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Quando um coração infeliz conhece o amor

Por Leivison Silva

A DAMA DAS CAMÉLIAS (109’), Estados Unidos (1936), é a mais aclamada das muitas adaptações cinematográficas que o romance homônimo de Alexandre Dumas Filho (1824-1895) recebeu ao longo dos anos. Dirigida por George Cukor (1899-1983), essa luxuosa produção é protagonizada pela estrela sueca Greta Garbo (1905-1990) e por Robert Taylor (1911-1969). A Dama das Camélias rendeu a Greta Garbo sua terceira indicação ao Oscar de melhor atriz. Ela não conquistou a famosa estatueta, mas foi premiada pela Academia dos Críticos de Cinema de Nova York por sua refinada atuação neste filme. Garbo já havia sido premiada uma vez, no ano anterior, pela Academia dos Críticos de Cinema, por seu papel em Anna Karenina.

Na agitada Paris de 1847, vive a bela Marguerite Gautier (Greta Garbo), a mais cobiçada cortesã da Cidade Luz. Vinda de uma humilde família camponesa, Marguerite agora é conhecida como “A Dama das Camélias” por sempre aparecer em público com um buquê de camélias, sua flor preferida. Apesar de ter a saúde fragilizada pela tuberculose, Marguerite leva uma vida perdulária, festiva e luxuosa, bancada por seus muitos admiradores, dividindo-se entre ateliês da moda, teatros, cassinos e bailes, sempre acompanhada pela divertida e interesseira Prudence (Laura Hope Crews). Ela encanta os homens com sua beleza, mas não se envolve seriamente com nenhum deles, até conhecer o jovem e ardente Armand Duval (Robert Taylor), que se apaixona por ela, à primeira vista, ao vê-la num camarote do teatro. Ele logo passa a cortejá-la. A princípio, Marguerite resiste, mas diante das tantas investidas românticas e declarações apaixonadas de Armand, acaba por render-se ao amor. Mas, ironia da vida, agora que A Dama das Camélias finalmente conheceu o amor, é obrigada, pelas opressivas convenções sociais, a abrir mão dele.

O pai de Armand, Monsieur Duval (Lionel Barrymore), é contra o romance de seu filho com uma cortesã. Ele procura Marguerite e a chantageia emocionalmente, argumentando que se ela insistir nesse romance, Armand terá seu futuro irreversivelmente prejudicado, com todas as portas sendo-lhe fechadas. Com o coração sangrando, mas com a convicção de estar fazendo o que acredita ser melhor para o seu amado, Marguerite acata o pedido de Monsieur Duval e, num nobre gesto de abnegação, afasta-se de Armand.

Sucesso de crítica e de bilheteria, A Dama das Camélias é um belo exemplar da chamada “Era de Ouro de Hollywood”. Temos aqui uma requintada produção de época, apoiada numa ótima direção, com uma fotografia de encher os olhos, valorizada por uma competente direção de arte, com belos cenários, figurinos e locações, além da agradável trilha sonora composta por Herbert Stothart (1885-1949) e Edward Ward (1900-1971). Porém, o mais bonito, e triste, do filme é o amor verdadeiro sendo sacrificado por um “bem maior”, mostrando toda a nobreza e humanidade de uma figura considerada moralmente inferior, mas que foi capaz de transcender o egoísmo e abrir mão do amor da sua vida, visando ao bem do ser amado.

Greta Garbo é a alma e o coração de A Dama das Camélias, a protagonista absoluta do filme. A cada aparição sua, iluminando a tela, nossos olhos são imediatamente atraídos para a sua beleza misteriosa e cristalina. Sua atuação, cheia de sutilezas, hipnotiza e dá um charme todo especial à sofrida personagem-título.

A Dama das Camélias é um clássico da sétima arte, presença garantida entre os melhores filmes da história do cinema. Indispensável na lista de filmes a serem assistidos pelos cinéfilos de plantão. Ou por aqueles que desejam ser arrebatados por uma bela história de amor.

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Por Leivison Silva

A Moratória é uma peça em três atos, escrita em 1954, pelo dramaturgo paulista Jorge Andrade (1922-1984). A primeira montagem de A Moratória estreou em 1955, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo. Fernanda Montenegro integrou o elenco dessa primeira montagem, no papel de Lucília. A peça ganhou o Prêmio Saci, premiação anual criada pelo jornal O Estado de São Paulo.

A Moratória conta a história de Joaquim, um barão do café extremamente ligado à terra, mas que vai à ruína após escolhas equivocadas que o levaram a fazer péssimos negócios e contrair dívidas. Joaquim é casado com Helena e tem dois filhos, Marcelo e Lucília. Antes de suas terras irem a leilão para saldar a dívida, Joaquim era muito prestigiado e sua família não tinha preocupações com dinheiro. Com a crise, foram obrigados a se mudarem para uma pequena casa na cidade, onde passaram a viver com dificuldades. Lucília aprendeu a costurar para sustentar a casa e mesmo Marcelo, o boa-vida da família, arrumou um emprego num frigorífico.

A ação da peça gira basicamente em torno da esperança que Joaquim tem de retornar às suas terras, esperança essa nomeada juridicamente de “moratória”, mas que, no final das contas, não se concretiza. Jorge Andrade usa esse personagem como um símbolo da oligarquia cafeeira que ditava as regras durante a República Velha, mas que caiu por terra após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, e após a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Outro símbolo usado na peça é o galho da jabuticabeira que Joaquim traz da fazenda para a casa da cidade. O galho da jabuticabeira funciona tanto como a lembrança sólida de um passado de fortuna, quanto como uma esperança materializada de retornar à vida que tinham antes da crise.

Ao final da peça, com a moratória recusada pelo governo, apesar dos esforços de Olímpio, advogado e noivo de Lucília, que entrou com um último recurso na tentativa de recuperar a fazenda da família da noiva, todos acabam tendo que se conformar com a nova realidade. Lucília então toma para si a responsabilidade de recuperar a dignidade da família.

Com A Moratória, Jorge Andrade inovou a escrita teatral brasileira ao valorizar e se preocupar também com a encenação. A ação da peça acontece em “dois planos que dividem o palco mais ou menos em diagonal”, escreve ele no começo do primeiro ato. O primeiro plano, ou plano da direita, representa a sala da casa da cidade onde eles residem no presente, enquanto o segundo plano, ou plano da esquerda, representa a sala da fazenda em 1929, pouco antes de ir a leilão.

Embora estejam separados pelo tempo e pelo espaço, os planos dialogam entre si. O que acontece num plano reverbera no outro. A princípio, tal recurso poderia causar confusão, mas Jorge Andrade, com sua carpintaria dramática requintada, acentua o drama dessa família através dos contrastes e das semelhanças, e também da complementação das situações e diálogos em curso num e noutro plano. Isto vem para mostrar como a roda da fortuna, ao girar, traz para baixo quem estava por cima, neste caso, os coronéis latifundiários que enriqueceram com o chamado “ouro verde”.

A Moratória é um ótimo exemplo de um drama nacional com um tema nacional, no qual Jorge Andrade retrata, com maestria e lucidez, um importante período de transição na história econômica do Brasil. Essa peça ajudou a consolidar a produção de uma dramaturgia tipicamente brasileira, um teatro que, literalmente, fala a nossa língua, que fala da nossa história, da nossa gente. Leitura indispensável para os amantes da pátria amada.

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Por Leivison Silva

Salomé é uma tragédia em ato único, subdividida em quatro cenas. Escrita originalmente em francês, em 1891, por Oscar Wilde (1854-1900), para ser encenada pela grande atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923), Salomé teve sua primeira edição publicada em 1893. No entanto, Sarah não pôde encená-la de imediato, pois a obra fora proibida de ser apresentada por ser considerado ilegal representar personagens bíblicos no teatro. A peça só foi liberada para estrear nos palcos franceses em 1896, ano em que Oscar Wilde se achava na prisão, na Inglaterra. Oscar Wilde havia se envolvido com o jovem poeta Alfred Douglas (1870-1945), o responsável por traduzir Salomé para o inglês e cuja edição ganhou as famosas ilustrações de Aubrey Beardsley (1872-1898), em 1894. Esse envolvimento com o filho do Marquês de Queensberry viria a dar muitas dores de cabeça a Oscar Wilde. O texto Salomé ainda serviu de base para o libreto da ópera homônima composta por Richard Strauss (1864-1949), cuja estreia se deu em 1905, em Dresden.

Salomé se baseia numa famosa passagem do Novo Testamento, que é relatada tanto no Evangelho de Mateus quanto no Evangelho de Marcos. Trata-se da história da execução do profeta João Batista, chamado de Iokanaan na peça.

A ação começa com alguns soldados e servos de diversas nacionalidades observando a lua no terraço do palácio de Herodes Antipas. Dentre eles, destacam-se o pajem da rainha Herodias, e Narraboth, o sírio, capitão dos guardas. Narraboth compara a lua à princesa Salomé, por quem é apaixonado, enquanto o pajem da rainha aconselha-o a não olhar muito para a princesa da Judeia. Ouve-se então a voz de João Batista. O profeta encontra-se dentro de uma cisterna, de onde grita suas profecias e imprecações, despertando os mais variados sentimentos naqueles que o escutam.

Salomé surge então no terraço, perturbada, fugindo dos olhares inconvenientes que Herodes Antipas, Tetrarca da Judeia, seu tio e padrasto, lançava-lhe durante o banquete dado aos embaixadores de César. Iokanaan profetiza a vinda do Filho do Homem, despertando a curiosidade de Salomé em conhecer aquele homem que dizia coisas tão terríveis sobre sua mãe, Herodias, e que era temido pelo próprio Herodes. Apesar das recomendações dos servos e da hesitação dos soldados, Salomé exige que tragam Iokanaan à sua presença, chantageando emocionalmente Narraboth, que acaba por lhe fazer a vontade.

Iokanaan é trazido para o terraço, onde sente a presença do anjo da morte rondar o palácio, chegando mesmo a ouvir o rumor de suas asas. Diante da figura singular e misteriosa do profeta, Salomé é tomada por uma paixão fulminante. Ela passa a desejar ardentemente Iokanaan, que, no entanto, a despreza, chamando-a de “filha da Babilônia” e “filha de Sodoma”. Vendo a insistência de Salomé em beijar a boca de Iokanaan, Narraboth, desgostoso, comete suicídio. Iokanaan amaldiçoa Salomé e volta para a cisterna. Antes que os soldados possam retirar o corpo de Narraboth do terraço, entram em cena Herodes Antipas, Herodias e toda a corte.

Herodes escorrega no sangue de Narraboth, tomando isso por um mau agouro. Herodias, extremamente irônica, faz pouco das crendices do marido. Herodes afirma ainda estar sentindo um vento frio sobre o palácio, como o bater de grandes asas, e Herodias continua a ridicularizá-lo. Herodes então convida Salomé a se aproximar, mas esta se mantém esquiva. Iokanaan volta a praguejar, profetizar e ultrajar Herodias de dentro da cisterna, o que deixa a rainha profundamente irritada.

Ignorando as queixas de Herodias, o Tetrarca da Judeia ordena que Salomé dance para ele. A princípio, Salomé se recusa, mas diante do juramento que Herodes faz de lhe dar qualquer coisa que ela pedir, até mesmo a metade do reino, Salomé aceita dançar. Herodias tenta demover a filha desse intento, mas é inútil. Salomé executa então a dança dos sete véus, em êxtase, à borda da cisterna na qual está aprisionado Iokanaan.

Ao fim da dança, Herodes, satisfeito, pergunta a Salomé o que ela deseja como recompensa e fica absolutamente chocado quando ela pede que lhe tragam, numa grande bandeja de prata, a cabeça de Iokanaan. Herodias aprova o pedido da filha e aproveita a oportunidade para tripudiar o marido. Agora é Herodes, temendo que aconteça uma desgraça caso Iokanaan seja morto, quem tenta fazer Salomé mudar de ideia, oferecendo-lhe tesouros raros e valiosos, mas Salomé mantém-se firme. Herodes não tem outra saída senão atender, contrariado e assustado, ao pedido da enteada.

Herodias retira então o anel da morte do dedo de Herodes e o entrega ao executor, que desce à cisterna, decapita Iokanaan e traz a cabeça do profeta numa grande bandeja, conforme pedira Salomé. Num êxtase de necrofilia, a princesa da Judeia proclama seu amor rejeitado pelo profeta e beija voluptuosamente os lábios da cabeça decepada de Iokanaan, para alegria de Herodias e horror de Herodes, que se retira enojado do terraço. Antes que o pano caia, Herodes volta à cena e ordena que seus soldados matem Salomé.

Salomé é uma lírica e brilhante acareação entre a sensualidade do paganismo e a humildade devota do incipiente Cristianismo. “Vai chegar o Senhor! Está próximo o Filho do Homem. Os centauros ocultam-se nos rios e as ninfas, deixando os ribeiros, deitam-se nas florestas”, profetiza Iokanaan, na Cena II. Essa fala, escrita no final do século XIX, lembra uma velha tradição cristã, segundo a qual, quando o anjo avisou os pastores de Belém do nascimento de Jesus, os oráculos se calaram e um gemido profundo, ouvido em toda a Grécia, anunciou que Pã morrera. As ninfas choraram nos bosques, desoladas, e toda a realeza do Olimpo fora destronada, passando a vagar no frio e nas trevas.

Oscar Wilde, como tantos escritores ocidentais, provavelmente devia lamentar, no íntimo, o desaparecimento da bela mitologia que embalou a juventude do mundo, substituída pela dura verdade cristã, em sua maioridade. Um indício é a maneira como escreveu Salomé. Ao nos contar novamente a história do amor carnal da princesa da Judeia pelo profeta incumbido por Deus de preparar o caminho para que Jesus cumprisse sua missão redentora na Terra, Wilde presenteou a humanidade com um texto que exala poesia, sangue e pecado, uma obra prima do sadismo, enfim, que vale muito a pena ser lida.

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