Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Ricardo III é uma peça escrita por William Shakespeare entre 1592 e 1593, baseada na história do Rei Ricardo III da Inglaterra. A peça é precedida por outra obra histórica de Shakespeare, Henrique VI, esta dividida em 3 partes, formando, assim, as duas obras, a primeira tetralogia do autor britânico. Sete anos após escrever Ricardo III, Shakespeare entraria numa nova etapa de sua dramaturgia, onde criaria suas grandes tragédias.

A personagem de Ricardo é construída de uma maneira muito singular para os padrões shakespearianos de até então. Aqui, todas as ações da personagem Ricardo levarão a todas as consequências que lhe acometem no decorrer da peça. Talvez este seja um dos esboços de construção dramática das suas grandes personagens trágicas, que viriam a ser escritas alguns anos depois. Por outro lado, na construção do seu Ricardo, Shakespeare molda sua personalidade com uma maldade desmedida, quase sem aspectos humanos, o que possibilita o distanciamento do espectador, para que possa se encantar com o carisma, dissimulação e humor ácido da personagem. Essa estrutura dramática da personagem de Ricardo aparece em muitos vilões do cinema, que acabam, apesar de sua maldade, despertando um grande interesse do público. Talvez um dos exemplos mais interessantes seja a construção de Scar, em O Rei Leão, filme este em que, aliás, as personagens têm muito de Shakespeare.

O exímio dissimulador Ricardo quer ser rei a qualquer custo, e não poupará esforços, nem vidas, para chegar ao trono. Arquiteta a morte do rei e de todos os possíveis sucessores ao trono. E não foram poucas as mortes, nem mesmo seu próprio irmão tem a vida poupada, pelo contrário, é uma das primeiras mortes a acontecer. As mulheres que aparecem na peça, rainhas e princesas, parecem ser as únicas a perceber a maldade intensa de Ricardo, pois são elas as viúvas das mortes por ele causadas.

Após dissimular a santidade e a retidão de caráter, e fingir não se acreditar digno do trono, Ricardo é coroado. Porém, não haverá tranquilidade para um rei tão vil. Uma guerra é declarada e a coroa está em risco. E no meio da batalha, já em contato eminente com a derrota, Ricardo profere a icônica frase da peça: “Meu reino por um cavalo!”.

Apesar de ser um personagem que não aparenta virtudes, Ricardo III, ainda assim, serve de base apara entendermos o comportamento de muitos líderes para chegarem ao poder. Na vida e na arte, conseguimos ver várias personagens que estão dispostas a tudo para chegarem e permanecerem no poder. Mesmo que para isso precisem matar muitos inocentes. Sejam as mortes físicas, na Inglaterra de Ricardo III, ou as inúmeras mortes simbólicas e concretas, no Brasil atual. Meu país por um laranja? Trágico.

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Por Alex Ribeiro

A dor mal cabe no peito
Tamanha é a tristeza,
E a alegria, minúscula
É do tamanho de um instante
Se perdendo por entre os dedos

A tristeza é maior do que a gente
É um fardo pesado,
Que se arrasta sofrendo
Ou que nos afunda no mar

Ela às vezes sucumbe o homem
Hora ou outra se alimenta de nós
Às vezes, dos outros ela vem
Sem cerimônia me refém
Numa bússola sem norte

Será ela que desgasta nossa alma
Assim como os anos em meus ossos?

É um vício, já disseram
Está nos versos, nos poemas
Nas músicas, nos dilemas
No sistema nervoso central

Na central da minha vida
Pequena e sentida.

Alex Ribeiro

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

O Misantropo é uma peça de Molière, encenada pela primeira vez em 1666, na França. O dramaturgo, que também era ator, interpretou a personagem principal, Alceste. É uma das peças que sucede o famoso Tartufo, texto este que teve grande repercussão negativa dentro da Corte francesa, por abordar como temática central a hipocrisia, construindo uma crítica aos costumes franceses da época. Pela reatividade da Corte ao Tartufo, Molière tenta suavizar sua crítica à hipocrisia em O Misantropo, mas isso não é suficiente para que o texto seja melhor recebido. Esta preocupação em dosar a exposição do comportamento hipócrita da Corte é muito perceptível no texto. De certa forma, parece-nos que o próprio Molière está ali se revelando numa de suas facetas, no seu Alceste, para combater aqueles que haviam reagido ao Tartufo. Alceste então configura-se como o anti-tartufo, mesmo que a dramaturgia construída leve o espectador a entrar em contato com a mesma temática, a hipocrisia.

Alceste é um nobre francês que condena a hipocrisia dos bons costumes e, de maneira rude e grosseira, vive em conflito com os que o cercam, condenando suas ações insinceras e palavras contraditórias. Assim faz com seu amigo Philinte, e com a dama pela qual se vê apaixonado, Célimène. O primeiro, por se portar como um homem agradável que não quer causar indisposições a ninguém, mesmo que para isso ele precise recorrer à mentira e à omissão. A segunda, pela quantidade de pretendentes que ela mantém em torno de si, sem dizer a nenhum deles qual o seu verdadeiro sentimento e por qual daqueles homens ela estaria disposta a deixar sua viuvez.

Alceste percorre a peça se digladiando com todas as personagens e, ao mesmo tempo, padecendo de feroz paixão por Célimène. Há poucas mudanças e revelações sobre ele, conforme avançam as cenas. Porém, o que se revela é o quanto é justificada a reação exagerada que a personagem tem em relação à sociedade, levando Alceste a concluir que melhor seria não fazer parte dela.

Em tempos de fake news, como este em que vivemos hoje, Molière se mostra cada vez mais atemporal, e sua dramaturgia cada dia mais se eterniza como clássico do teatro. A mentira, a falsidade, a hipocrisia sempre foram ferramentas usadas para se alcançar o poder, mas atualmente chegamos a tal ponto que ficamos estarrecidos com o que enxergamos nas condutas daqueles que nos governam. De certa forma, aqueles que veem os absurdos cotidianos a que estamos sendo obrigados a nos submeter, acabam por se tornarem Alcestes que denunciam um país que vai se desmantelando. E, aos olhos da Corte, são eles, os que denunciam, pessoas inconvenientes e exageradas. É isso, Molière? A luta contra a hipocrisia é uma luta eterna? Que nos esbaldemos, então, nos clássicos, antes que eles sejam arrancados de nós.

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