Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Você que me vê por acaso
Caminhando pela rua com pressa
Vestido com a roupa de trabalho
Não sabe o que passei por onde andei

Você que me vê por sua tela
Que desconfia do meu olhar desconfiado
Do meu dorso encurvado
Não sabe o que eu passei por onde andei

Não sabe quanta dor eu carreguei
Quanta lágrima eu guardei
Sem ter onde desaguar

Você que já torceu ou ainda torce
Pelo meu tropeço e má sorte
Não sabe quantas vezes já lutei, por onde andei

Você que me olha e que desdenha
Que me julga e me condena
Que não me ouve, não me entende
Não sabe o que eu senti por onde andei

Só eu sei a dor que me fez crescer
Só eu sei a dor que me faz morrer
E morro cada dia mais um pouco
Sem que possa perceber.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Prometeu Acorrentado é uma tragédia grega escrita por Ésquilo, por volta de 458 a.C., encenada pela primeira vez no festival de tragédias, acontecido em Atenas, naquele ano. Festival este que era parte de uma espécie de ritual religioso, que se realizava naquele tempo, onde os dramaturgos apresentavam trilogias de tragédias para toda a pólis. A influência religiosa sobre as tragédias gregas é significativa. A própria organização dos festivais tem muito mais de religioso do que de artístico, uma vez que são derivações das festas dionisíacas, celebrações de agradecimento pelas colheitas daquele período. É sob esta influência que Ésquilo escreveu tragédias que tinham como temas e personagens centrais as divindades gregas. Neste contexto, Prometeu Acorrentado tem uma característica particular. Todas as personagens são divindades, com exceção da mortal “Io. Não foram encontradas características como essas nas demais tragédias gregas a que temos acesso, o que nos leva a concluir que o dramaturgo possivelmente tinha a intenção particular de revelar e exaltar o poder divino, de forma incontestável. Esta característica está presente inclusive na maneira grandiosa com que falam as personagens, onde a dramaturgia se revela em forma sobre-humana.

Por celebrar as divindades no concurso de dramaturgos, Prometeu Acorrentado, evidente, faz parte também de uma trilogia. No entanto, das 90 tragédias escritas por Ésquilo, Prometeu Acorrentado é uma das 13 que se conservaram por inteira até a atualidade. Dentre as obras destruídas, de que algumas restaram apenas fragmentos, estariam as outras duas tragédias sobre o titã Prometeu, formando, em sequência cronológica, a trilogia Prometeu Portador do Fogo, Prometeu Acorrentado e Prometeu Libertado.

Zeus fica furioso ao descobrir que Prometeu roubou o fogo divino e levou-o aos homens. Como punição, ordena que o titã seja acorrentado numa montanha afastada, na região da Cítia. Lá ele tem os cravos fixados na rocha, através das mãos de Hefesto. Prometeu então começa a cumprir aquela sentença que durará séculos. Mas não deixa de ser estimado entre as divindades e recebe a visita das Oceanides, filhas do deus dos mares e do próprio Oceano, e por último de “Io”, ambos compadecidos do destino de Prometeu.

Mas Prometeu não se abate com o castigo que lhe foi imposto. Pois sabe que Zeus precisará de seus poderes. Prometeu tem o poder de saber as coisas que acontecerão nos futuros mais longínquos. Ele sabe quando será libertado e, também, quando Zeus será destronado. E é isso o que mais irrita o todo poderoso do Olimpo. Zeus está preocupado por não ter a informação fundamental para a manutenção do seu poder. Afinal, quem o destronaria? Com isso, Hermes, o arauto dos deuses, é enviado para dizer a Prometeu que, se ele se curvar e pedir perdão, Zeus irá suspender o castigo. A negativa de Prometeu gera um agravo ao seu castigo. Todas os dias, uma ave de rapina irá comer seu fígado, causando uma dor terrível, mas à noite o fígado se reconstruirá para ser novamente devorado no dia seguinte, e assim pela eternidade.

O nome Prometeu significa “aquele que vê antes”, e isso é o que move a trilogia de Ésquilo. Prometeu já sabia de tudo que aconteceria a ele, mas também sabia tudo que se passaria com Zeus. A fonte maior de poder de Prometeu está no conhecimento, na sua habilidade de saber o que vai acontecer. Talvez este seja o grande impacto da trilogia de Prometeu, se conectar ao leitor, que também tem a ânsia pelo conhecimento do futuro. Ao mesmo tempo, deixa-nos uma mensagem clara. Que o conhecimento pode nos mostrar possibilidades, e estas possibilidades nos dão a chance de escolher. Exaltar um deus tirano, nos humilhar perante ele? Ou resistir à sua pesada punição até que ele caia do seu trono? Fazer o bem aos homens, mesmo sabendo que será preso por isso, ou deixar que o fogo seja apenas um privilégio dos deuses? Parece-nos que a tragédia grega tem muitos pontos parecidos com política brasileira. E talvez seja isso, caro leitor. Estamos em meio à uma tragédia tupiniquim. E assim ecoa o grito trágico. Prometeu livre!

