Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Jackson Melo

Durante toda minha vida
Sempre houve alguém
Pra sussurrar em meus ouvidos
O que eu deveria fazer
Se eu os escutasse
Não estaria aqui
Pra estes versos contar

Me disseram
Que o desconhecido
Seria perigoso
E só quando
Saí de minha caverna
Percebi que ele
Era explorável

Me disseram
Que o fogo
Me queimaria
Até que não restasse nada
Da minha carne
Mas eu fui lá
E o dominei
Para que teu calor
Me tornasse forte
Em noites frias

Me disseram
Que o horizonte
Era o fim
Eu fui até lá
E descobri
Que era apenas
O começo

Me disseram
Que o teu beijo
Arruinaria meus planos futuros
Mas novamente
Eu não dei ouvidos
E cá estou eu
Me planejando ao teu lado.

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Por Leivison Silva

Viúva, porém honesta é uma peça escrita em 1957, por Nelson Rodrigues (1912-1980), e foi definida pelo próprio autor como uma “farsa irresponsável em três atos”. Ela está classificada no grupo das chamadas “peças psicológicas” do dramaturgo. Segundo estudiosos da vida e da obra de Nelson Rodrigues, Viúva, porém honesta foi escrita como uma resposta do dramaturgo às duras críticas que recebeu por sua peça anterior, Perdoa-me por me traíres. A primeira montagem de Viúva, porém honesta aconteceu no ano de sua escrita, no Teatro São Jorge, no Rio de Janeiro, e tinha no elenco o ator Jece Valadão (1930-2006), cunhado de Nelson à época.

A peça gira em torno de Ivonete, uma adolescente que ficara viúva recentemente e desde então se recusava a sentar-se, como prova de sua fidelidade ao marido morto, Dorothy Dalton, um ex-delinquente juvenil fugitivo do SAM, Sistema de Assistência a Menores, que fora transformado em crítico teatral. Antes uma esposa declaradamente adúltera, Ivonete acredita que só um marido morto merece fidelidade. O pai de Ivonete, o inescrupuloso doutor J.B. de Albuquerque Guimarães, é diretor do maior jornal do Brasil, “A Marreta”. Por causa de um diagnóstico equivocado do médico da família, que havia dito que Ivonete estava grávida, o doutor J.B. casou sua filha às pressas com Dorothy Dalton, mesmo sabendo que Dorothy Dalton era homossexual. No entanto, pouco tempo depois do casamento, Dorothy Dalton foi atropelado por um carrinho de picolé Chicabom e morreu. Desesperado com a postura irredutível de Ivonete, o doutor J.B. pede ajuda a alguns especialistas do sexo para convencerem sua filha viúva a retomar sua vida. São eles: Madame Cri-Cri, uma ex-cocote, doutor Lupicínio, um psicanalista, e doutor Sanatório, um otorrino. No entanto, nenhum deles consegue uma solução satisfatória para a problemática. Quem acaba por resolver esse impasse é o divertido Diabo da Fonseca, que ressuscita Dorothy Dalton, tirando assim Ivonete de sua viuvez.

Em Viúva, porém honesta, Nelson Rodrigues é bastante assertivo ao fazer graça com a instituição casamento, com o charlatanismo de certos “profissionais” e ao questionar as convenções sociais e a hipocrisia de alguns setores da sociedade, além de alfinetar, com muito bom humor, a imprensa, em especial a crítica teatral. Nelson constrói em Viúva, porém honesta um texto irreverente, bufão, permeado pelo sarcasmo e repleto de personagens carismáticos e extravagantes. Outro ponto que chama a atenção é a brincadeira que Nelson faz com o tempo, inserindo flashbacks que são literalmente encenados durante a ação, e nos quais todos os personagens dão seus pitacos.

Passados mais de sessenta anos de sua estreia, Viúva, porém honesta continua espantosamente atual. Ainda temos o sexo como um tabu, somos obrigados a conviver com o jornalismo sensacionalista e com a hipocrisia do politicamente correto se infiltrando em todos os setores da sociedade para proteger a moral da chamada “família tradicional brasileira”. De qualquer forma, fica aqui essa deliciosa sugestão de leitura, que o nosso querido anjo pornográfico deixou de herança para a nação brasileira. Detalhe, caros leitores! Qualquer semelhança com o Brasil de 2018 não é mera coincidência.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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Uma mulher de brios

Por Leivison Silva

ANNA KARENINA (93’), Estados Unidos (1935), é uma das mais conhecidas adaptações cinematográficas que o romance homônimo de Leon Tolstói (1828-1910) recebeu ao longo dos anos. Dirigida por Clarence Brown (1890-1987), essa suntuosa produção é protagonizada por ninguém menos que a inesquecível Greta Garbo e por Fredric March (1897-1975). Por sua atuação em Anna Karenina, Greta Garbo foi premiada pela Academia dos Críticos de Cinema de Nova York, prêmio esse que viria a ganhar novamente no ano seguinte por A Dama das Camélias. A propósito, essa não foi a primeira vez que Greta Garbo interpretou a protagonista do romance russo nas telas. A atriz já havia vivenciado a personagem Anna Karenina anos antes, na época do cinema mudo, em uma adaptação intitulada Love (1927), adaptação esta que foi dirigida por Edmund Goulding (1891-1959) e na qual contracenou com John Gilbert (1899-1936), o homem que a considerava o amor de sua vida.

