado. Era o sinal de que a peça se tornaria um clássico do teatro mundial ao lado de Seis Personagens à Procura de Um Autor, também de Pirandello. Assim é (se lhe parece) é uma adaptação da novela A Senhora Frola e o Senhor Ponza, seu genro, que Pirandello havia escrito em 1915, dois anos antes da estreia da peça. Esses personagens ainda reapareceriam no seu romance Um, Nenhum, Cem Mil, de 1925. Por sua notável contribuição para a literatura mundial, Pirandello recebe, em 1934, dois anos antes de sua morte, o Prêmio Nobel de Literatura.

A peça se passa na casa do Conselheiro Agazzi, que está recebendo a visita de conhecidos da cidade. Todos ali querem entender o que acontece com a família do recém-chegado Senhor Ponza, novo funcionário da prefeitura e subordinado de Agazzi. Conforme vão sendo reveladas as informações, a curiosidade se transforma em inquietação. O Senhor Ponza não permite que sua sogra, a Senhora Frola, veja a Senhora Ponza, que por sua vez vive trancada em casa. Todos se surpreendem com as versões contadas sobre o fato. O Senhor Ponza diz que sua primeira esposa, já falecida, era a verdadeira filha da Senhora Frola. Por isso ele impedia que a atual mulher e a Senhora Frola se encontrassem. Essa foi a maneira que ele encontrou de lidar com a loucura da ex-sogra, que não aceitara a morte da filha. Já a Senhora Frola dizia que o Senhor Ponza acreditou que sua primeira esposa, filha de Frola, havia morrido quando esteve internada numa casa de saúde. E quando a esposa doente retornou para o marido, ele acreditou ser uma nova mulher. Por consequência disso, mãe e filha não quiseram contrariar o Senhor Ponza para não inflamar sua loucura.

Dadas as versões do fato, alguns tomavam partido da mulher e outros do funcionário, mas ninguém tinha certeza sobre qual das duas estórias era a verdadeira. Laudisi, cunhado de Agazzi, é o personagem que Pirandello escolheu como o mediador desse conflito, e é ele, Laudisi, com sua perspicácia e humor ácido, quem faz a peça se movimentar. Em Laudisi, vemos uma função muito específica, quase uma metadramaturgia, que vai mostrando ao público as várias faces da verdade. E que tem seu desfecho na chegada da Senhora Ponza. Será que a verdade é finalmente revelada? Assim é, se lhe parece. Ou nas palavras da Senhora Ponza, sou aquela que se crê que eu seja.

A princípio, pode se pensar que se trata de uma peça sem desfecho, mas ela vai para além disso. O desfecho, realmente, não está na inusitada situação do Senhor Ponza e sua família. Está voltado para o sentido da verdade. O mesmo fato tem para as três pessoas envolvidas verdades diferentes e nenhuma delas é certa ou errada. Pirandello nos coloca, com suavidade artística, em uma reflexão sobre o que é a verdade, sobre quem somos e como os outros nos veem. Em tempos de “pós-verdade”, Pirandello nos resgata as questões existenciais que sempre inquietaram o ser humano. Afinal, somos quem acreditamos ser, ou somos aquilo que os outros percebem que somos? Eis aí, caro leitor, a verdade da condição humana. E assim será, se lhe parecer.

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Por Alex Ribeiro

O que fazer, se não sonhar com você?
O que dizer, se não versos de ti?
O que cantar, se não uma música pra nós dois?
O que pensar, se não na tua voz tão doce?
O que saborear, se não o teu perfume na minha camiseta?
O que respirar, se não o meu amor por ti?

Que coisa avassaladora é a tua chegada
Que mesmo sendo discreta me desperta
Palpita, desenfreado, o meu peito
Convidando pra dançar, um doce jeito

Tua boca um delírio de delícia
Envolvente em versos e carícia
Sonho às vezes com você em meus braços
E quem sabe na vida e seus embaraços
Talvez a gente se encontre
De corpo e alma.

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Por Alex Ribeiro

Senhorita Júlia é uma peça escrita por August Strindberg, publicada originalmente em 1888. Esta peça é considerada uma das mais importantes dentre as suas obras dramáticas, que chegam ao impressionante número de 60 peças. Strindberg está entre os maiores escritores suecos de todos os tempos. A sua importância é tamanha que é a partir das suas obras, mais precisamente a partir do romance Salão Vermelho, de 1879, que se inicia o período linguístico chamado Sueco Contemporâneo. Foi a partir daí que a língua nacional sueca passou a se impor sobre os dialetos regionais, culminando na sua estabilidade total em 1906, e se consolidando até os dias de hoje. O escritor é reconhecido por ter influenciado fortemente o teatro do final do século XIX e início do século XX. Importantes dramaturgos da história do teatro reconhecem a importância da dramaturgia de Strindberg, dentre eles Tennessee Williams, Máximo Górki, Eugene O’Neill e também o diretor Ingmar Bergman. Essa peça passa a figurar, portanto, entre os clássicos do teatro, um deleite não só para os aficionados do palco, mas também para os amantes da alta literatura.

Júlia é uma jovem aristocrata, filha de um conde, que acabara de romper o noivado. Sobre esse assunto conversavam os outros dois personagens, no início da peça, Jean e Kristin, o serviçal e a cozinheira do conde. Eles comentam sobre a conduta atípica da patroa, levando em consideração o que se espera de uma mulher solteira. Jean relata ter visto como aconteceu o rompimento entre o casal de noivos, julgando inadequado o comportamento da patroa. Essa forte moral presente nas falas do personagem é o diapasão certo para o início da peça. Caros leitores, segurem-se! Foi dada a largada e os acontecimentos trágicos irão se suceder em intensidade arrebatadora.

Strindberg apresenta primeiro o homem, Jean, submetido a um trabalho que sonha em deixar para trás, por se considerar acima de sua classe social. Desejo esse vindo dos conhecimentos e elegância que adquiriu com o tempo. Depois o dramaturgo nos presenteia com a bela, livre e sedutora Júlia, uma mulher que não se submete aos homens e que não dá importância aos códigos de conduta socialmente impostos. Uma grande mulher que parece encantar tudo o que toca. E é Jean o alvo de seus desejos. Esses dois personagens se envolvem visceralmente, numa sedução que parece arrebatar os românticos de plantão, como em Romeu e Julieta. Eles se digladiam, ou dançam, na melodia suave do amor e nos tons dramáticos de uma guerra de poder. É o contraponto. A mulher rica que não quer se submeter ao homem, e o pobre, porém homem, que não quer se submeter à patroa. Classes sociais se rasgam diante da luta de gêneros, da guerra dos sexos. Strindberg não vai perdoar. Ele retrata bem o que acontecia lá, em 1888, e ainda acontece, quando as mulheres se atrevem a buscar a igualdade com o homem. Nossa Júlia é tragicamente punida.

Há quem diga que Strindberg não permitia que as personagens femininas de suas peças se rebelassem contra os homens, a não ser que ele quisesse retratar, no seu entender, a natureza destrutiva das mulheres. É provável que isso se dava em virtude dos conturbados casamentos que o autor teve. Muitos acreditam que ele chegou a se tornar misógino. Mas uma grande obra de arte sempre ultrapassa as questões humanas de seu artista criador, e hoje a peça se revela no sentido oposto ao que se dizia sobre Strindberg. Ela reflete como somos enquanto sociedade, enquanto homens, mesmo que já se tenham passado 130 anos. O teatro, caro leitor, é espelho.

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