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Por Alex Ribeiro

O Inspetor Geral é uma peça de Nikolai Gógol, escrita em 1836, que teve sua estreia em 19 de abril daquele ano, em São Petersburgo, na sua amada Rússia. No Brasil, a peça teve estreia em 1966. A montagem brasileira, repleta de nomes que entrariam para história do teatro nacional, dentre eles Augusto Boal, como diretor, e Gianfrancesco Guarnieri, como o protagonista Khlestakov, foi um verdadeiro sucesso. Apesar de a peça ter arrebatado o público com uma crítica social e política muito intensa, desde a sua estreia, no século XIX, até os dias de hoje, tal arrebatamento não era o objetivo de Gógol, muito pelo contrário, sua pretensão com o texto teatral era um tanto modesta. O escritor, que era um homem conservador e simpatizante do Czar, queria escrever uma comédia leve, em que mostrava o cotidiano ridículo de uma pequena cidade no interior do imenso território russo. Ali, talvez, a obra se tornara tão viva que surpreendera o próprio autor. A habilidade em descrever a realidade, os tipos e costumes russos daquele tempo, permitiu que Gógol revelasse o que havia de mais humano no seu povo e, consequentemente, não foram poucas as mazelas expostas. Apesar das crises artísticas e existenciais que suas obras lhe causaram, Gógol inaugurou uma nova etapa da literatura russa, que iria inspirar outros grandes autores, como Dostoievski, Tolstói, Tchechov e outros mais, fazendo daquele país um dos mais importantes berços da literatura mundial.

Um pequeno vilarejo russo recebe a informação de que em breve chegará aos seus portões um inspetor geral, que virá fiscalizar todo o serviço público do lugar. O governador do vilarejo, que recebe a carta, junta-se aos outros funcionários importantes para que possam traçar uma estratégia para encobrir suas cotidianas corrupções. Ao mesmo tempo, chega-se à cidade um baixo funcionário da capital, porém, metido a importante, e este se instala num hotel do vilarejo. É Khlestakov, que estando de viagem para sua cidade natal, perdera todo o seu dinheiro no jogo, e por essa razão parara ali, sem recursos para seguir com sua viagem. O desespero toma conta das lideranças locais, que precisam imediatamente verificar quem é o forasteiro recém-chegado. Seria o inspetor?

Khlestakov vai recebendo as visitas mais inesperadas, de todos aqueles homens de grande importância, até então desconhecidos por ele. É quando percebe que está sendo confundido com o Inspetor Geral e resolve se aproveitar da situação. Retira dinheiro de todos eles com facilidade, instala-se no melhor quarto da casa do governador, come do melhor banquete e ainda flerta com a filha e a mulher do homem mais importante do vilarejo. Por fim, segue sua viagem com o bolso cheio do dinheiro das propinas que recebera. Os líderes, já tranquilos com a partida pacífica do falso inspetor, comemoram o desfecho favorável que a história teve. Porém, é quando a reviravolta se dá. Ainda no auge da euforia, recebem duas notícias que soam como catástrofes. Khlestakov não era o inspetor geral e enganara a todos, e, para piorar a situação, o verdadeiro inspetor acabava de chegar e estava convocando uma reunião com todos os líderes locais.

O Inspetor Geral é considerado um clássico da sátira teatral e, além disso, uma obra prima da dramaturgia. Sua capacidade de denúncia, juntamente com o humor refinado, fazem com que a peça ainda hoje seja sucesso e demonstre como se configuram as tramas de corrupção já naquele século XIX, chegando até a contemporaneidade.

Os cidadãos do pequeno vilarejo russo, ou mesmo das pequenas e grandes cidades do nosso vasto Brasil, veem-se inseridos no ambiente da peça, pois é também assim que suas autoridades se comportam, manipulando os cargos que ocupam para benefícios próprios. E, às vezes, quando esses cidadãos veem a chegada de um Inspetor Geral que vai varrer toda sujeira, caçar os marajás, ou mesmo acabar com isso daê, terminam por ser enganados, pois, na verdade, o salvador da pátria normalmente é só mais um deles. Caro leitor, por isso o teatro é tão temido pelos poderosos. Porque ele é o espelho da sociedade.

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