A bela Anna Karenina viaja até Moscou para acalmar sua cunhada Dolly (Phoebe Foster), que já estava cansada das frequentes puladas de cerca de Stiva (Reginald Owen), irmão de Anna. Logo na chegada, um fato chocante anuncia a tragédia do filme. “É um mau presságio”, Anna comenta com o irmão. Nessa viagem, Anna conhece o conde Alexei Vronsky (Fredric March), que se apaixona por ela e passa a cortejá-la, para desgosto da jovem Kitty (Maureen O’Sullivan), irmã de Dolly, que é apaixonada por Vronsky. Anna não é indiferente ao conde, mas, para não cair em tentação, decide antecipar sua volta a São Petersburgo, onde seu marido, Karenin (Basil Rathbone), e o filho do casal, Sergei (Freddie Bartholomew), a esperam. Acontece que Vronsky não é de desistir facilmente e continua a cortejar Anna, mesmo em São Petersburgo, sob as vistas do marido. Logo a relação clandestina dos dois torna-se um prato cheio para os fofoqueiros de plantão.

Anna, esposa fiel e mãe devotada, que fora arrebatada por um sentimento até então desconhecido, o amor, pensa bastante antes de tomar a difícil e corajosa decisão de viver plenamente esse romance, abrindo mão de sua reputação, de sua posição social e do que tem de mais precioso na vida, seu filho Sergei. Karenin, um homem público preocupadíssimo com as aparências, se recusa a dar o divórcio a Anna e, para se vingar da esposa adúltera, a proíbe de ter qualquer contato com o filho, chegando mesmo a dizer para o menino que sua mãe havia morrido. Ferida, Anna embarca numa viagem pela Europa com Vronsky.

A princípio, tudo são flores. Vronsky se mostra apaixonado e atencioso, mas não demora muito para a relação dos dois se desgastar e o paraíso desmoronar. Anna aos poucos vai percebendo que a decisão de Vronsky de viver esse amor não é tão definitiva quanto foi a sua. Vronsky vai ficando cada vez mais irritadiço, lamentando abertamente a falta que sente da sua vida anterior e do convívio com os camaradas do regimento. Com a saudade do filho corroendo seu coração, Anna concorda em voltar para a Rússia. No entanto, essa volta para a Rússia torna ainda mais penoso o calvário de Anna. Enquanto Dolly admira a coragem de Anna, achando que a cunhada leva uma vida interessante, divertida e glamourosa, repleta de viagens e mudanças, portanto, bem melhor do que a sua, em que tem que aguentar calada as traições de Stiva, Anna é defrontada com o alto preço cobrado pela sociedade por ter tido a coragem de bancar sua escolha. Uma escolha frustrantemente solitária.

Muitos são os atributos dessa apaixonante versão cinematográfica do romance de Leon Tolstói. A começar pelos cenários, de encher os olhos, os belíssimos figurinos, a trilha sonora tipicamente russa, que dá um toque todo especial às cenas, a direção cuidadosa e classuda de Clarence Brown, os closes precisos e os diálogos inteligentes do roteiro, nos quais os personagens proferem falas bastante espirituosas. Dentre as atuações, destaque para Basil Rathbone, que construiu um Karenin frio e austero, e Phoebe Foster, com sua desiludida Dolly.

Mas o que Anna Karenina tem de melhor, com certeza, é a onipresença de Greta Garbo, a alma e o coração do filme.

Essa é uma versão que foca nos dramas e conflitos da protagonista. Nesta segunda vez em que encarna Anna Karenina, Greta Garbo deixa bem claro o porquê de ser considerada uma das grandes lendas do cinema. Ela nos presenteia com uma atuação sensível e cheia de nuances. Os infortúnios e os sentimentos contraditórios de Anna transbordam da tela através das marcantes expressões faciais e das sutis mudanças de registro vocal que Greta Garbo empresta para a personagem. A diva sueca faz de Anna uma personagem lindamente humana, sem cair no estereótipo de mulher bela, recatada e do lar que caiu em tentação. Muito pelo contrário. Greta Garbo é extremamente eficaz em fazer jorrar pelo olhar e pelas falas da personagem toda a força e tragédia que parece conter dentro de si. E o mais interessante. Garbo, que não teve filhos na vida real, tem uma ótima conexão com o ator mirim Freddie Bartholomew. As cenas entre mãe e filho exalam afeto e cumplicidade, sendo assim os momentos mais ternos do filme.

Em suma, caros leitores. Temos aqui um belo clássico da sétima arte que encanta e comove tanto os que leram a obra de Tolstói quanto aqueles que apenas assistiram ao filme. Altamente recomendado.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin.